segunda-feira, 9 de julho de 2012

Cronologia de um Crime contra a Ordem Econômica

                 Até a consolidação do setor siderúrgico, o mercado contava com dezessete siderúrgicas de aços longos no mercado brasileiro, como opção para adquirir vergalhões de aço. Estas siderúrgicas foram sendo absorvidas por um grande cartel que iniciava o processo de concentração de mercado:
Grupo
Participação
Unidades
Grupo Gerdau
49,5%
Gerdau – Cosigua – Usiba – Pains – Aliperti - Açominas – Cosinor
ArcelorMittal
40,9%
Belgo-Mineira – Dedini – Cofavi – Mendes Júnior – Itaunense
Barra Mansa
9,6%
Cia. Siderúrgica Barra Mansa
                   Eram até então três tipos de aços substituíveis entre si e utilizados na construção civil: o aço CA-25; CA-40; CA-50, desta maneira, nenhum produtor poderia individualmente elevar o preço do produto, pois havia um ambiente de concorrência perfeita, com substitubilidade do produto, e alternância de fornecedor.

Antes
Depois
01
Aços Minas Gerais - Açominas
Grupo Gerdau
02
Companhia Ferro e Aço Vitória
ArcelorMittal-Cariacica
03
Cia. Siderúrgica Aliperte
Grupo Gerdau
04
Cia. Siderúrgica Dedini
ArcelorMittal
05
Cia. Siderúrgica Mendes Junior
ArcelorMittal
06
Cia. Siderúrgica Pains
Grupo Gerdau
07
Cia. Industrial Itaunense
ArcelorMittal
08
Cia. Siderúrgica Belgo Mineira
ArcelorMittal
09
Cia. Siderúrgica Gerdau
Grupo Gerdau
10
Cia. Siderúrgica do Nordeste - Cosinor
Grupo Gerdau
11
Usina Siderúrgica da Bahia - Usiba
Grupo Gerdau
12
Cia. Siderúrgica Barra Mansa
Votorantin
13
Siderúrgica Guairá
Grupo Gerdau
14
Copala
Encerrou atividades
15
Cimetal Siderurgia
Grupo Gerdau
16
Ferroeste
Mudou atividade
17
Cia. Brasileira do Aço – CBA.
Encerrou atividades

                   Para melhor entendimento, torna-se necessário dividir a história do setor em dois períodos, assim entendidos: antes da privatização, com ênfase no Estado Novo de Getúlio Vargas e depois de encerrado o PND - Programa Nacional de desestatização.
                   No ano de 1921, em Minas Gerais, era fundada a Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, de iniciativa do consórcio belgo-luxemburguês Arbed e de empresários locais. No ano de 2001 houve uma fusão de três grandes grupos europeus, sendo eles Arbed, Aceralia e Usinor, dando origem à Arcelor, nova empresa que durou até 2006 quando por uma oferta hostil em bolsa o grupo Mittal Steel adquiriu seu controle, formando a ArcelorMittal.
                   Ao final da década de 30 o Brasil desejava criar uma grande siderúrgica de aços planos, mas, faltavam os meios para concretizar o projeto. Em janeiro de 1939, Oswaldo Aranha foi buscar a colaboração dos norte-americanos e outro personagem era enviado à Europa para contatar grupos ingleses e alemães, com o propósito na implantação de uma indústria siderúrgica no Brasil.
                   A Cosinor é um exemplo típico de caso brasileiro, fundada em 13 de agosto de 1939 com a denominação de Laminados e Artefatos de Ferro S/A., em Recife - Pernambuco, para produzir peças de reposição para as usinas locais de açúcar, em abril de 1959, já com a denominação de Companhia Siderúrgica do Nordeste, passou a operar como siderúrgica semi-integrada, com forno elétrico e unidade de laminação, que produzia vergalhões para o mercado regional de construção civil.
                   Em 1964 a Cosinor adquiriu o controle acionário da Companhia Siderúrgica de Pernambuco - Cosiper que também atuava no setor de laminados. Em 1971, herdeiros do fundador, falecido em 1968, transferiram o controle acionário para um grupo de acionistas minoritários e, em projeto de expansão obteve recursos do BNDES, do Banco do Nordeste do Brasil e do Banco de Desenvolvimento do Estado de Pernambuco.
                   Em 1976 tendo em vista o seu endividamento muito elevado, o Sistema BNDES, a pedido da Empresa, colocou ainda mais recursos na siderúrgica, no entanto, sob a forma de participação minoritária representando então capital de (17,21%), permanecendo a administração sob a responsabilidade dos acionistas majoritários.
                   No Ano de 1979 a situação financeira da empresa já se apresentava bastante deteriorada, posição esta agravada pela geração interna insuficiente de recursos em função da reversão das expectativas quanto ao tamanho do mercado.  Em 1980 o seu capital foi aumentado, onde o Sistema BNDES passou a ter participação de 59% do capital social da siderúrgica.
                   Sem condições de pagar sua divida com o BNDES, os acionistas da siderúrgica converteram sua participação acionária em minoritária, em 1987, reduzindo sua participação a 3% do capital. Fôra incluída no Programa de Privatização, sob a égide do Decreto nº 91.991, de 28 de novembro de 1985.
                   A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foi fundada em 1941 e, ato contínuo, para que o acordo assinado pelo governo Getúlio com Washington pudesse ser cumprido, foi fundada a Companhia Vale do Rio Doce em 1942 pelo Decreto nº 4.352, de 1º de junho de 1942, com a missão de executar e melhorar o desenvolvimento do país, necessário desde o século XIX.
                   Vieram a seguir as outras siderúrgicas estatais brasileiras, Cofavi (1942); Acesita (1951); Cosipa (1956); Usiminas (1956) Usiba (1973); CST (1976); Cosinor (1985) e, Açominas (1986), sendo o setor siderúrgico, formado por estatais integrantes da holding Siderbrás conforme quadro abaixo:
Empresa
Fundação
Leilão
Controle Atual
Acesita
1951
10/1992
ArcelorMittal
Açominas - Aços Minas Gerais.
1986
09/1993
Grupo Gerdau
Cimetal Siderúrgica S/A.

11/1988
Grupo Gerdau
Cofavi - Cia. Ferro e Aço Vitória.
1942
07/1989
ArcelorMittal
Cosinor - Cia. Sid. do Nordeste.
1985
11/1991
Grupo Gerdau
Cosipa - Cia. Siderúrgica Paulista.
1956
08/1993
Soluções Usiminas
CSN - Cia. Siderúrgica Nacional.
1941
04/1993
Grupo Vicunha – CSN
CST - Cia. Siderúrgica de Tubarão.
1983
07/1992
ArcelorMittal
Usiba - Usina Siderúrgica da Bahia
1973
10/1989
Grupo Gerdau
Usiminas
1956
10/1991
Soluções Usiminas
                   No início dos anos 90, a siderurgia brasileira apresentava forte participação do Estado, que controlava cerca de 70% da capacidade produtiva total, foi então elaborado o PND - Programa Nacional de Desestatização, como parte das reformas estruturais idealizadas pelo plano Collor. O objetivo do programa era a redefinição do papel do estado na economia, reduzindo seu tamanho e ineficiência, tanto na produção de bens como na alocação de recursos.
                  A defesa do setor privado, por assim dizer era exercida pela ASP – Associação das Siderúrgicas Privadas, entidade fundada em 1978 e que teve como presidente Jorge Gerdau Johannpeter que, em 25 de fevereiro de 1991 defendeu na Câmara Federal o Projeto de Lei – PL nº 8, por se dizer “roubado pelo sistema portuário” O PL foi convertido na Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, trata sobre concessão portuária. A ASP tinha sede na Avenida Almirante Barroso nº 63 no Rio de Janeiro e, em 1993 se fundiu ao então IBS – Instituto Brasileiro de Siderurgia, cujo CNPJ nº 60.925.161/0001-18 que fôra registrado em dezembro de 1966, sendo o quadro abaixo representativo das então Siderúrgicas Privadas:
Siderúrgicas Privadas
CNPJ
Criação
Copala Indústrias Reunidas
04.895.066/0001-48
27/04/1966
Belgo-Mineira
24.315.012/0001-73
11/12/1921
Gerdau Aços Longos S/A.
33.611.500/0001-19
11/11/19611
1 – A holding Gerdau registra como fundação o ano de 1901 e a Gerdau S/A. a data de 11/11/1961. A Gerdau Aços Longos S/A., importadora de vergalhões tem o CNPJ nº 07.358.761/0001-69
                   A história da representação da siderurgia brasileira se confunde ainda com o INDA – Instituto Nacional dos Distribuidores de Aços, entidade sem fins lucrativos fundada em São Paulo em julho de 1970. Algum tempo ainda, após o PND - Programa Nacional de Desestatização iniciado em 1991, ser associado do INDA era quase que garantia de fornecimento de aço pelas siderúrgicas brasileiras, sendo ainda que se verifica atualmente uma íntima relação entre os executivos do INDA e do antigo IBS, hoje IABr - Instituto Aço Brasil.
                   Conclusa a reestruturação do setor siderúrgico brasileiro, o mercado passou a apresenta a seguinte estruturação:
Não Planos:
·        Gerdau: Açominas – Cia Sid. Pains – Aliperti – Usiba;
·        ArcelorMittal: Belgo-Mineira – Mendes Junior – Cofavi – Dedini - Itaunense.
Planos:
·        Usiminas – Cosipa;
·        ArcelorMittal: Acesita – Cia. Sid. Tubarão – CST.;
·        Cia. Siderúrgica Nacional – CSN.
                   O setor siderúrgico brasileiro consolidou-se em dois grandes grupos na área de longos (fio máquina – vergalhões – arames – perfis), e três no setor de planos (Chapas e revestidos)[1]:
Setor Siderúrgico Brasileiro

PRODUTOS
EMPRESAS
Usinas
Integradas

Semiacabados
Açominas/MG.  - CST/ES.
Aços Especiais
Acesita/MG. – Mannesman/MG.
Laminados Planos
Cosipa/SP. – CSN/RJ. – Usiminas/MG. – CST/ES.
Laminados Longos
Belgo Mineira/MG.  - Gerdau/MG.
Belgo Mineira/ES.

Usinas Semi-Integradas
Aços Especiais
Aços Villares/SP. – Villares Metais/SP.
Gerdau/RS.
Laminados Longos
Gerdau (CE., PE., BA., RJ., PR., RS)
Cia. Siderúrgica Barra Mansa/RJ.
Belgo Mineira Participações/MG.
Cia. Siderúrgica Itaúna/MG.
Laminados Planos
Vega do Sul/SC. CSN/PR.
Fonte: BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
                   Ambos os setores, planos e não planos tiveram problemas com o órgão antitruste brasileiro - CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica. As siderúrgicas Cosipa, Usiminas e CSN foram condenadas por formação de cartel no processo nº 08000.015337/97-48 e, as siderúrgicas Gerdau, Barra Mansa e Belgo-Mineira condenadas no processo nº 08012.004086/2000-21. Essas condenações levam o antigo IBS a mudar seu nome para IABr - Instituto Aço Brasil.
                   Em 1995 foi criado no âmbito da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas o CB-28Comitê Brasileiro de Siderurgia, sob o patrocínio e coordenação do IBS – Instituto Brasileiro de Siderurgia, com o objetivo de promover a normalização do aço e de produtos siderúrgicos. Até então as empresas siderúrgicas podiam produzir o aço CA-40 em conformidade com normas da ASTM, no entanto, em 1996 com a revisão da norma NBR 7480/85, passou-se a admitir no mercado somente o aço CA-50.
                   A revisão da norma foi publicada em fevereiro de 1996 e, em setembro de 1996 o Comitê Técnico de Certificação de Aços Longos (CTC-04) no âmbito da ABNT, com suposta “participação paritária” dos setores produtor, consumidor e de instituições técnicas especializadas e órgãos afins do governo introduziu as reformas.
                   Neste Comitê foram elaboradas e aprovadas regras específicas para a concessão e manutenção do direito de uso da Marca de Conformidade ABNT para a certificação de barras e fios de aço. A Portaria Inmetro nº 46, publicada em 09 de abril de 1999 inaugura no âmbito do sistema brasileiro, a certificação compulsória que, em conjunto com a NBR 7480 revisada passou a representar uma barreira técnica à entrada de concorrentes.
                   O credenciamento da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas junto ao Inmetro - Instituto Nacional de Metrologia e Qualidade Industrial para certificação de barras e fios de aço se deu em 10 de junho de 1997. Note-se que ainda que a Resolução nº 05, de 26 de julho de 1988, do Conmetro - Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, que estabelece modelos de certificação é assinado por André Rico Vicente que posteriormente presidiu a Gerdau-Açominas.
                   O mercado brasileiro nos últimos anos e em razão do cartel passou a importar barras de aço (vergalhões) do mercado externo, mediante certificação do exportador no âmbito da norma brasileira ABNT nº 7480, de 03 de setembro de 2007 e, em conformidade com a Portaria Inmetro nº 73, de 17 de março de 2010, do contrário seria defeso a entrada no mercado brasileiro.
                   A Portaria nº 73, de 17 de março de 2010 coloca algumas restrições que são estranhas a qualquer norma técnica como:
·               A Empresa detentora do Atestado de Conformidade deve dispor de uma sistemática para o tratamento de reclamações de seus clientes, contemplando os requisitos descritos abaixo. 7.1 Uma Política para Tratamento das Reclamações, assinada pelo seu executivo maior, que evidencie que a empresa: a) Valoriza e dá efetivo tratamento às reclamações apresentadas por seus clientes; b) Conhece e compromete-se a cumprir e sujeitar-se às penalidades previstas nas leis (Lei nº 8.078/1990, Lei nº 9.933/1999, ou outras); c) Analisa criticamente os resultados, bem como toma as providências devidas, em função das estatísticas das reclamações recebidas; d) Define responsabilidades quanto ao tratamento das reclamações; e) Compromete-se a responder ao Inmetro qualquer reclamação que o mesmo tenha recebido e no prazo por ele estabelecido.
·               7.2 Uma pessoa ou equipe formalmente designada, devidamente capacitada e com liberdade para o devido tratamento às reclamações;
·              7.3 Desenvolvimento de programa de treinamento para a pessoa ou equipe responsável pelo tratamento das reclamações, bem como para as demais envolvidas, contemplando pelo menos os seguintes tópicos: a) Regulamentos e normas aplicáveis ao produto, processo, serviço, pessoas ou Sistema de Gestão da Qualidade; b) Noções sobre as Leis nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências; e nº 9.933, de 20 de dezembro de 1999, que Dispõe sobre as Competências do Conmetro e do Inmetro, Institui a Taxa de Serviços Metrológicos, e dá outras providências; c) Noções de relacionamento interpessoal; d) Política para Tratamento das Reclamações; e) Procedimento para Tratamento das Reclamações. 
                   Isto porque não é comum um ato normativo colocar exigências estranhas à elaboração de normas técnicas. Ainda há que ser considerado existirem no Brasil três únicos OCP - Organismo de Certificação de Produtos, para certificação de barras de aço, sendo um destes a própria ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas que é patrocinada pela entidade que tem interesse no estabelecimento de barreira técnica à entrada de concorrente, em razão do cartel.
                   Entre 1990 e 1996 o setor siderúrgico de aços longos passou por forte consolidação, sendo algumas empresas incorporadas e outras fechadas. Um caso polêmico envolveu o então Ministro da Justiça Nelson Jobim, deputado gaúcho do PMDB e com histórico de financiamento de campanha pelo Grupo Gerdau. A Siderúrgica Laisa S/A, no Uruguai e de propriedade do Grupo Gerdau adquiriu a totalidade das ações da empresa Korf GmbH, acionista majoritária da Cia. Siderúrgica Pains, por sua vez a quarta maior produtora no mercado nacional de aços longos comuns. O CADE não aprovou a aquisição determinando que o Gerdau se desfizesse das ações; neste ponto houve a intervenção do Ministro da Justiça Nelson Jobim demonstrando apoio à iniciativa da Gerdau que acabou obtendo o seu intento.
                   O passo seguinte consistiu na divisão do mercado brasileiro de construtoras; verticalização em face da criação, pela Gerdau e Belgo-Mineira, de distribuidoras diretas de vergalhões, retirando praticamente do mercado as distribuidoras independentes e, recentemente o Sham Litigation que consiste em litígio econômico com o propósito não de ganhar uma ação, mas, de intimidar, pelo próprio processo, ao ingressar com ações cautelares contra os importadores com o propósito de reter o aço nos portos incrementando o custo de importação.


[1]     Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. Informe Setorial de Mineração e Metalurgia nº 13 - Rio de Janeiro, 1998.

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