sábado, 27 de agosto de 2011

Cronologia do Crime–O Cartel do Vergalhão no Brasil

         Até a consolidação do setor siderúrgico, o mercado contava com dezessete siderúrgicas de aços longos no mercado brasileiro, como opção para adquirir vergalhões de aço. Estas siderúrgicas foram sendo absorvidas por um grande cartel que iniciava o processo de concentração de mercado:

Grupo

Participação

Unidades

Grupo Gerdau

49,5%

Gerdau – Cosigua – Usiba – Pains – Aliperti - Açominas

ArcelorMittal

40,9%

Belgo-Mineira – Dedini – Cofavi – Mendes Júnior – Itaunense

Barra Mansa

9,6%

Cia. Siderúrgica Barra Mansa

                   Eram até então três tipos de aços substituíveis entre si e utilizados na construção civil: o aço CA-25; CA-40; CA-50, desta maneira, nenhum produtor poderia individualmente elevar o preço do produto, pois havia um ambiente de concorrência perfeita, com substitubilidade do produto, e alternância de fornecedor.

 

Antes

Depois

01

Aços Minas Gerais - Açominas

Grupo Gerdau

02

Companhia Ferro e Aço Vitória

ArcelorMittal-Cariacica

03

Cia. Siderúrgica Aliperte

Grupo Gerdau

04

Cia. Siderúrgica Dedini

ArcelorMittal

05

Cia. Siderúrgica Mendes Junior

ArcelorMittal

06

Cia. Siderúrgica Pains

Grupo Gerdau

07

Cia. Industrial Itaunense

ArcelorMittal

08

Cia. Siderúrgica Belgo Mineira

ArcelorMittal

09

Cia. Siderúrgica Gerdau

Grupo Gerdau

10

Cia. Siderúrgica do Nordeste - Cosinor

Grupo Gerdau

11

Usina Siderúrgica da Bahia - Usiba

Grupo Gerdau

12

Cia. Siderúrgica Barra Mansa

Votorantin

13

Siderúrgica Guairá

Grupo Gerdau

14

Copala

Encerrou atividades

15

Cimetal Siderurgia

Grupo Gerdau

16

Ferroeste

Mudou atividade

17

Cia. Brasileira do Aço – CBA.

Encerrou atividades

 

                   Para melhor entendimento, torna-se necessário dividir a história do setor em dois períodos, assim entendidos: antes da privatização, com ênfase no Estado Novo de Getúlio Vargas e depois de encerrado o PND - Programa Nacional de desestatização.

                   No ano de 1921, em Minas Gerais, era fundada a Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, de iniciativa do consórcio belgo-luxemburguês Arbed e de empresários locais. No ano de 2001 houve uma de três grandes grupos europeus, sendo eles Arbed, Aceralia e Usinor, dando origem à Arcelor, nova empresa que durou até 2006 quando por uma oferta hostil em bolsa o grupo Mittal Steel adquiriu seu controle, formando a ArcelorMittal.

                   Ao final da década de 30 o Brasil desejava sonhava criar uma grande siderúrgica de aços planos, mas, faltavam os meios para concretizar o projeto. Em janeiro de 1939, Oswaldo Aranha foi buscar a colaboração dos norte-americanos e outro personagem era enviado à Europa para contatar grupos ingleses e alemães, com o propósito na implantação de uma indústria siderúrgica no Brasil.

                   A Cosinor é um exemplo típico de caso brasileiro, fundada em 13 de agosto de 1939 com a denominação de Laminados e Artefatos de Ferro S/A., em Recife - Pernambuco, para produzir peças de reposição para as usinas locais de açúcar, em abril de 1959, já com a denominação de Companhia Siderúrgica do Nordeste, passou a operar como siderúrgica semi-integrada, com forno elétrico e unidade de laminação, que produzia vergalhões para o mercado regional de construção civil.

                   Em 1964 adquiriu o controle acionário da Companhia Siderúrgica de Pernambuco - Cosiper que também atuava no setor de laminados. Em 1971, herdeiros do fundador, falecido em 1968, transferiram o controle acionário para um grupo de acionistas minoritários e, em projeto de expansão obteve recursos do BNDES, do Banco do Nordeste do Brasil e do Banco de Desenvolvimento do Estado de Pernambuco.

                   Em 1976 tendo em vista o seu endividamento muito elevado, o Sistema BNDES, a pedido da Empresa, colocou ainda mais recursos na siderúrgica, no entanto, sob a forma de participação minoritária representando então capital de (17,21%), permanecendo a administração sob a responsabilidade dos acionistas majoritários.

                   No Ano de 1979 a situação financeira da empresa já se apresentava bastante deteriorada, posição esta agravada pela geração interna insuficiente de recursos em função da reversão das expectativas quanto ao tamanho do mercado.  Em 1980 o seu capital foi aumentado, onde o Sistema BNDES passou a ter participação de 59% do capital social da siderúrgica.

                   Sem condições de pagar sua divida com o BNDES, os acionistas da siderúrgica converteram sua participação acionária em minoritária, em 1987, reduzindo sua participação a 3% do capital, já sob a égide do Decreto nº 91.991, de 28 de novembro de 1985 que instituía o instituindo o Programa de Privatização.

                   Em 1941, era fundada a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Para que esse acordo assinado pelo governo pudesse ser cumprido, foi fundada a Companhia Vale do Rio Doce, com a missão de executar e melhorar o desenvolvimento, necessário desde o século XIX. Sua criação se dá em 1° de junho de 1942, através do decreto-lei n° 4.352, consequência do acordo de Washington.

                   Vieram a seguir as outras siderúrgicas estatais brasileiras, Cofavi (1942); Acesita (1951); Cosipa (1956); Usiminas (1956) Usiba (1973); CST (1976); Cosinor (1985) e, Açominas (1986), sendo o setor siderúrgico, formado por estatais integrantes da holding Siderbrás conforme quadro abaixo:

Empresa

Fundação

Leilão

Controle Atual

Acesita

1951

10/1992

ArcelorMittal

Açominas - Aços Minas Gerais.

1986

09/1993

Grupo Gerdau

Cimetal Siderúrgica S/A.

 

11/1988

Grupo Gerdau

Cofavi - Cia. Ferro e Aço Vitória.

1942

07/1989

ArcelorMittal

Cosinor - Cia. Sid. do Nordeste.

1985

11/1991

Grupo Gerdau

Cosipa - Cia. Siderúrgica Paulista.

1956

08/1993

Soluções Usiminas

CSN - Cia. Siderúrgica Nacional.

1941

04/1993

Grupo Vicunha – CSN

CST - Cia. Siderúrgica de Tubarão.

1983

07/1992

ArcelorMittal

Usiba - Usina Siderúrgica da Bahia

1973

10/1989

Grupo Gerdau

Usiminas – U. Sid. de Minas Gerais.

1956

10/1991

Soluções Usiminas

                   No início dos anos 90, a siderurgia brasileira apresentava forte participação do Estado, que controlava cerca de 70% da capacidade produtiva total, foi então elaborado o PND - Programa Nacional de Desestatização, como parte das reformas estruturais idealizadas pelo plano Collor. O objetivo do programa era a redefinição do papel do estado na economia, reduzindo seu tamanho e ineficiência, tanto na produção de bens como na alocação de recursos.

                  A defesa do setor privado, por assim dizer era exercida pela ASP – Associação das Siderúrgicas Privadas, entidade fundada em 1978 e que teve como presidente Jorge Gerdau Johannpeter que, em 25 de fevereiro de 1991 defendeu na Câmara Federal o Projeto de Lei – PL nº 8, por se dizer “roubado pelo sistema portuário” O PL foi convertido na Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993. A ASP tinha sede na Avenida Almirante Barroso nº 63 no Rio de Janeiro e, em 1993 se fundiu ao então IBS – Instituto Brasileiro de Siderurgia, cujo CNPJ nº 60.925.161/0001-18 fôra registrado em dezembro de 1966, sendo o quadro abaixo representativo das então Siderúrgicas Privadas:

Siderúrgicas Privadas

CNPJ

Criação

Copala Indústrias Reunidas

04.895.066/0001-48

27/04/1966

Belgo-Mineira

24.315.012/0001-73

11/12/1921

Gerdau Aços Longos S/A.

33.611.500/0001-19

11/11/19611

1 – A holding Gerdau registra como fundação o ano de 1901 e a Gerdau S/A. a data de 11/11/1961. A Gerdau Aços Longos S/A., importadora de vergalhões tem o CNPJ nº 07.358.761/0001-69

                   A história da representação da siderurgia brasileira se confunde ainda com o INDA – Instituto Nacional dos Distribuidores de Aços, entidade sem fins lucrativos fundada em São Paulo em julho de 1970. Algum tempo ainda, após o PND - Programa Nacional de Desestatização iniciado em 1991, ser associado do INDA era quase que garantia de fornecimento de aço pelas siderúrgicas brasileiras, sendo ainda que se verifica uma íntima relação entre os executivos do INDA e do antigo IBS, hoje IABr - Instituto Aço Brasil.

                   Conclusa a reestruturação do setor siderúrgico brasileiro, o mercado passou a apresenta a seguinte estruturação:

Não Planos:

·        Gerdau: Açominas – Cia Sid. Pains – Aliperti – Usiba;

·        ArcelorMittal: Belgo-Mineira – Mendes Junior – Cofavi – Dedini - Itaunense.

Planos:

·        Usiminas – Cosipa;

·        ArcelorMittal: Acesita – Cia. Sid. Tubarão – CST.;

·        Cia. Siderúrgica Nacional – CSN.

 

                   O setor siderúrgico brasileiro consolidou-se em dois grandes grupos na área de longos (fio máquina – vergalhões – arames – perfis), e três no setor de planos (Chapas e revestidos)[1]:

Setor Siderúrgico Brasileiro

 

PRODUTOS

EMPRESAS

Usinas

Integradas

 

Semiacabados

Açominas/MG.  - CST/ES.

Aços Especiais

Acesita/MG. – Mannesman/MG.

Laminados Planos

Cosipa/SP. – CSN/RJ. – Usiminas/MG. – CST/ES.

Laminados Longos

Belgo Mineira/MG.  - Gerdau/MG.

Belgo Mineira/ES.

 

Usinas Semi-Integradas

Aços Especiais

Aços Villares/SP. – Villares Metais/SP.

Gerdau/RS.

Laminados Longos

Gerdau (CE., PE., BA., RJ., PR., RS)

Cia. Siderúrgica Barra Mansa/RJ.

Belgo Mineira Participações/MG.

Cia. Siderúrgica Itaúna/MG.

Laminados Planos

Vega do Sul/SC. CSN/PR.

Fonte: BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

                   Ambos os setores, planos e não planos tiveram problemas com o órgão antitruste brasileiro - CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica. As siderúrgicas Cosipa, Usiminas e CSN foram condenadas por formação de cartel no processo nº 08000.015337/97-48. As siderúrgicas Gerdau, Barra Mansa e Belgo-Mineira condenadas no processo nº 08012.004086/2000-21. Essas condenações levam o antigo IBS a mudar seu nome para IABr - Instituto Aço Brasil.

                   Em 1995 foi criado no âmbito da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas o CB-28Comitê Brasileiro de Siderurgia, sob o patrocínio e coordenação do IBS – Instituto Brasileiro de Siderurgia, com o objetivo de promover a normalização do aço e de produtos siderúrgicos. Até então as empresas siderúrgicas podiam produzir o aço CA-40 em conformidade com normas da ASTM, no entanto, em 1996 com a revisão da norma NBR 7480/85, passou-se a admitir no mercado somente o aço CA-50.

                   A revisão da norma foi publicada em fevereiro de 1996 e, em setembro de 1996 o Comitê Técnico de Certificação de Aços Longos (CTC-04) no âmbito da ABNT, com suposta “participação paritária” dos setores produtor, consumidor e de instituições técnicas especializadas e órgãos afins do governo introduziu as reformas.

                   Neste Comitê foram elaboradas e aprovadas regras específicas para a concessão e manutenção do direito de uso da Marca de Conformidade ABNT para a certificação de barras e fios de aço. A Portaria Inmetro nº 46, publicada em 09 de abril de 1999 inaugura no âmbito do sistema brasileiro, a certificação compulsória que, em conjunto com a NBR 7480 revisada passou a representar uma barreira técnica à entrada de concorrentes.

                   O credenciamento da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas junto ao Inmetro - Instituto Nacional de Metrologia e Qualidade Industrial para certificação de barras e fios de aço se deu em 10 de junho de 1997. Note-se que ainda que a Resolução nº 05, de 26 de julho de 1988, do Conmetro - Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, que estabelece modelos de certificação é assinado por André Rico Vicente que posteriormente presidiu a Gerdau-Açominas.

                   O mercado brasileiro nos últimos anos e em razão do cartel passou a importar barras de aço (vergalhões) do mercado externo, mediante certificação do exportador no âmbito da norma brasileira ABNT nº 7480, de 03 de setembro de 2007 e, em conformidade com a Portaria Inmetro nº 73, de 17 de março de 2010, do contrário seria defeso a entrada no mercado brasileiro.

                   A Portaria nº 73, de 17 de março de 2010 coloca algumas restrições que são estranhas a qualquer norma técnica como:

·               A Empresa detentora do Atestado de Conformidade deve dispor de uma sistemática para o tratamento de reclamações de seus clientes, contemplando os requisitos descritos abaixo. 7.1 Uma Política para Tratamento das Reclamações, assinada pelo seu executivo maior, que evidencie que a empresa: a) Valoriza e dá efetivo tratamento às reclamações apresentadas por seus clientes; b) Conhece e compromete-se a cumprir e sujeitar-se às penalidades previstas nas leis (Lei nº 8.078/1990, Lei nº 9.933/1999, ou outras); c) Analisa criticamente os resultados, bem como toma as providências devidas, em função das estatísticas das reclamações recebidas; d) Define responsabilidades quanto ao tratamento das reclamações; e) Compromete-se a responder ao Inmetro qualquer reclamação que o mesmo tenha recebido e no prazo por ele estabelecido.

·               7.2 Uma pessoa ou equipe formalmente designada, devidamente capacitada e com liberdade para o devido tratamento às reclamações;

·              7.3 Desenvolvimento de programa de treinamento para a pessoa ou equipe responsável pelo tratamento das reclamações, bem como para as demais envolvidas, contemplando pelo menos os seguintes tópicos: a) Regulamentos e normas aplicáveis ao produto, processo, serviço, pessoas ou Sistema de Gestão da Qualidade; b) Noções sobre as Leis nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências; e nº 9.933, de 20 de dezembro de 1999, que Dispõe sobre as Competências do Conmetro e do Inmetro, Institui a Taxa de Serviços Metrológicos, e dá outras providências; c) Noções de relacionamento interpessoal; d) Política para Tratamento das Reclamações; e) Procedimento para Tratamento das Reclamações.    

                   Isso porque não é comum ato normativo colocar exigências estranhas a qualquer ato normativo técnico, sendo que ainda há que ser considerado existirem no Brasil três únicos OCP - Organismo de Certificação de Produtos, sendo um destes a própria ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, patrocinada pela entidade que tem interesse no estabelecimento de barreira técnica à entrada de concorrente, em razão do cartel.

                   Entre 1990 e 1996 o setor siderúrgico de aços longos passa por forte consolidação, sendo algumas empresas incorporadas e outras fechadas. Um caso polêmico envolveu o então Ministro da Justiça Nelson Jobim, deputado gaúcho do PMDB e com histórico de financiamento de campanha pelo Grupo Gerdau. A Siderúrgica Laisa S/A, no Uruguai e de propriedade do Grupo Gerdau adquiriu a totalidade das ações da empresa Korf GmbH, acionista majoritária da Cia. Siderúrgica Pains, por sua vez a quarta maior produtora no mercado nacional de aços longos comuns. O CADE não aprovou a aquisição determinando que o Gerdau se desfizesse das ações; neste ponto houve intervenção do Ministro da Justiça Nelson Jobim demonstrou apoio à iniciativa da Gerdau que acabou obtendo o seu intento.

                   O passo seguinte consistiu na divisão do mercado brasileiro de construtoras; verticalização do em face da criação, pela Gerdau e Belgo-Mineira, de distribuidoras diretas dos vergalhões, retirando praticamente do mercado as distribuidoras independentes e, recentemente o Sham Litigation que consiste em litígio econômico com o propósito não de ganhar uma ação, mas, o de intimidar, pelo próprio processo, ao ingressar com ações cautelares contra os importadores com o propósito de reter o aço nos portos incrementando o custo de importação.



[1]     Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. Informe Setorial de Mineração e Metalurgia nº 13 - Rio de Janeiro, 1998.