domingo, 16 de agosto de 2015

Guerra Fiscal e Guerra dos Portos visão distorcida da mesma realidade

A tradicional “Guerra Fiscal”, praticada pelos Estados consiste em conceder o benefício conhecido como “crédito presumido” que não é fiscal, mas, financeiro e, para qualquer produto, importado ou não. Funciona da seguinte forma: havendo uma suposta operação com mercadoria cuja incidência seja de 12% (doze por cento), presume-se que a empresa é credora do Estado em 10% (dez por cento), então a empresa irá destacar 12% (doze por cento) na nota fiscal eletrônica e efetivamente recolher ao Estado o resultado econômico da aplicação de 2% (dois por cento) sobre a base de cálculo, por ser credora do Estado em 10% (dez por cento), não sendo privilégio de Estados portuários, mas, praticada recorrente de todos os Estados-membros.

                        Então, o setor siderúrgico praticamente patrocinou o que passou a ser denominado de “Guerra Fiscal dos Portos” que, na prática não existe, mas, é uma derivação da tradicional “Guerra dos Portos” onde no desembaraço aduaneiro o Estado concede o diferimento, que não é benefício fiscal, mas, postergação da incidência para a etapa posterior, de comercialização onde não haverá crédito a ser abatido na operação subsequente, portanto, a mesma prática que ocorre com o produto nacional em todos os Estados da federação.

                        Trata-se de uma reiterada prática protecionista ao cartel do aço como forma de impedir que o aço importado concorra na “Guerra Fiscal” com o aço nacional, tornando o produto nacional o único capaz de gozar de benefícios do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços concedidos pelos Estados, uma vez que a siderúrgica brasileira ao emitir uma nota fiscal destaca 12% (doze por cento) na nota fiscal e recolhe efetivamente 2% (dois por cento) ao Estado, enquanto o aço importado, no ato de remessa pelo importador exige a inconstitucional Resolução nº 13, de 25 de abril de 2012 que destaque 4% (quatro por cento). A resolução teve rápida tramitação graças ao sempre disponível e líder de qualquer governo, Senador Romero Jucá, fundamentada em matéria patrocinada pelo IABr – Instituto Aço Brasil no jornal “Valor Econômico”:

“Em total desrespeito às regras acima mencionadas, alguns Estados vêm concedendo benefícios às importações sem amparo no Convênio de que trata a referida Lei Complementar nº 24,1975.

Segundo matéria publicada no ‘Valor Econômico’ de 14/10/2010:

- Um levantamento encomendado pelo Instituto Aço Brasil (IABr) mostra que 13 Estados – SC, PR, GO, PE, TO, CE, PI, RJ, MS, MA, SE, BA e ES – oferecem benefícios fiscais para importações sem autorização do Confaz.

Os incentivos vão desde postergação e reduções de base de cálculo do ICMS até o financiamento para pagamento do tributo. Na prática, os benefícios resultam em redução do imposto devido”.

                        Até então, empresas instaladas no norte, nordeste e centro-oeste importavam aços do exterior que, na entrada no respectivo Estado tinham o diferimento do imposto, o que não é benefício fiscal, mas, postergação da incidência para o momento seguinte, de saída, onde tinham créditos presumidos do imposto, destacando em suas respectivas notas fiscais o percentual da alíquota interestadual de 12% (doze por cento) e recolhendo 2% (dois por cento) aos respectivos Estados.

                        Ao praticamente patrocinarem a Resolução nº 13, de 25 de abril de 2012 do Senado Federal, que estabeleceu a alíquota de 4% (quatro por cento) na primeira saída interestadual, o setor siderúrgico destruiu a margem do aço importado, acabando com a “Guerra Fiscal” neste setor. Ao estabelecer tal exigência o Estado de Minas Gerais que concede igualmente benefícios fiscais, está propiciando o domínio do mercado pelas siderúrgicas aqui instaladas e, ao arrepio da lei.

                        Ato contínuo, Estados como Minas Gerais, para fechar o círculo e impedir benefícios ao aço importado passam a exigir “na entrada” o diferencial entre a alíquota de 4% (quatro por cento) e a alíquota interna de 18% (dezoito por cento), por meio de decreto autônomo, uma forma de driblar a vedação exposta no artigo 150, II, “b” da Constituição Federal de 1988:

Art. 524                      O destinatário de produto de ferro ou aço importado do exterior inscrito no Cadastro de Contribuintes do ICMS deste Estado deverá recolher, até o momento da entrada da mercadoria em território mineiro decorrente de operação interestadual, o valor resultante da aplicação do percentual relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual sobre o valor da operação, a título de antecipação do imposto, no prazo a que se refere o § 12 do art. 85 deste Regulamento (efeitos a partir de 23 de novembro de 2013 – Decreto nº 46.350, de 21 de novembro de 2013).

Processual civil. Tributário. Agravo regimental no recurso especial. ICMS. Entrada de mercadorias vindas de outro estado da federação. Cobrança antecipada da diferença. Alíquota interna e interestadual. Lei estadual gaúcha 8.820/89. Decreto estadual 39.820/99. Legalidade. Precedentes. 1. Hipótese em que o contribuinte irresigna-se contra o provimento do recurso especial da Fazenda estadual ao argumento de que a quaestio juris discutida nos autos não leva em conta a legitimidade da “antecipação do prazo para o recolhimento do ICMS através de decreto”, mas sim a “antecipação do pagamento da diferença entre as alíquotas interestadual e interna”, nos termos da Lei estadual gaúcha 8.820/89 e do Decreto 39.820/99. 2. É de ser mantida a decisão recorrida no que entendeu não ter sido prequestionado o artigo 1º da Lei 1.533 /51. 3. Assiste razão à recorrente na observância de que a hipótese dos autos não trata da legitimidade de se antecipar o prazo de recolhimento do ICMS por decreto expedido pelo Poder Executivo estadual. Todavia, mantém-se o provimento do recurso especial da Fazenda estadual, uma vez que ambas as Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte Superior fixaram entendimento no sentido de que “É legítima a cobrança antecipada do ICMS através do regime normal de tributação, vale dizer, sem substituição tributária, na forma preconizada pela Lei Estadual 8.820/89 e pelo Decreto Estadual nº 39.820/99” (STJ – Superior Tribunal de Justiça – AgRg – Agravo Regimental no Recurso Especial – REsp nº 1064310/RS – Processo nº 2008/0127862-5 – Primeira Turma – Relator: Benedito Gonçalves – 03/09/2009).

                        Os cartéis responsáveis pelo atraso brasileiro uma vez inviabilizarem as cadeias seguintes fazem com que o Estado passe a desempenhar funções totalmente incompatíveis com a Constituição, trazendo fragilidade ao mercado e fazendo nascer verdadeira insegurança jurídica nas instituições, onde, como se vê, a Resolução nº 13, de 25 de abril de 2012 é casuísta e estabelece diferença tributária entre bens e serviços, norma totalmente incompatível com o art. 152 da Constituição Federal:

Art. 152        É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.

“O tratamento igualitário de mercadorias importadas com as nacionais pressupõe, para que não haja desfavor em relação a estas, que o ICMS seja recolhido no momento da aquisição das mercadorias, tal como ocorre com as nacionais” (STJ - Superior Tribunal de Justiça - REsp nº 54.905/SP - Primeira Turma - Relator: Ministro César Asfor Rocha - 05/12/1994).

                        Trata-se de Princípio Constitucional segundo o qual é vedado aos entes federativos estabelecer diferença tributaria entre bens e serviços de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino, portanto, ao fixar o percentual do tributo, a entidade tributante está impedida de levar em consideração a origem ou o destino do bem, sendo esta a lição de Paulo de Barros Carvalho:

“as pessoas tributantes estão impedidas de graduar seus tributos, levando em conta a região de origem dos bens ou o local para onde se destinam” (Carvalho, Paulo de Barros - Curso de Direito Tributário - Saraiva - São Paulo - 2010).

                        Procedência e destino são índices inidôneos para a graduação de alíquotas e de base de cálculo pelos legisladores dos entes federados e sair dessa proibição é resvalar para o campo da inconstitucionalidade.