sábado, 3 de abril de 2010

Crédito Prêmio do IPI - Questões Relevantes

A Decisão que considerou extinto o conhecido “Crédito Prêmio do IPI” desde 1990, conforme artigo 41 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT foi como uma ducha de água fria nas empresas que já haviam contabilizado referente benefício fiscal.

Art. 41. Os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis.

§ 1º Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data da promulgação da Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei.

§ 2º A revogação não prejudicará os direitos que já tiverem sido adquiridos, àquela data, em relação a incentivos concedidos sob condição e com prazo certo.

É inevitável reconhecer que o artigo 41, § 1º, dos ADCT, da Carta Federal de 1988, tenha revogado “todos os incentivos fiscais” não confirmados em dois anos após a promulgação da Constituição Federal. Não nos parece cabível aceitar interpretação restritiva tendente a considerar que o artigo 41 das ADCT somente teria contemplado as isenções concedidas pela própria entidade tributante.

No entanto, cabe observar que o Superior Tribunal de Justiça não considerou a Lei 8.402, de 08 de janeiro de 1992 que restabeleceu o incentivo fiscal, mesmo assim há um vácuo de dois anos entre extinção e restabelecimento:

LEI Nº 8.402, DE 8 DE JANEIRO DE 1992.

Restabelece os incentivos fiscais que menciona e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1° São restabelecidos os seguintes incentivos fiscais:

III crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre bens de fabricação nacional, adquiridos no mercado interno e exportados de que trata o art. 1°, inciso I, do Decreto-Lei n° 1.894, de 16 de dezembro de 1981;

A decisão do STJ diverge e afronta outra decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 180.828 - 4, de 14 de março de 2002, que conhece, mas declara improcedente o Recurso da União Federal. A maioria dos Ministros do STJ, na seção, rejeitou o voto-vista do Ministro Herman Benjamim, na medida em que, segundo o entendimento, a adoção da proposta implicaria uma reformulação de todo o sistema judicial.

A proposta do Ministro resguardava dos efeitos da decisão o crédito-prêmio aproveitado pelo contribuinte até a data de 9 de agosto de 2004, data de publicação do acórdão exarado no REsp 591.708/RS. Foi a partir dessa decisão que a jurisprudência do STJ deixou de ser uniforme, passando a existir divergência quanto à subsistência do benefício, afastando-se a "sombra de juridicidade" que pairava sobre o crédito-prêmio.

A matéria trata da (in) constitucionalidade no art. 1º do Decreto-Lei nº 1.724/1979, da expressão "ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir", e, no inciso I do art. 3º do Decreto-Lei nº 1.894/1981, das expressões "reduzi-los" e "suspendê-los ou extingui-los".

No entanto, neste momento o STF entendeu como extinto o benefício onde, todos os ministros acompanharam o voto do relator, Ricardo Lewandowski, que entendeu que o benefício deixou de valer desde 1990. Segundo o Ministro, um decreto de 1981, que restabeleceu o incentivo fiscal sem prazo de revogação, não tinha validade, extinguindo uma compensação que todos os países do mundo moderno e globalizado têm, como nas palavras de Roberto Giannetti da Fonseca:

“Por décadas os exportadores acumularam créditos tributários sem perspectiva de liquidação pelos governos federal e estaduais. Num contexto de globalização econômica, quase todos os membros da OMC utilizam o mecanismo de "tax rebate" ou "reintegro", semelhantes ao crédito-prêmio de IPI, como forma de ressarcimento presumido dos resíduos tributários das exportações. Acontece que, diante de um imbróglio jurídico de longa data, a União e os exportadores disputam nos tribunais superiores se tal mecanismo permanece ou não em vigor. A Justiça, por 14 anos ininterruptos, deu ganho de causa aos exportadores em mais de 150 processos transitados em julgado”.

Ora, se o Supremo se posicionou contrário ao Decreto-Lei n° 1.894, de 16 de dezembro de 1981, o que diria da Lei nº 8.402, de 8 de janeiro de 1992, em vigor e que restabeleceu o crédito-prêmio com base no Decreto-Lei de 1.981?

O Decreto-Lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1991 no parágrafo 3º do artigo 1º assegurou às empresas exportadoras o crédito de que trata o artigo 1º do Decreto-Lei 491, de 05 de março de 1969, que é justamente o polêmico crédito-prêmio do IPI. Após esta decisão, foi editada pelo Senado Federal a Resolução nº 75, de 26 de dezembro de 2005, suspendendo à execução do artigo 1º no Decreto-Lei nº 1.724/1979, da expressão "ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir", e, no inciso I do art. 3º do Decreto-Lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981, mas manteve a vigência do remanescente art. 1º do Decreto-Lei nº 491/1969.

RESOLUÇÃO Nº 71 DE 26 DE DEZEMBRO DE 2005

Suspende, nos termos do inciso X do art. 52 da Constituição Federal, a execução, no art. 1º do Decreto-Lei nº 1.724, de 7 de dezembro de 1979, da expressão "ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir", e, no inciso I do art. 3º do Decreto-Lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981, das expressões "reduzi-los" e "suspendê-los ou extingui-los".

(DOU - 27/12/2005)

Faço saber que o Senado Federal aprovou, e eu, Renan Calheiros, Presidente, nos termos dos arts. 48, inciso XXVIII e 91, inciso II, do Regimento Interno, promulgo a seguinte

RESOLUÇÃO

O Senado Federal, no uso de suas atribuições que lhe são conferidas pelo inciso X do art. 52 da Constituição Federal e tendo em vista o disposto em seu Regimento Interno, e nos estritos termos das decisões definitivas do Supremo Tribunal Federal,

Considerando a declaração de inconstitucionalidade de textos de diplomas legais, conforme decisões definitivas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nos autos dos Recursos Extraordinários nº 180.828, 186.623, 250.288 e 186.359,

Considerando as disposições expressas que conferem vigência ao estímulo fiscal conhecido como "crédito-prêmio de IPI", instituído pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 491, de 5 de março de 1969, em face dos arts. 1º e 3º do Decreto-Lei nº 1.248, de 29 de novembro de 1972; dos arts. 1º e 2º do Decreto-Lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981, assim como do art. 18 da Lei nº 7.739, de 16 de março de 1989; do § 1º e incisos II e III do art. 1º da Lei nº 8.402, de 8 de janeiro de 1992, e, ainda, dos arts. 176 e 177 do Decreto nº 4.544, de 26 de dezembro de 2002; e do art. 4º da Lei nº 11.051, de 29 de dezembro de 2004,

Considerando que o Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, declarou a inconstitucionalidade de termos legais com a ressalva final dos dispositivos legais em vigor,

RESOLVE:

Art. 1º É suspensa a execução, no art. 1º do Decreto-Lei nº 1.724, de 7 de dezembro de 1979, da expressão "ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir", e, no inciso I do art. 3º do Decreto-Lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981, das expressões "reduzi-los" e "suspendê-los ou extingui-los", preservada a vigência do que remanesce do art. 1º do Decreto-Lei nº 491, de 5 de março de 1969.

Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Senado Federal, em 26 de dezembro de 2005

Senador RENAN CALHEIROS
Presidente do Senado Federal

A Resolução é de texto claro e combinada ao inciso III, do artigo 1º da Lei 8.402, de 08 de janeiro de 1992, demonstra claramente a vigência do crédito-prêmio do IPI.

Apenas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região se manifestou sobre a Resolução nº 71 do Senado Federal no sentido de que esta não altera as decisões sobre a extinção do crédito-prêmio do IPI, restando ser a matéria debatida e pacificada no Supremo Tribunal Federal, na medida em que o único questionamento proposto até o momento foi feito pela Associação Brasileira das Empresas de Trading que deixou de demonstrar legitimidade (ADIN – art. 103, IX, CF/88) para figurar como parte na presente ação.

O Crédito do ICMS a Guerra Fiscal e a Importação por Conta e Ordem

Estados como Espírito Santo (art. 70 do Decreto nº 1090-R/2002 – RICMS); Ceará (Decreto nº 27.491/2004); Goiás (Decreto nº 4.852/1997) e outros vêm concedendo benefício financeiro de Crédito Presumido na saída interestadual de produtos.

Os Estados de Minas Gerais (Resolução 3.166, de 11 de julho de 2001) e São Paulo (Comunicado CAT nº 36, de 29 de julho de 2004) vedam a apropriação de crédito do ICMS nas entradas dos adquirentes, decorrentes de operações interestaduais, de mercadorias cujos remetentes estejam beneficiados com incentivos fiscais concedidos em desacordo com a legislação de regência do Imposto, que tem origem na Constituição Federal de 1988:

Art. 155 Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

II a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

VI salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;

XII cabe à lei complementar:

g regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

O Estado de São Paulo, com base no parágrafo 3º do artigo 36 da Lei nº 6.374, de 01 de março de 1989, editou o Comunicado CAT nº 36, de 29 de julho de 2004, vedando a apropriação de créditos do ICMS que tenham gozado de benefício fiscal na origem:

§ 3° Não se considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução da base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea "g", da Constituição Federal. (Redação dada pelo inciso I do artigo 2º da Lei 9.359/96, de 18-06-1996; DOE 19-06-1996).

E, o Estado de Minas Gerais, com base no artigo 62 do Decreto nº 43.080, de 13 de dezembro de 2002[2], editou a Resolução nº 3.166, de 11 de julho de 2001, vedando a apropriação de créditos do ICMS que tenham gozado de benefício fiscal na origem:

Art.62 Não se considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução de base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto na alínea "g" do inciso XII do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal;

A Legislação de Regência do ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, trata-se atualmente da Lei Complementar nº 33/96, assim como a Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975, recepcionada[3] pela Carta Magna:

Art. 1º As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.

Parágrafo único O disposto neste artigo também se aplica:

I à redução da base de cálculo;

(...)

III à concessão de créditos presumidos;

IV à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;

§ 2º A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.

Art. 8º A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:

I a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;

II a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.

Parágrafo único - As sanções previstas neste artigo poder-se-ão acrescer a presunção de irregularidade das contas correspondentes ao exercício, a juízo do Tribunal de Contas da União, e a suspensão do pagamento das quotas referentes ao Fundo de Participação, ao Fundo Especial e aos impostos referidos nos item IX do art. 21 da Constituição federal.

A Lei Complementar 24, de 7 de janeiro de 1975, recepcionada pela Constituição de 1988 no que dispõe ao art. 1º, caput, “as isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelo pelos Estados e pelo Distrito Federal”, decerto obedece ao disposto na letra “g”, do inciso XII, do § 2º, do artigo 155 da Constituição Federal, mas, esta recepção não pode ser estendida às imposições da lei que tornam ineficaz o crédito legalmente recebido de empresa que tenha gozado de qualquer benefício fiscal ou financeiro.

A não-cumulatividade do imposto é regra constitucional nos termos do inciso I, do§ 2º, do artigo 155 da Constituição Federal, não podendo a lei limitar o princípio da não-cumulatividade do imposto, sendo esta a lição de Paulo de Barros Carvalho:

“O primado da não-cumulatividade é uma determinação constitucional que deve ser cumprida, assim por aqueles que dela se beneficiam, como pelos próprios agentes da Administração Pública. E tanto é verdade, que a prática reiterada pela aplicação cotidiana do plexo de normas relativas ao ICM e ao IPI consagra a obrigatoriedade do funcionário, encarregado de apurar a quantia devida pelo ‘contribuinte’, de considerar-lhes os créditos, ainda que contra a sua vontade” (A Regra-Matriz do ICM, tese de livre-docência, apresentada na Faculdade de Direito da PUC/SP, 1981, inédita, página 377).

Nascem, portanto, da interpretação do equivocado artigo 8º, da Lei nº 24/1975 as vedações impostas no Comunicado CAT nº 36, de 29 de julho de 2004, de São Paulo e, na Resolução 3.166, de 11 de julho de 2001, de Minas Gerais, que já nasceram sem possibilidade de produzir efeito jurídico como na visão dos próprios tribunais de Justiça dos citados estados, senão vejamos:

Tribunal de Justiça de São Paulo:

Ementa - ICMS - Pretensão objetivando o reconhecimento do direito ao aproveitamento e utilização integral dos créditos de ICMS oriundos de operações interestaduais de compra e venda de gado bovino em pé e de carne bovina junto a contribuintes de outras unidades da federação, sem as restrições impostas pela Fazenda Estadual, constantes do Comunicado CAT n° 36/2004 e do art. 36, § 3°, da Lei n° 6.374/89 - Procedência do pedido decretada corretamente em primeiro grau – Contribuinte que, fundado em documentos formalmente em ordem adquire mercadorias ou toma serviços em outros Estados, não pode ter negado o direito ao crédito de ICMS pela pessoa política que se julgue prejudicada, pois restrições normativas locais não podem sobrepor-se ao princípio da não-cumulatividade insculpido no art. 155, § 2C\ I, da CF - Reexame necessário e apelo da Fazenda Estadual não providos (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – AC nº 5292185/0-00 – Rel. Paulo D. Mascaretti – 22/10/2007).

Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

AÇÃO DECLARATÓRIA - ICMS - RESOLUÇÃO N. 3.166/2001 - VEDAÇÃO DE APROPRIAÇÃO DE CRÉDITO DE ICMS, NAS OPERAÇÕES INTERESTADUAIS COM INCENTIVOS FISCAIS - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - RECURSO PROVIDO. ''As limitações impostas ao princípio da não-cumulatividade pelas leis complementares, convênios e regulamentos são inconstitucionais; da Carta Magna constam apenas como exceção à tal princípio a isenção e a não-incidência, não podendo a legislação infraconstitucionais criar outras''. ''O princípio da não-cumulatividade consiste no realizar o abatimento, na operação posterior, do imposto incidente e pago na operação anterior. CF, art. 155, § 2º, I. Impossibilidade da vedação do crédito em razão da redução da base de cálculo do imposto. II. - RE provido. Não provimento do agravo. (RE 355422 AgR / MG, Ministro CARLOS VELLOSO, DJ 28-10-2004'' (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.05.773735-5/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE – Relator Alvim Soares – 06/02/2007).

Aqui, em respeito ao primado da não-cumulatividade, importa considerar a relevância de parte do voto do senhor Relator, Des. Alvim Soares:

“Esta Câmara Julgadora, em reiteradas vezes, decidiu que as limitações impostas ao princípio da não-cumulatividade pelas leis complementares, convênios e regulamentos são inconstitucionais; da Carta Magna constam apenas como exceção a tal princípio a isenção e a não-incidência, não podendo a legislação infraconstitucionais criar outras; a redução da base de cálculo não se confunde com a isenção, conforme precedentes do STJ, por isso que é direito subjetivo do contribuinte efetivar a compensação e que somente poderá ser restringido à luz da própria Constituição.”

Decisões dessa natureza ensejaram a consolidação do entendimento de que somente nos casos de isenção e não-incidência é que não se admite o lançamento do crédito destacado no documento fiscal idôneo:

Lei estadual. Benefício fiscal outorgado ao contribuinte. Crédito decorrente da redução da base de cálculo do tributo. Vedação. Impossibilidade. A Constituição Federal somente não admite o lançamento do crédito nas hipóteses de isenção ou não-incidência. Precedente do Tribunal Pleno. (Supremo Tribunal Federal – STF - Agr. no Recurso Extraordinário n. 240.395-0/RS).

A não-cumulatividade do imposto está disposta no art. 155, §2º, I, da Constituição Federal de 1988, sendo inerente ao ICMS e determinando que ele será compensado com o que for devido em cada operação envolvendo mercadorias ou prestações de serviço tributadas por este imposto, com o montante cobrado nas etapas anteriores. A técnica da não-cumulatividade e o modo pelo qual se efetiva o princípio da não-cumulatividade, é abordada pela Lei Complementar nº 87/96, nos seguintes termos:

“Art. 20 Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicações”.

Com efeito, o princípio constitucional da não-cumulatividade, destaca-se, na devida exegese da referida lei complementar, a possibilidade do creditamento global e irrestrito do imposto cobrado nas operações anteriores, para ser abatido nas operações posteriores através das quais gerará a ocorrência de débitos, sendo este o entendimento prolatado em diversos julgamentos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais[4]:

"O princípio da não-cumulatividade, um dos traços característicos do ICMS, possui sistemática que determina o surgimento de uma relação de créditos para os contribuintes, vale dizer, este têm o direito, de índole constitucional, de abater o montante devido nas operações anteriores, não comportando, portanto, qualquer restrição, salvo aquelas previstas na própria Carta Magna."

Portanto, dúvidas não restam, pois da Carta Magna constam apenas como exceção ao princípio da não-cumulatividade, a isenção e a não-incidência, não podendo a legislação infraconstitucional criar outras; a redução da base de cálculo e o crédito presumido não se confundem com a isenção, por isso que é direito subjetivo do contribuinte efetivar a compensação, que somente poderá ser restringida à luz da própria Constituição, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ:

TRIBUTÁRIO – ICMS – MERCADORIA ADQUIRIDA DE PESSOA JURÍDICA INSCRITA NO CADASTRO DE CONTRIBUINTES – I – O comerciante que adquire mercadoria de pessoa jurídica regularmente inscrita, mediante nota fiscal e comprova o respectivo pagamento do preço e do ICMS não pode ser responsabilizado pela omissão da vendedora, em recolher o tributo. Imputar responsabilidade ao comprador, em tal situação seria atribuir a terceiro, sem previsão legal, responsabilidade tributária, em flagrante ofensa ao art. 128 do CTN. II – Não é lícito exigir do comprador, que recolha novamente o tributo, que ele pagara ao adquirir a mercadoria. Semelhante exigência ofenderia o princípio da não-cumulatividade. III – O artigo 112 do CTN tempera o dispositivo do artigo 128, determinando se levem em consideração as circunstâncias que envolvem os fatos. Na hipótese, a teor dos autos, nem mesmo o Fisco tinha conhecimento da situação irregular da fornecedora (STJ – Recurso Especial 189428 – Processo 1998.00.70338-1 Relator Humberto Gomes de Barros – São Paulo – Primeira Turma – Decisão de 09/11/1999 – reiteradas).

De todo o exposto, esclarecemos que a Administração Tributária tem a sua atividade totalmente vinculada, portanto, o contribuinte paulista ou mineiro pode ser autuado pelo Estado com base no Comunicado CAT nº 36, no caso de São Paulo, ou com base na Resolução 3.166, no caso de Minas Gerais. O Auditor fiscal não pode se furtar ao cumprimento das determinações da legislação tributária, por ser a sua função vinculada, assim como a atividade Administrativa não pode ser impedida:

TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - IMPOSSIBILIDADE. 1. Não se pode em sede de Medida Cautelar impedir a fiscalização de exercer sua função, determinada por lei, bem como de o Fisco estadual exercer suas atividades. Também sem qualquer depósito, não se pode impedir eventual execução fiscal e suspender a exigibilidade de créditos tributários, resultando em temerária antecipação de tutela. 2. O STF, em decisão do pleno datada de 11.02.98, nos autos da ADC nº 4, deferiu liminar para cassar, com efeito vinculante, as decisões concessivas de antecipação da tutela contra a Fazenda Pública (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Processo 1.0000.00.178209-3/000(1) – Relator: Des. Orlando Carvalho – 16/05/2000).

Para a Administração Pública, a constitucionalidade das leis deve ser presumida e apenas quando pacífica a jurisprudência, consolidada pelo STF, será merecida consideração da esfera administrativa, sendo que o Estado tem o Poder-Dever de exercitar sua função estatal:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FISCALIZAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. VIA INDIRETA. PREVISÃO LEGAL. POSSIBILIDADE. ÓBICES A VIA DIRETA. MOTIVO DE FORÇA MAIOR. CONTRADITÓRIO. OPORTUNIDADE DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS CONTÁBEIS À APRECIAÇÃO DO FISCO. AUSÊNCIA DA FUMAÇA DO BOM DIREITO. I. Por previsão legal, cabe ao contribuinte o dever de escriturar seus livros contábeis e demais obrigações acessórias para fins de fiscalização. (...) III. Motivação de força maior, ainda que possa ser usado em favor da agravante, não deve ser usado como salvaguarda a impedir a atividade fiscalizadora do Estado. IV. Agravo de Instrumento improvido (Tribunal Regional Federal da Quinta Região – Agravo de Instrumento 61644 – Ceará – Quarta Turma – 18/10/2005).

O STF já se posicionou reiteradas vezes sobre a possibilidade de o Estado que se sentir prejudicado por concessão de benefícios fiscais concedidos unilateralmente, adotar o remédio viável contra o Estado outorgante, mas, não tem o direito de responsabilizar o comprador, adquirente de boa-fé, sem previsão legal, tornando cumulativo o que a Carta Magna previu como não-cumulativo:

Ementa: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Tributário. Redução de Base de Cálculo. Benefício Fiscal. Crédito. Compensação. Possibilidade. Princípio da Não-Cumulatividade. Observância. Benefício Fiscal outorgado a contribuinte. Crédito decorrente da redução da base de cálculo do tributo. Vedação. Impossibilidade. A Constituição Federal somente não admite o lançamento do crédito nas hipóteses de isenção ou não-incidência. Precedente do Tribunal Pleno. Agravo Regimental não provido (STF – Supremo Tribunal Federal – Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 201764/SP – Relator: Ministro Eros Grau – 07/12/2004 – Primeira Turma).

[1]Rinaldo Maciel de Freitas – Bacharel em Filosofia pelo Instituto Agostiniano de Filosofia – membro da Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica. Advogado pela FADOM – Faculdades Integradas do Oeste de Minas – membro da Associação Paulista de Estudos Tributários – APET. Formação Extra Curricular: Ética/UEMG – Arbitragem/UFMG – Psicologia Jurídica/UEMG – Classificação Fiscal de Produtos/Aduaneiras. - E-mail: rinaldobh@bol.com.br

[2] Trata-se da mesma disposição do Decreto 38.104, de 28 de junho de 1996 – antigo RICMS/96.

[3] “Recepção consiste no acolhimento que uma nova constituição posta em vigor dá às leis e atos normativos editados sob a égide da Carta anterior, desde que compatíveis consigo (grifei). O fenômeno da recepção, além de receber materialmente as leis e atos normativos compatíveis com a nova Carta, também garante a sua adequação à nova sistemática legal” (Moraes, Alexandre de – in Direito Constitucional – 19ª Edição – Atlas – 2006).

[4] Apelação Cível nº 160.146-7 – TJMG – Relator: Dês. Reynaldo Ximenes.