segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Um Cartel do Cimento em Ação Segundo a SDE

EXAME revela com exclusividade detalhes do relatório da Secretaria de Direito Econômico (hoje Cade) que acusa fabricantes de cimento de acordo para controlar preços. O suposto cartel renderia até 1,5 bilhão de reais ilegais ao ano.

Fonte: Revista Exame - Edição 1021 de 08/08/2012

Nota nossa publica em comentários: Há no Brasil uma cultura de cartéis que não deixa a economia avançar! Na matéria há referência à escória de alto forno, também conhecida por escória siderúrgica. Há um conluio de cartéis e o elo comum se chama Votorantim a quem pertence a Siderúrgica Barra Mansa que produz o vergalhão “votoraço-50”. A relação entre aço e cimento é tão promíscua que o IABr Instituto Aço Brasil ingressou em juízo na 2ª Vara Cível de Vitória - Espírito Santo para, através do processo nº 024.11.031887-0 buscar impedir que a empresa Cimentos Planalto S/A - Ciplan concluísse o desembaraço de uma carga de cimento pelo Porto de Vitória. O que uma associação de siderúrgica pode querer com cimento? A intenção era aumentar o custo com despesas de armazenagem e inviabilizar a operação economicamente, prática conhecida como Sham Litigation, utilizada pelo IABr em face de importadores de vergalhões e denunciada ao CADE no processo 08012.001594/2011-18.

clip_image002[4]São Paulo - No dia 1º de fevereiro de 2007, agentes da Polícia Federal e representantes da Secretaria de Direito Econômico (SDE) e do Ministério da Fazenda realizaram uma operação de busca e apreensão em escritórios de seis das principais fabricantes de cimento e concreto do país — Cimpor, InterCement (Camargo Corrêa), Itabira Agro Industrial (grupo Nassau), Holcim, Lafarge e Votorantim Cimentos — e na sede de associações do setor, em São Paulo e no Rio de Janeiro.

A operação foi motivada por uma denúncia de Evaldo José Meneguel, ex-coordenador comercial da Votorantim Cimentos, que acusava as empresas de formar um esquema para controlar preços, dividir mercados e barrar a entrada de novos competidores. Um suposto cartel do cimento.

Entre 2007 e 2011, os 820 000 documentos eletrônicos recolhidos foram examinados em uma das mais longas e complexas investigações da história da SDE, órgão que analisa casos de práticas contra a livre concorrência e que em maio foi incorporado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Cinco anos depois do início das investigações, em novembro do ano passado, a autarquia recomendou ao Cade a condenação de todos os envolvidos.

A palavra final sobre o caso será dada pelo Cade, que está avaliando o proces­so. EXAME teve acesso exclusivo à conclusão do processo administrativo no 08012.011142/2006-79 da SDE e revela nas páginas a seguir detalhes de como o suposto cartel funcionava — sempre de acordo com a SDE.

Além das seis empresas já citadas, foi acusada de integrar o cartel a Companhia de Cimento Itambé. Posteriormente, a Lafarge assinou um acordo com o Cade, pagou 43 milhões de reais e foi excluí­da do processo. As acusações são graves: se o cartel realmente existiu, o preço do cimento e de tudo que depende dele (a construção civil, por exemplo) ficou artificialmente inflado no Brasil por décadas, prejudicando milhões de pessoas e beneficiando um punhado de empresas.

Ao longo de cinco anos, a SDE construiu um processo com mais de 12 000 páginas. O relatório final, que está sendo analisado pelo Cade, tem 399 páginas. Nele, a SDE acusa as empresas de terem lucrado, com o cartel, 6 bilhões de reais entre 2002 e 2006 — período em que a investigação se concentrou.

Mas, para a SDE, as empresas estariam atuando de forma orquestrada há pelo menos seis décadas. A primeira Comissão Parlamentar de Inquérito da história do Senado, realizada em 1952, já tratava da preocupação com a competição desleal nesse setor. O relatório vem à tona em um dos momentos mais favoráveis para as fabricantes de cimento.

Por causa da expansão do mercado imobiliário e das obras de infraes­tru­tu­ra, o consumo de cimento cresce acima da renda real do Brasil desde 2004. Em 2010, o setor faturou 12 bilhões de reais — 125% mais do que há dez anos. E um bom pedaço desse faturamento, para a SDE, foi inflado artificialmente pela falta de competição.

A SDE calcula que só no programa Minha Casa, Minha Vida, orçado em 7 bilhões de reais, as empresas poderiam lucrar 700 milhões de forma ilegal. A conta vale também para outros contratos — na média geral, o acordo teria inflacionado em 10% a receita anual do setor, calculada pela SDE em 15 bilhões de reais — ou cerca de 1,5 bilhão de reais ao ano.

A principal acusação da SDE é que as empresas, responsáveis por cerca de 90% do mercado nacional de cimento, se organizaram para fixar e controlar preços de cimento em diversas regiões do país. Essa é a base para a acusação de formação de cartel. Durante as investigações, a SDE diz ter encontrado indícios de que as empresas compartilhavam uma tabela de valores usada como referência em cada região.

Esse preço seria seguido por todas: quando uma reajustava o preço, as outras aumentavam na mesma proporção. Um fax trocado no dia 5 de dezembro de 1997 por dois executivos da Itabira, João Zamir Grilo e Sérgio Maçães, demonstra, para a SDE, como funcionava o suposto esquema: “Cauê (marca de cimento do grupo Camargo Corrêa) não subiu no E.S. (Espírito Santo), falei com Sérgio Chaves gerente Cauê em Vitória e me informou que não deu tempo de fazer a tabela”.

Em outro fax, enviado no dia 10 de setembro de 1997, Grilo afirma a Maçães: “Poty (marca de cimento da Votorantim) continua entrando em São Mateus e Linhares (municípios do Espírito Santo), revendedores vendendo no varejo a 5,50 reais. Nosso preço na região 5,65 e 5,75 reais. Precisamos ver se Poty acerta preço”.

Além de manipular os preços, as empresas teriam se organizado para dividir igualmente os mercados e os clientes por região. Em anotações feitas por Maçães, há referências a uma conversa com Karl Bühler, executivo da Holcim, sobre as exigências feitas pela InterCement para compensar sua perda de participação em Minas Gerais para a Soeicom, atual Cimentos Liz. (A Cimentos Liz foi investigada, mas excluí­da da acusação da SDE.)

A InterCement queria em troca mais participação no sul do país. A SDE diz que essa prática era comum e destaca que as próprias empresas sabiam do risco que corriam e, por isso, tentavam maquiar as evidências. Anotações pessoais de Eduar­do Garcia, diretor jurídico da Lafarge, revelam sua preocupação ao ser questionado pelo Cade sobre por que a empresa não competia em São Paulo e mantinha a liderança da Votorantim “intocada”.

No texto, ele argumenta, segundo a SDE, que algo deveria ser feito para camuflar o cartel — por exemplo, a entrada da Lafarge em São Paulo. Ele anotou: “É importante que em razão das operações de concentração haja um novo/desenho de participações (ex Lafarge entra em São Paulo)”.

As empresas chegavam a deter­minar punições para quem desrespeitasse o acordo. Segundo o delator do esquema, caso uma cimenteira do grupo roubasse um cliente de sua aliada, deveria entregar outro cliente com um contrato de valor 10% maior para compensar.

Para fortalecer o suposto cartel, as empresas teriam estendido o acordo ao setor de concreto, num movimento chamado pela SDE de “verticalização”. A estratégia era conquistar na fabricação de concreto a mesma participação que as empresas do grupo detinham no mercado de cimento.

Uma apresentação encontrada nos computadores apreendidos na sede da InterCement confirmaria o plano, diz a SDE: “Atingir a participação de mercado em concreto semelhante à participação de cimento regiões mais relevantes (sic)”. A “verticalização” era uma maneira de ter mais controle sobre os preços de cimento no país.

O grupo estabelecia uma tabela de preços diferente para as concreteiras independentes e para as “coligadas”, que eram formadas por empresas indiretamente associadas ao suposto cartel, como Topmix, Brasmix e Betonserv, que tinham participação da Holcim; Polimix e Supermix, que são ligadas à Votorantim; Concrepav, à Itambé. O valor do cimento podia variar de 10%, para as coligadas, até 30%, para as independentes, conforme mostra um documento da Votorantim Cimentos de 2002.

Selo de qualidade

Mas as cimenteiras não agiam sozinhas, de acordo com o relatório da investigação. Para legitimar suas ações, elas contavam com a colaboração das associações ligadas ao setor de cimento e concreto (ABCP e Abesc) e do sindicato da indústria de cimento (SNIC).

Segundo as investigações, essas entidades trocavam informações entre as empresas, promoviam campanhas para denegrir a imagem das concorrentes e faziam pressão para alterar as normas técnicas com o intuito de aumentar as barreiras de entrada.

Para limitar a atuação de concorrentes de menor porte, a associação das cimenteiras criou até um selo de qualidade que somente os membros da associação conseguiam obter. Para a SDE, não era coincidência.

Por trás dessas práticas havia uma preocupação constante das cimenteiras investigadas em evitar a entrada de novos concorrentes. De acordo com os termos do relatório, elas utilizaram uma “intricada engenharia” de aquisições para consolidar o setor nos últimos anos.

A SDE destaca a compra da Cimento Ribeirão Grande pela Votorantim Cimentos em novembro de 2006 — que teria sido fechada diante do interesse do  grupo grego Titan e do mexicano Cemex pela empresa. Uma preocupação do grupo — sempre de acordo com a SDE — era com a siderúrgica CSN, controlada por Benjamin Steinbruch, que começou a fabricar cimento em 2009.

Em 2010, a CSN fez uma oferta hostil para assumir o comando da portuguesa Cimpor. Logo após a proposta, Votorantim e Camargo Corrêa entraram na disputa e fecharam negócio.

Uma apresentação de PowerPoint intitulada “Definindo prioridades para o grupo Camargo Corrêa”, de 20 de setembro de 2005, é usada pela SDE para mostrar que o grupo restringia o acesso aos insumos do cimento, principalmente à escória de alto-forno — outra maneira de evitar a chegada de concorrentes.

Em 2005, a Cimentos Liz protocolou uma acusação no Cade alegando aumento injustificado de preços e recusa de venda de insumo contra a InterCement, que tinha um contrato de longo prazo exclusivo de compra de escória com a siderúrgica Usiminas.

Segundo a SDE, o cartel controlava o fornecimento de escória mantendo participações acionárias em siderúrgicas como a Usiminas, em que Camargo Corrêa e Votorantim tinham 26% das ações com direito a voto (elas se desfizeram dessa fatia ao vender sua participação para a argentina Ternium em novembro do ano passado).

Ameaça de multa

Ainda não há um valor estipulado para a multa que pode ser aplicada às empresas em caso de condenação, mas estima-se que a punição poderá chegar a 3 bilhões de reais — 20% das vendas do setor —, o que seria a maior pena a um cartel na história do país. Até hoje, a maior sanção foi dada em setembro de 2010 a cinco empresas de gases hospitalares e industriais — White Martins, AGA, Air Liquide Brasil, Air Products Brasil e Indústria Brasileira de Gases.

Elas tiveram de pagar multa de 2,3 bilhões de reais. Se confirmada a atuação irregular das cimenteiras, é pouco provável que a punição vá além das multas. Nos Estados Unidos, um executivo pode ser condenado a até dez anos de prisão por prática de cartel. Desde 2000, mais de 150 empresários já cumpriram essa punição por lá. No Brasil, foram apenas 14 multas no mesmo período.

A reportagem de EXAME procurou todas as empresas acusadas, além dos sindicatos e associações. A Cimpor ofereceu-se em dezembro de 2007 a firmar um acordo com o Cade para ser excluída do processo, a exemplo do que fez a Lafarge. Mas o Cade recusou a proposta.

Em nota, a empresa afirma que segue todas as leis nos países em que atua e está aguardando “tranquilamente o julgamento pelo Cade”. A InterCement, controlada pela Camargo Corrêa, que contratou o ex-presidente do Cade Arthur Badin para tocar seu departamento jurídico, contesta as recomendações da SDE e diz que “aguarda o início do julgamento do processo pelo Cade convicta de que não atuou de forma irregular”.

A Votorantim afirma que o processo corre em segredo de Justiça e, em razão disso, “só irá se pronunciar sobre o tema nos fóruns adequados”. A Companhia de Cimento Itambé diz que não se pronunciará enquanto “não for oportunizada (sic) a defesa no Cade”. O sindicato do setor de cimento afirma que “irá responder a qualquer questionamento ou dúvida nas instâncias devidas, com transparência e tranquilidade”.

Procuradas, as associações das concreteiras e do cimento, a Cimento Liz e a Holcim disseram que não vão se manifestar. O grupo João Santos não retornou até o fechamento desta edição. O Cade diz que só vai se manifestar após o julgamento. O cimento deve ir para o banco dos réus até o fim do ano.

domingo, 12 de agosto de 2012

Apropriação de Créditos do ICMS com base em Benefícios Fiscais–Possibilidade

Todos os Estados das regiões norte, nordeste e Espírito Santo concedem Crédito Presumido na saída interestadual de produtos. Os Estados de Minas Gerais (Resolução 3.166, de 11 de julho de 2001) e São Paulo (Comunicado CAT nº 36, de 29 de julho de 2004) vedam a apropriação do crédito do ICMS nas entradas decorrentes dessas operações cujos remetentes estejam beneficiados com incentivos fiscais concedidos em desacordo com a legislação de regência do Imposto, que tem origem na Constituição Federal de 1988:
Art. 155          Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II                    operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 2º                 O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I                      será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de    serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
II                    a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a)                    não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;
b)                    acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;
VI                   salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, “g”, as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;
XII                  cabe à lei complementar:
g)                    regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
O Estado de São Paulo, com base no parágrafo 3º do artigo 36 da Lei nº 6.374, de 01 de março de 1989, editou o Comunicado CAT nº 36, de 29 de julho de 2004, vedando a apropriação de créditos do ICMS que tenham gozado de benefício fiscal na origem:
§ 3°                 Não se considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução da base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea "g", da Constituição Federal. (Redação dada pelo inciso I do artigo 2º da Lei 9.359/96, de 18/06/1996; DOE 19-06-1996).
E, o Estado de Minas Gerais, com base no artigo 62 do Decreto nº 43.080, de 13 de dezembro de 2002, editou a Resolução nº 3.166, de 11 de julho de 2001, vedando a apropriação de créditos do ICMS que tenham gozado de benefício fiscal na origem: [1]
Art.62             Não se considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução de base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto na alínea "g" do inciso XII do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal;
A Legislação de Regência do ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, trata-se atualmente da Lei Complementar nº 33/96, assim como a Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975, recepcionada pela Carta Magna: [2]
Art. 1º            As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.
Parágrafo único        O disposto neste artigo também se aplica:
I                      à redução da base de cálculo;
(...)
III                   à concessão de créditos presumidos;
IV                   à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;
§ 2º                 A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.
Art. 8º            A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:
I                      a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;
II                    a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.
Parágrafo único        As sanções previstas neste artigo poder-se-ão acrescer a presunção de irregularidade das contas correspondentes ao exercício, a juízo do Tribunal de Contas da União, e a suspensão do pagamento das quotas referentes ao Fundo de Participação, ao Fundo Especial e aos impostos referidos nos item IX do art. 21 da Constituição Federal.
A Lei Complementar 24, de 7 de janeiro de 1975, recepcionada pela Constituição de 1988 no que dispõe ao art. 1º, caput, “as isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelo pelos Estados e pelo Distrito Federal”, decerto obedece ao disposto na letra “g”, do inciso XII, do § 2º, do artigo 155 da Constituição Federal, mas, esta recepção não pode ser estendida às imposições da lei que tornam ineficaz o crédito legalmente recebido de empresa que tenha gozado de qualquer benefício fiscal ou financeiro.
Por seu turno, a não-cumulatividade do imposto é regra constitucional nos termos do inciso I, do§ 2º, do artigo 155 da Constituição Federal, não podendo a lei limitar o princípio da não-cumulatividade do imposto, sendo esta a lição de Paulo de Barros Carvalho:
“O primado da não-cumulatividade é uma determinação constitucional que deve ser cumprida, assim por aqueles que dela se beneficiam, como pelos próprios agentes da Administração Pública. E tanto é verdade, que a prática reiterada pela aplicação cotidiana do plexo de normas relativas ao ICM e ao IPI consagra a obrigatoriedade do funcionário, encarregado de apurar a quantia devida pelo ‘contribuinte’, de considerar-lhes os créditos, ainda que contra a sua vontade” (A Regra-Matriz do ICM, tese de livre-docência, apresentada na Faculdade de Direito da PUC/SP, 1981, inédita, página 377).
Portanto nascem da interpretação do equivocado artigo 8º, da Lei nº 24/1975 as vedações impostas no Comunicado CAT nº 36, de 29 de julho de 2004, de São Paulo e, na Resolução 3.166, de 11 de julho de 2001, de Minas Gerais, que já nasceram sem possibilidade de produzir efeito jurídico como na visão dos próprios tribunais de Justiça dos citados estados, senão vejamos:
Tribunal de Justiça de São Paulo:
Ementa - ICMS - Pretensão objetivando o reconhecimento do direito ao aproveitamento e utilização integral dos créditos de ICMS oriundos de operações interestaduais de compra e venda de gado bovino em pé e de carne bovina junto a contribuintes de outras unidades da federação, sem as restrições impostas pela Fazenda Estadual, constantes do Comunicado CAT n° 36/2004 e do art. 36, § 3°, da Lei n° 6.374/89 - Procedência do pedido decretada corretamente em primeiro grau – Contribuinte que, fundado em documentos formalmente em ordem adquire mercadorias ou toma serviços em outros Estados, não pode ter negado o direito ao crédito de ICMS pela pessoa política que se julgue prejudicada, pois restrições normativas locais não podem sobrepor-se ao princípio da não-cumulatividade insculpido no art. 155, § 2C\ I, da CF - Reexame necessário e apelo da Fazenda Estadual não providos (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – AC nº 5292185/0-00 – Rel. Paulo D. Mascaretti – 22/10/2007).

Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
Ação declaratória - ICMS - Resolução nº 3.166/2001 - vedação de apropriação de crédito de ICMS, nas operações interestaduais com incentivos fiscais - princípio da não-cumulatividade - Recurso Provido. As limitações impostas ao princípio da não-cumulatividade pelas leis complementares, convênios e regulamentos são inconstitucionais; da Carta Magna constam apenas como exceção à tal princípio a isenção e a não-incidência, não podendo a legislação infraconstitucionais criar outras. O princípio da não-cumulatividade consiste no realizar o abatimento, na operação posterior, do imposto incidente e pago na operação anterior. CF, art. 155, § 2º, I. Impossibilidade da vedação do crédito em razão da redução da base de cálculo do imposto. II. RE provido. Não provimento do agravo - RE 355422 AgR/MG, Ministro Carlos Velloso, DJ 28-10-2004 (TJMG - Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - Apelação Cível nº 1.0024.05.773735-5/001 - Relator: Desembargador Alvim Soares - 06/02/2007).
A Constituição Federal somente não admite o lançamento do crédito nas hipóteses de isenção ou não-incidência. Precedente do Tribunal Pleno: (Supremo Tribunal Federal – STF - Agr. no Recurso Extraordinário n. 240.395-0/RS). A não-cumulatividade do imposto está disposta no art. 155, §2º, I, da Constituição Federal de 1988, sendo inerente ao ICMS e determinando que ele será compensado com o que for devido em cada operação envolvendo mercadorias ou prestações de serviço tributadas por este imposto, com o montante cobrado nas etapas anteriores. A técnica da não-cumulatividade e o modo pelo qual se efetiva o princípio da não-cumulatividade, é abordada pela Lei Complementar nº 87/96, nos seguintes termos:
Art. 20 Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicações.
Com efeito, o princípio constitucional da não-cumulatividade, destaca-se, na devida exegese da referida lei complementar, a possibilidade do creditamento global e irrestrito do imposto cobrado nas operações anteriores, para ser abatido nas operações posteriores através das quais gerará a ocorrência de débitos, sendo este o entendimento prolatado em diversos julgamentos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais[3]:
“O princípio da não-cumulatividade, um dos traços característicos do ICMS, possui sistemática que determina o surgimento de uma relação de créditos para os contribuintes, vale dizer, este têm o direito, de índole constitucional, de abater o montante devido nas operações anteriores, não comportando, portanto, qualquer restrição, salvo aquelas previstas na própria Carta Magna”.
Portanto, dúvidas não restam, pois da Carta Magna constam apenas como exceção ao princípio da não-cumulatividade, a isenção e a não-incidência, não podendo a legislação infraconstitucional criar outras; a redução da base de cálculo e o crédito presumido não se confundem com a isenção, por isso que é direito subjetivo do contribuinte efetivar a compensação, que somente poderá ser restringida à luz da própria Constituição, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ:
Tributário – ICMS – mercadoria adquirida de Pessoa jurídica inscrita no cadastro de Contribuintes – I – O comerciante que adquire mercadoria de pessoa jurídica regularmente inscrita, mediante nota fiscal e comprova o respectivo pagamento do preço e do ICMS não pode ser responsabilizado pela omissão da vendedora, em recolher o tributo. Imputar responsabilidade ao comprador, em tal situação seria atribuir a terceiro, sem previsão legal, responsabilidade tributária, em flagrante ofensa ao art. 128 do CTN. II – Não é lícito exigir do comprador, que recolha novamente o tributo, que ele pagara ao adquirir a mercadoria. Semelhante exigência ofenderia o princípio da não-cumulatividade. III – O artigo 112 do CTN tempera o dispositivo do artigo 128, determinando se levem em consideração as circunstâncias que envolvem os fatos. Na hipótese, a teor dos autos, nem mesmo o Fisco tinha conhecimento da situação irregular da fornecedora (STJ – Recurso Especial 189428 – Processo 1998.00.70338-1 Relator: Humberto Gomes de Barros – São Paulo – Primeira Turma – Decisão de 09/11/1999 – reiteradas).
De todo o exposto, esclarecemos que a Administração Tributária tem a sua atividade totalmente vinculada, portanto, o contribuinte paulista ou mineiro pode ser autuado pelo Estado com base no Comunicado CAT nº 36, no caso de São Paulo, ou com base na Resolução 3.166, no caso de Minas Gerais. O Auditor fiscal não pode se furtar ao cumprimento das determinações da legislação tributária, por ser a sua função vinculada, assim como a atividade Administrativa não pode ser impedida:
Tutela antecipada contra a Fazenda Pública - Impossibilidade. 1. Não se pode em sede de Medida Cautelar impedir a fiscalização de exercer sua função, determinada por lei, bem como de o Fisco estadual exercer suas atividades. Também sem qualquer depósito, não se pode impedir eventual execução fiscal e suspender a exigibilidade de créditos tributários, resultando em temerária antecipação de tutela. 2. O STF, em decisão do pleno datada de 11.02.98, nos autos da ADC nº 4, deferiu liminar para cassar, com efeito vinculante, as decisões concessivas de antecipação da tutela contra a Fazenda Pública (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Processo 1.0000.00.178209-3/000(1) – Relator: Des. Orlando Carvalho – 16/05/2000).
Para a Administração Pública, a constitucionalidade das leis deve ser presumida e apenas quando pacífica a jurisprudência, consolidada pelo STF, será merecida consideração da esfera administrativa, sendo que o Estado tem o Poder-Dever de exercitar sua função estatal:
Processual civil e tributário. Mandado de Segurança. Fiscalização Previdenciária. Via Indireta. Previsão legal. Possibilidade. Óbices a via Direta. Motivo de força maior. Contraditório. Oportunidade de apresentação de documentos contábeis à apreciação do fisco. Ausência da Fumaça do bom direito. I. Por previsão legal, cabe ao contribuinte o dever de escriturar seus livros contábeis e demais obrigações acessórias para fins de fiscalização. (...) III. Motivação de força maior, ainda que possa ser usado em favor da agravante, não deve ser usado como salvaguarda a impedir a atividade fiscalizadora do Estado. IV. Agravo de Instrumento improvido (Tribunal Regional Federal da Quinta Região – Agravo de Instrumento 61644 – Ceará – Quarta Turma – 18/10/2005).
O STF já se posicionou reiteradas vezes sobre a possibilidade de o Estado que se sentir prejudicado por concessão de benefícios fiscais concedidos unilateralmente, adotar o remédio viável contra o Estado outorgante, mas, não tem o direito de responsabilizar o comprador, adquirente de boa-fé, sem previsão legal, tornando cumulativo o que a Carta Magna previu como não-cumulativo:
Ementa: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Tributário. Redução de Base de Cálculo. Benefício Fiscal. Crédito. Compensação. Possibilidade. Princípio da Não-Cumulatividade. Observância. Benefício Fiscal outorgado a contribuinte. Crédito decorrente da redução da base de cálculo do tributo. Vedação. Impossibilidade. A Constituição Federal somente não admite o lançamento do crédito nas hipóteses de isenção ou não-incidência. Precedente do Tribunal Pleno. Agravo Regimental não provido (STF – Supremo Tribunal Federal – Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 201764/SP – Relator: Ministro Eros Grau – 07/12/2004 – Primeira Turma).
Notas


[1]     Trata-se da mesma disposição do Decreto 38.104, de 28 de junho de 1996 – antigo RICMS/96.
[2]     “Recepção consiste no acolhimento que uma nova constituição posta em vigor dá às leis e atos normativos editados sob a égide da Carta anterior, desde que compatíveis consigo. O fenômeno da recepção, além de receber materialmente as leis e atos normativos compatíveis com a nova Carta, também garante a sua adequação à nova sistemática legal” (Moraes, Alexandre de – in Direito Constitucional – 19ª Edição – Atlas – 2006).
[3]     Apelação Cível nº 160.146-7 – TJMG – Relator: Dês. Reynaldo Ximenes.

Justiça Tributária Brasileira

clip_image002A carga tributária paga pelo cidadão brasileiro é de absurdos 35,8% do PIB – Produto Interno Bruto, que é a soma de tudo o que se produz neste país. A soma da arrecadação da União, Estados e Municípios, no ano de 2011 foi de R$ 3.770.000 (três trilhões setecentos e setenta bilhões de reais). São quase quatro meses de trabalho somente para pagar imposto!

 

Lado outro, não se vê o crescimento em número e qualidade de serviços prestados pelas Administrações Públicas ao cidadão, pelo contrário, crescimento de insegurança pública, ridícula qualidade de ensino público e saúde deplorável. Temos tributação de Dinamarca e serviços públicos de Etiópia, continente africano que o Presidente Lula achou muito limpo!

 

Em recente encíclica o Cardeal Alemão Joseph Ratzinger o Papa Benedictus (Bento) XVI – Caritas in Veritate faz algumas reflexões sobre a globalização, mas, o texto se insere bem neste momento de mais um recorde de arrecadação no Brasil. Diz o Santo Padre: __ “o objetivo exclusivo de lucro, quando mal produzido e sem ter como fim último o bem comum, arrisca-se a destruir a riqueza e criar pobreza”. E o que temos visto?

 

O governo de Minas Gerais tributa com o ICMS o serviço de industrialização por encomenda em afronta ao texto constitucional, cujo “S” do ICMS aplica-se somente aos serviços de telecomunicações e transporte. São Paulo e Minas Gerais são os únicos Estados da federação que não reconhecem créditos fiscais oriundos do norte, nordeste e Espírito Santo ao argumento de que concedem benefícios financeiros, ao passo que estes Estados dizem se tratar de “concorrência tributária”. A competitividade passou a ser uma palavra de difícil conceito, na medida em que se tornou uma bandeira de luta para os governos estaduais para atrair investimentos.

 

Com a instituição do mecanismo da substituição tributária no Estado de São Paulo, houve a princípio em crescimento da arrecadação, que o Executivo creditou ao que anteriormente era sonegado. Ora, esquece-se o Executivo de que no primeiro momento há a cobrança do imposto sobre todo o estoque existente nos estabelecimentos, na medida em que a cobrança passa a ser com base na substituição tributária, no momento seguinte se verificará a queda na arrecadação e a fuga de investimentos e empregos.

 

O governo federal aumentara em 30% (trinta por cento) o IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre cigarros para compensar o corte do imposto sobre os automóveis, linha branca e materiais de construção. Considerando a regra-matriz do IPI que é a seletividade, onde o imposto incide com mais peso sobre produtos de uso não recomendáveis ou supérfluos e, mais amenos sobre bens essenciais; nada mais justo! Cresceram as vendas de automóveis, geladeiras, fogões e de material de construção.

 

Lado outro, houve o crescimento do contrabando e comércio ilegal de cigarros. Há uma lógica neste evento: Quanto maior for o imposto e a dificuldade de impor medidas coercitivas, maior será a capacidade do agente de assumir o risco, pois a remuneração ou prêmio incentiva o ato; por outro lado, quanto menores forem as incidências fiscais e mais firmes as medidas coercitivas, menores serão os ânimos em assumir um risco; há consequentemente o aumento da base tributável e a arrecadação do Estado.

 

O problema do Brasil não reside na arrecadação, mas, na execução e no gasto do dinheiro público que nos últimos anos vem sendo visto em desfiles que não são de grifes, mas, de cueca e outros escândalos produzidos em sede de Administrações Públicas.

sábado, 4 de agosto de 2012

De Pinochet ao Cartel do Vergalhão no Brasil

 “As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam” Ségio Natureza e Tunai.

Do ponto de vista filosófico é irresistível a tentação de traçar um paralelo entre o período da ditadura de Pinochet no Chile e, o que ficou conhecido no Brasil como cartel do vergalhão. Não que os dois assuntos tenham conexão, mas, são similares.

Ainda no seminário religioso, tive um professor que um dia nos disse: __ “A vaca pasta ingenuamente”. Queria desenvolver o assunto sobre seres irracionais “ocuparem” um espaço no tempo e, os homens “pré-ocuparem” esse mesmo espaço. Após tratarmos de questões puramente materialistas na filosofia, recebíamos um banho de espiritualidade no noviciado.

Na filosofia, o materialismo dialético é uma forma desta doutrina estabelecida por Karl Marx e Friedrich Engels que, introduzindo o processo dialético na matéria, admite, ao fim dos processos quantitativos, mudanças qualitativas ou de natureza, e daí a existência de uma consciência, que é produto da matéria, mas realmente distinta dos fenômenos de ordem material.

O materialismo histórico é tese do marxismo, segundo a qual o modo de produção da vida material condiciona o conjunto da vida social, política e espiritual. É um método de compreensão e análise da história, das lutas e das evoluções econômicas e políticas, tese foi definida e utilizada por Marx.

Dito isto, passamos a abordar o assunto: Não há dúvida de que foi justamente no período de Augusto Pinochet no Chile que foram plantadas as sementes para o crescimento econômico que é reconhecido, como um programa de abertura comercial, ajuste fiscal e aperto monetário, porém, o resultado inicial foi desastroso, houve aumento de 100% do desemprego entre 1974 e 75 e a economia recuou em 13%. Feitas as contas, os primeiros anos do ditador foram terríveis do ponto de vista econômico.

Somente a partir da segunda metade dos anos 80 a economia do Chile alcança um crescimento de 7,6% por causa da exportação de cobre cujo preço teve tendência de alta. O cobre corresponde a 40% de todas as exportações do Chile sendo que o país ainda não encontrou um substituto para continuar a comandar o crescimento econômico, razão pela qual adota um programa de superavit estrutural para, caso o preço do cobre venha a cair, poder usá-lo e evitar a queda no nível de atividade.

Já a siderurgia é um setor de baixíssimo valor agregado, portanto produção e mercado dependem de escala e, havendo reserva de mercado, maior o lucro na medida em que não raras às vezes buscam proteção do Estado para viabilizar a cartelização. A siderurgia é dependente do ganho em escala, secularizado pelo poder econômico.

Os primeiros anos da década de 80 foram angustiantes para os aços longos uma vez que várias empresas estavam em expansão. Em 1984, entrou em operação uma nova grande siderúrgica: a Mendes Jr.; e, algumas produtoras de laminados longos especiais, frente à queda mais acentuada da demanda destes produtos, intensificaram a fabricação de laminados longos comuns (vergalhões).

No período de 1990/96, teve início a concentração no setor siderúrgico de vergalhões e fios de aço tendo a Belgo-Mineira e o Grupo Gerdau como os principais atores. Com as mudanças que ocorreram no mercado brasileiro de produtos longos, o parque nacional ficou composto por um grande número de empresas, com produção de vergalhões, o que fazia com que os preços dessas comodities fossem sempre instáveis.

A partir de 1990, estas empresas, foram sendo adquiridas, sendo umas fechadas e outras reestruturadas para funcionamento no novo contexto concentrado. Em 1996, pré-consolidada a concentração no setor, o mercado se fechou criando uma barreira à entrada de concorrentes via normatização de barras e fio de aços destinados à armadura para concreto estabelecido no âmbito do Comitê Técnico de Certificação de Aços longos para construção civil - ABNT/CTC-04, a NBR 7480/96 e posteriormente com a Portaria INMETRO 46/99.

Até a consolidação da reestruturação do mercado, os distribuidores de aços tinham opção de adquirir vergalhões no mercado, entre dezessete siderúrgicas que concorriam entre si. Havia também outro tipo de vergalhão no mercado, o CA-40 que era o substituto natural do vergalhão CA-50 sendo este último tornado de uso obrigatório pela NBR 7480/96. Os distribuidores tinham a opção, portanto, de adquirir vergalhões de várias siderúrgicas que foram sendo absorvidas pelo Grupo Gerdau e pela Belgo-Mineira (atual ArcelorMittal) e outras fechadas, no processo de concentração.

Além de suficiente número de fornecedores, havia quatro tipos de aço utilizados na construção civil, a saber, o aço CA-25; CA-40; CA-50 e CA-60 desta maneira, nenhum produtor poderia individualmente elevar o preço do produto, pois havia a perfeita substituibilidade do produto assim como possibilidade de alternância de fornecedor.

A prática então de atuar concertadamente, até o momento de mercado perfeito, não era possível, pois nenhum produtor poderia individualmente elevar o preço dos produtos, pois isso resultaria na perda de suas vendas; ou abaixá-lo substancialmente, já que sofreria prejuízos diante de seus custos de produção.

Por outro lado, nenhum produtor poderia também tentar reduzir unilateralmente sua oferta como modo de “regulação” do mercado, já que a parcela não vendida seria facilmente suprida pelos concorrentes existentes até então. Nessa perspectiva, o preço no mercado até então era perfeitamente competitivo, assim considerado pelos produtores e distribuidores como um dado não passível de modificações pela conduta individual.

A concorrência era determinada pela interação entre oferta e procura do mercado. Essas condições determinavam ser o mercado perfeitamente competitivo, ou seja, a existência de um grande número de produtores, homogeneidade e substituibilidade de produtos oferecidos no mercado, o acesso pleno de todos os agentes às informações relevantes do mercado, mobilidade dos fatores de produção e dos agentes do mercado e a inexistência de barreira à entrada.

Com a revisão da NBR 7480 de 1996, houve a possibilidade de existência de um duopólio no mercado siderúrgico de vergalhões, com a participação de uma terceira empresa em conluio com a prática de cartel, que adotam tacitamente comportamento colusivo. A NBR 7480/96 estabeleceu como norma na construção civil a utilização apenas dos aços CA-50 e o CA-60, embora ainda exista na norma o permissivo para o uso do aço CA-25, porém este, em razão de sua qualidade não é usado em obras de construção civil.

As únicas empresas produtoras, ou seja, Belgo Mineira, Gerdau e Barra Mansa, concentraram o mercado siderúrgico de longos impedindo o surgimento de guerra de preços, haja visto haver homogeneidade de preços praticados e uma política de não-agressão onde uma empresa não atende o cliente da outra:

GRUPO
PARTICIPAÇÃO
UNIDADES
Grupo Gerdau
49,5%
Gerdau – Cosigua – Usiba – Pains – Aliperte - Açominas
Belgo Mineira
40,9%
Belgo Mineira – Dedini – Cofavi – Mendes Júnior – Itaunense
Barra Mansa
9,6%
Cia. Siderúrgica Barra Mansa

Como não há contestabilidade no mercado pelo produto com os preços iguais, a demanda é alocada proporcionalmente à capacidade de cada empresa. A revisão da NBR 7480/96 foi fundamental para a concentração do mercado e práticas discriminatórias com a formação do cartel, uma vez que fixou as condições exigíveis na encomenda, fabricação e fornecimento de barras e fios de aço destinados a armaduras. Até a concentração hoje verificada, a produção de produtos longos no Brasil era assim representada:

Nº.
EMPRESA
PRODUTO
DESTINO
01
Aços Minas Gerais - Açominas
Vergalhões
Adquirida pela Gerdau
02
Companhia Ferro e Aço Vitória
Vergalhões
Adquirida pela Belgo
03
Cia. Siderúrgica Aliperte
Vergalhões
Adquirida pela Gerdau
04
Cia. Siderúrgica Dedini
Vergalhões
Adquirida pela Belgo
05
Cia. Siderúrgica Mendes Junior
Vergalhões
Adquirida pela Belgo
06
Cia. Siderúrgica Pains
Vergalhões
Adquirida pela Gerdau
07
Cia. Industrial Itaunense
Vergalhões
Adquirida pela Belgo
08
Cia. Siderúrgica Belgo Mineira
Vergalhões
Belgo Mineira
09
Cia. Siderúrgica Gerdau
Vergalhões
Gerdau
10
Cia. Sid. Do Nordeste - Cosinor
Vergalhões
Fechada pela Gerdau
11
Usina Siderúrgica da Bahia - Usiba
Vergalhões
Adquirida pela Gerdau
12
Cia. Siderúrgica Barra Mansa
Vergalhões
Barra Mansa
13
Siderúrgica Guairá
Vergalhões
Adquirida pela Gerdau
14
Copala
Vergalhões
Encerrou atividades
15
Cimetal Siderurgia
Vergalhões
Adquirida pela Gerdau
16
Ferroeste
Vergalhões
Mudou atividade
17
Cia. Brasileira do Aço – C.B.A
Vergalhões
Encerrou atividades
* Há ainda que se considerar ainda outros pequenos produtores que tiveram suas atividades enceradas em função do cartel e que não entram em estatísticas!

Os produtores no momento estão limitados a três, conforme indicados no quadro abaixo, já os compradores, estão pulverizados, sendo uma pequena parcela de grandes construtoras que compram com preços diferenciados:

PRODUTOS
EMPRESAS
USINAS INTEGRADAS
Longos
Belgo Mineira (MG – ES) – Gerdau (MG)
USINAS SEMI-INTEGRADAS
Longos
Gerdau (CE – PE – BA – RJ – PR – RS) – Mendes Jr. BMP (MG) – Barra Mansa (RJ) – Belgo Mineira Dedini (SP) – Belgo Mineira – Itaúna (MG).

A liberdade jurídica de conquista da clientela pelos potenciais concorrentes deveria somar-se a liberdade dos consumidores de usufruírem alternativas de produtos substituíveis e similares, o que não é possível por causa da barreira técnica que impede a entrada no mercado brasileiro do aço para construção CA-40, que é consumido em todo o mundo, com exceção de Brasil, Bolívia e Paraguai.

O que ocorre no mercado siderúrgico brasileiro de produtos longos é o duopólio. Regra básica, o duopólio privado representa o outro lado da moeda, comparado à concorrência perfeita. Caracteriza-se pela inexistência de competição no mercado brasileiro de vergalhões, no qual duas empresas demonstram poder para estabelecer o preço do produto no mercado, pela falta de substituibilidade do produto e determinar em concorrências públicas, quem será o fornecedor de determinada obra.

No mercado brasileiro o que se verifica é um duopólio, com duas empresas determinando as regras de mercado e uma terceira acompanhando as decisões. Neste duopólio, verificam-se presentes três elementos fundamentais: dois únicos vendedores com poder de mercado, o produto que vendem ser único (homogeneidade) e, barreiras substanciais impedindo a entrada de outras empresas no mercado relevante.

Nos mercados monopolizados, a fixação de preço e quantidade produzida dá-se em bases bem diferentes da ocorrida em outros regimes. Neste caso, os produtores influenciam o preço do bem controlando sua oferta, aliás, igual à produção total do mercado. Para maximizar seu lucro o duopólio produz uma quantidade menor do que aquela que seria oferecida em condições competitivas.

A política de privatizações realizadas no Brasil não parece ter levando em conta a tendência à concentração empresarial nos setores atingidos. Ou pior, parecem ter desconsiderado que a substituição de um monopólio estatal por um monopólio privado não traz nenhum ganho de eficiência no longo prazo. As conseqüências dessa falha já começam a aparecer. Eles são visíveis até mesmo na grande imprensa e mais ainda nos processos que estão sendo submetidos ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) desde o início dos anos 90.

Portanto, a similaridade encontra-se nos eventos ocorridos. No Chile, em que pese o controle do cobre ser estatal, este depende do cenário internacional onde o cobre tem uma cotação razoável. No cartel do vergalhão o evento até recentemente independia do cenário internacional, mas, no caso, de barreira técnica.

No Chile, sua ação foi em conseqüência da ocorrência prévia de determinado evento contravoluntário, assim, não poderia agir de modo diferente, mas, se todas as ações são eventos, e se todos os eventos têm causas, esse estado jamais agirá de modo diferente, assumindo que o problema, no cenário atual, não tem solução o que evidencia a favor do princípio de razão.

Na contramão, a siderurgia de longos, onde houve até um início de reação do mercado com a queda de ex-tarifários e redução à zero das alíquotas do imposto de importação do comoditie. Aristóteles, logo após sustentar que todas as ações resultantes da escolha pelo agente são voluntárias, concluiu que excelência e vício são também voluntários. Desse modo necessário investigar se a ação é voluntária e, em que consiste a escolha.

Noutras palavras, ocorrendo o evento, o agente em questão poderia agir forçosamente em conseqüência dessa ocorrência. No caso dos vergalhões ação e evento são pré-determinados pelos agentes que fizeram a escolha e deliberaram sobre ela, cabendo-lhes a responsabilidade. Excelente e vício estão em poder dos agentes.

A escolha é a expressão mais clara do caráter do agente, mais do que as ações que podem ser contravoluntárias e falsear a avaliação sobre a intenção do agente. Infelizmente, escolha e deliberação foram no sentido de concentrar o mercado formando um cartel.