sábado, 15 de agosto de 2009

Guerra Fiscal - Soluções ou Terrorismo?

A guerra tributária entre estados da federação, conhecida por Guerra Fiscal chega à hipótese de terrorismo tributário por parte dos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Enquanto Estados como Ceará; Espírito Santo; Pernambuco; Piauí; Sergipe e outros procuram fazer concessões para atrair empresas que promovam emprego e renda, nos dois Estados mais fortes da federação a regra é o constrangimento e o peso da mão forte do Estado.

O Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) — órgão paritário que julga o contencioso administrativo de São Paulo — entendeu que o Estado pode recusar créditos de ICMS, nas entradas de mercadorias provenientes de outras unidades da federação. A recusa, segundo o TIT, é possível quando o remetente é beneficiário de incentivo fiscal, sem amparo em convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), colegiado político que se renova a cada quatro anos:
TRANSPORTE AÉREO. ICMS. Dada a gênese do novo ICMS na Constituição de 1988, tem-se que sua exigência no caso dos transportes aéreos configura nova hipótese de incidência tributária, dependente de norma complementar à própria carta, e insuscetível, à luz de princípios e garantias essenciais daquela, de ser inventada, mediante convênio, por um colegiado de demissíveis ad nutum. (STF - Supremo Tribunal Federal - Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1089/DF - 1997 - Relator: Ministro Francisco Resek).

A decisão do TIT – Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo concorre para o agravamento da dívida pública na medida em que, tomada em última instância administrativa, cabendo agora ao contribuinte recorrer ao Poder Judiciário e, assim, ademais de concorrer decisivamente para a morosidade daquele poder, em razão do excessivo número de procedimentos judiciais que tem de ser adotados contra a Fazenda, também concorre para a majoração da dívida interna na medida em que as decisões judiciais decorrentes dos procedimentos que são adotados para sua anulação, além de reconhecer sua impropriedade, implicam na condenação do Estado ao pagamento de encargos decorrentes da sucumbência que, por cediço, distribuído por toda a sociedade, uma vez resgatado com recursos orçamentários.

A “Guerra Fiscal” entre os estados consiste simplesmente no oferecimento de vantagens financeiras e não tributárias para atrair empresas. Uma dessas vantagens é a possibilidade de postergar o pagamento do imposto (ICMS) para a operação seguinte, no caso de importações do exterior, pelo instrumento conhecido por “diferimento”, seguido de outro instrumento financeiro de crédito presumido, onde o contribuinte tendo um crédito junto ao Estado, faz o ajuste de contas na hora de pagar o imposto. Inverter esse entendimento para constranger o adquirente de mercadorias em São Paulo e Minas Gerais é contrariar o Princípio da Moralidade Administrativa do artigo 37 da Constituição Federal. Afinal, sendo a Nota Fiscal o resultado de mercadorias + impostos + serviços (transporte) não é justo atribuir ao adquirente de boa-fé que recolha novamente o imposto já pago na aquisição da mercadoria:

TRIBUTÁRIO – ICMS – MERCADORIA ADQUIRIDA DE PESSOA JURÍDICA INSCRITA NO CADASTRO DE CONTRIBUINTES – I – O comerciante que adquire mercadoria de pessoa jurídica regularmente inscrita, mediante nota fiscal e comprova o respectivo pagamento do preço e do ICMS não pode ser responsabilizado pela omissão da vendedora, em recolher o tributo. Imputar responsabilidade ao comprador, em tal situação seria atribuir a terceiro, sem previsão legal, responsabilidade tributária, em flagrante ofensa ao art. 128 do CTN. II – Não é lícito exigir do comprador, que recolha novamente o tributo, que ele pagara ao adquirir a mercadoria. Semelhante exigência ofenderia o princípio da não-cumulatividade. III – O artigo 112 do CTN tempera o dispositivo do artigo 128, determinando se levem em consideração as circunstâncias que envolvem os fatos. Na hipótese, a teor dos autos, nem mesmo o Fisco tinha conhecimento da situação irregular da fornecedora (STJ – Recurso Especial 189428 – Processo 1998.00.70338-1 Relator Humberto Gomes de Barros – São Paulo – Primeira Turma – Decisão de 09/11/1999 – reiteradas).

No entanto, o TIT – Tribunal de Impostos e Taxas entendeu como plenamente ilegal a conduta do Estado remetente das mercadorias de não submeter o benefício fiscal do ICMS à aprovação do Conselho, como exige a Lei Complementar nº 24/75; ora o instrumento para combater suposta ilegalidade é a ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade, contra o Estado e não terrorismo fiscal contra o Adquirente, tornando insegura a relação jurídica de comércio de produtos.

A tese de concorrência desleal do Estado remetente e de prejuízos causados aos fiscos paulista e mineiro também não se sustenta na medida em que mesmo considerando-se os impostos integralmente pagos nos Estados remetentes, São Paulo e Minas Gerais nada arrecadariam, portanto, penalizar o contribuinte é enriquecimento ilícito.

A glosa de créditos amparada pelo Comunicado CAT nº 36, e reiterada mais recentemente no Comunicado nº 14 do Estado de São Paulo, que impede aos contribuintes de aproveitem créditos do ICMS de mercadorias adquiridas de Estados que concedem benefícios fiscais sem autorização do Confaz também não prevalece: primeiro porque o Comunicado CAT nº 36, de 29 de julho de 2004 é defasado, regulando decretos já revogados pelos respectivos Estados, segundo porque o Comunicado CAT nº 14, de 24 de março de 2009 e Lei nº 24/75 regulam matéria que lhe são estranhas:

Comunicado CAT-14, de 24-3-2009

(DOE 25-03-2009; Retificação DOE 26-03-2009)

Esclarece sobre o aproveitamento de créditos de ICMS relativos a operações ou prestações amparadas pelo programa de incentivo fiscal denominado “Pró-Emprego”, concedido pelo Estado de Santa Catarina

O Coordenador da Administração Tributária, (...):

1 de acordo com a Constituição Federal de 1988, cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS serão concedidos e revogados (artigo 155, XII, “g”);

2 atendendo o comando constitucional, a Lei Complementar nº 24/1975, recepcionada pela Constituição Federal de 1988, estabelece a forma segundo a qual são validamente concedidas às operações e prestações abrangidas pela incidência do ICMS isenções, reduções de base de cálculo, devoluções do imposto, concessão de créditos presumidos e quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus ao contribuinte do imposto (artigo 1º da Lei Complementar nº 24/1975);

(...)

6 a Lei Complementar nº 24/1975 determina que:

Art. 8º A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:

I a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;

Sendo o imposto não-cumulativo, a hipótese do artigo 8º da Lei nº 24/75 é estranha à Constituição Federal de 1.988. Para entendimento, fique claro, bastante claro ser a citada lei de 1.975 e o texto constitucional de 1.988. O[1] fenômeno constitucional da recepção constitucional se dá quando, com o advento de uma nova Ordem Constitucional, se verifica, dentro do todo o âmbito da legislação infraconstitucional, quais aquelas normas não recepcionadas, que passam a se constituir desprovidas de validade perante a nova Constituição.

A legislação ordinária, ao perder o suporte de validade que lhe outorgava a Constituição anterior, concomitantemente, adquire um novo suporte, expresso ou tácito, da nova ordem Constitucional. A legislação ordinária deve encontrar a partir da nova ordem constitucional o seu fundamento.

Considerando a Lei nº 24, de 07 de janeiro de 1.975, a Lei nº 87, de 13 de setembro de 1.996 não é idêntica, mas, ambas tem praticamente o mesmo conteúdo, mas a nova lei tem seu fundamento na Constituição de 1.988, razão de sua validade. A recepção da Lei nº 24, de 07 de janeiro de 1975, assim considerando, não ocorreu na totalidade, na medida em que as imposições da lei que tornam ineficaz o crédito legalmente recebido de empresa que tenha gozado de qualquer benefício fiscal ou financeiro nos termos do artigo 8º são incompatíveis com a literalidade do texto constitucional que trata da não-cumulatividade. Por seu turno, o artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) prescreve que

“A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

Dá-se a revogação tácita ou indireta, quando, embora não expressamente estabelecida pela nova lei, haja incompatibilidade com a anterior, ou a lei nova regule inteiramente a matéria de que tratava a anterior. Consiste na incompatibilidade ou contrariedade entre os dispositivos da lei nova e os da anterior, prevalecendo os da primeira sobre os da segunda: lex posterior derogat priori. Não seria razoável conceber a aplicação simultânea de duas leis contraditórias ou opostas.

A não-cumulatividade do imposto é linear, ensejando a observação de crédito diante de operações sucessivas (RE 240.395-0/RS). A não-cumulatividade é uma determinação constitucional que deve ser cumprida, assim por aqueles que dela se beneficia, como pelos próprios agentes da Administração Pública. A técnica da não-cumulatividade e o modo pelo qual se efetiva o princípio da não-cumulatividade.

AÇÃO DECLARATÓRIA - ICMS - RESOLUÇÃO N. 3.166/2001 - VEDAÇÃO DE APROPRIAÇÃO DE CRÉDITO DE ICMS, NAS OPERAÇÕES INTERESTADUAIS COM INCENTIVOS FISCAIS - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - RECURSO PROVIDO. ''As limitações impostas ao princípio da não-cumulatividade pelas leis complementares, convênios e regulamentos são inconstitucionais; da Carta Magna constam apenas como exceção à tal princípio a isenção e a não-incidência, não podendo a legislação infraconstitucionais criar outras''. ''O princípio da não-cumulatividade consiste no realizar o abatimento, na operação posterior, do imposto incidente e pago na operação anterior. CF, art. 155, § 2º, I. Impossibilidade da vedação do crédito em razão da redução da base de cálculo do imposto. II. - RE provido. Não provimento do agravo. (RE 355422 AgR / MG, Ministro CARLOS VELLOSO, DJ 28-10-2004'' (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Apelação Cível n° 1.0024.05.773735-5/001 – Belo Horizonte – Relator Alvim Soares – 06/02/2007).

Ementa: ICMS - Princípio da não-cumulatividade - mercadoria usada - base de incidência menor - proibição de crédito - Inconstitucionalidade. Conflita com o princípio da não-cumulatividade norma vedadora da compensação do valor recolhido na operação anterior. O fato de ter-se a diminuição valorativa da base de incidência não autoriza, sob o ângulo constitucional, tal proibição. Os preceitos das alíneas "a" e "b" do inciso II do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal somente têm pertinência em caso de isenção ou não-incidência, no que voltadas à totalidade do tributo, institutos inconfundíveis com o benefício fiscal em questão (STF - Supremo Tribunal Federal - RE 161021/MG - Relator: Ministro Marco Aurélio Mello - 06/06/1997).

Ao vedar o aproveitamento dos créditos, o fisco paulista neutraliza o benefício concedido por outro Estado, mas, resvala para o campo da inconstitucionalidade, na medida em que em relação ao ICMS, a Constituição Federal e a Lei Complementar nº 24/75 determinam que a concessão de qualquer espécie de benefício fiscal ocorra no âmbito do Conselho Fazendário, mas, somente autoriza a glosa através do não conhecimento e anulação do crédito relativo as operações anteriores referente a isenção ou não-incidência, o que não vem a ser os casos postos sob análise(art. 155, II “a” e “b”).

[1] Freitas, Rinaldo Maciel de – ICMS – Do Imposto Sobre o Consumo à Guerra Fiscal – MP Editora 2009.

Do Imposto sobre o Consumo à Guerra Fiscal

O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, previsto no artigo 155 da Constituição Federal de 1.988 e regulado pela Lei nº 87, de 13 de setembro de 1986 é a principal fonte de arrecadação dos Estados e do Distrito Federal, sua origem se dá no antigo Imposto sobre o Consumo. Em 1.891 a Constituição da República tocou no assunto vedando a criação de impostos pela União e pelos Estados “na passagem” de produtos por um Estado, ou, através dos Estados. Esta Constituição permitia a cobrança de imposto sobre a importação de mercadorias estrangeiras e destinadas ao consumo em seus próprios territórios.

Em 28 de janeiro de 1.808 o Príncipe Regente D. João havia promulgado o Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas através de Carta Régia. Por esse diploma era autorizada a abertura dos portos do Brasil ao comércio com as nações amigas de Portugal, do que se beneficiou largamente o comércio britânico. Foi a primeira experiência liberal do mundo após a Revolução Industrial. O primeiro porto brasileiro a ser utilizado no comércio com outras nações foi o Porto de Santos. Nesta época o comércio era basicamente composto de comodities agrícolas, sendo o mercado relevante consumidor e exportador concentrado na região sudeste, principalmente nos Estados de Minas Gerais e São Paulo.

Na vigência da Constituição de 1.891 foi criada a Lei nº 641, de 14 de novembro de 1.899, que previa o imposto sobre o consumo de determinados produtos. O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias somente apareceria mais tarde na Constituição de 1934 com a instituição de Impostos sobre o consumo de quaisquer mercadorias, sendo a regulamentação dada pelo Decreto nº 24.521 de 02 de julho de 1934; o Decreto nº 19.221 de 19 de julho de 1.945 aprovou o Regimento da Junta Consultiva do Imposto de Consumo - JCIC.

A Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1.964 que trata do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, na verdade dispõe sobre o “Imposto de Consumo”, porém, a separação do Imposto de Consumo entre um imposto de competência da União e outro dos Estados somente ocorre com a Constituição de 1.967, sendo o imposto instituído por meio de Decreto. A Junta Consultiva do Imposto de Consumo se tratava de uma espécie de Conselho de Contribuintes, de composição paritária que tratava os processos que lhe eram remetidos pelo Ministro da Fazenda, Diretor Geral da Fazenda Nacional e Diretor das Rendas Internas:

DECRETO N. 19.221 - DE 19 DE JULHO DE 1945
Aprova o Regimento da Junta Consultiva do Impôsto de Consumo (J. C. I. C.).

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 74, letra a, da Constituição,

Decreta:

REGIMENTO DA JUNTA CONSULTIVA DO IMPÔSTO DE CONSUMO

Art. 1º A Junta Consultiva do Impôsto de Consumo (J. C. I. C.), criada pelo art. 204 do Decreto-lei número 7.404, de 22 de março de 1945, e incumbida de opinar. Como órgão consultivo, sôbre as questões decorrentes da interpretação e aplicação esse Decreto-lei e de dar parecer nos processos de consultas sôbre o Impôsto de Consumo, para a decisão da segunda instância, funcionará sob a presidência do Diretor das Rendas Internas, e será constituída de seis (6) membros designados pelo Presidente da República, sendo três (3) escolhidos dentre funcionários especializados do Ministério da Fazenda, indicados pelo Ministro da Fazenda, e três (3) representantes dos contribuintes indicados pela Federação das Associações Comerciais do Brasil e pela Confederação Nacional da Indústria.

Na história o primeiro governo a conceder benefício fiscal foi o de Getúlio Vargas que pelo Decreto-Lei nº 9.716, de 03 de setembro de 1946 concede benefício fiscal individual, sendo este para a Cia. Siderúrgica Nacional - CSN, primeira siderúrgica brasileira e uma espécie de jóia do período Vargas, mas sua implantação é conseqüência da Segunda Guerra Mundial:


DECRETO-LEI N. 9.716 - DE 03 DE SETEMBRO DE 1946

Concede favores aduaneiros, inclusive impôsto de consumo e dispensa de multas fiscais, à Companhia Siderúrgica Nacional.

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição,

Decreta:
Art. 1º Os favores aduaneiros de que goza a Companhia Siderúrgica Nacional, de acôrdo com o art. 1º do Decreto-lei nº 4.363, de 06 de Junho de 1942, compreendem igualmente os materiais destinados à indústria carvão da mesma Companhia em Santa Catarina, inclusive o equipamento ferroviário e de transporte marítimo, podendo o inspetor da Alfândega designar funcionários para a conferência dêsses materiais, fora das horas de expediente, observando o Decreto-lei nº 8.663, de 19 de Janeiro de 1946.

Art. 2º A Companhia Siderúrgica Nacional fica também isenta do impôsto de consumo para os seus materiais de importação e, bem assim, do pagamento de multas aduaneiras e fiscais.

Desde esta época e mais de um século depois, muitas Constituições acolheram a idéia de transferência da Capital da República para o Planalto Central. Porém, foi em 1946 que a Constituição Federal consagrou a decisão – que aguardaria o seu executor... Juscelino Kubitschek com seu Plano de Metas, um programa minucioso que priorizava cinco setores fundamentais: energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação. O grande número de obras realizadas fez-se à custa de empréstimos e investimentos estrangeiros e priorizavam o sudeste, principalmente o Estado de São Paulo, em detrimento de outras regiões.

No governo de Juscelino Kubitschek havia a convicção de ser possível a realização do desenvolvimento do país a partir de um centro econômico único; São Paulo. O dinamismo desse centro irradiar-se-ia para todas as outras áreas e regiões do país. Em decorrência dessa visão a grande maioria dos investimentos públicos em infra-estrutura e empréstimos através do BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento foram canalizados para o Estado de São Paulo assim como a implantação de complexos industriais.

O processo de transição para o modo de produção capitalista em países subdesenvolvidos é extremamente prolongado. O Governo JK (1.956 a 1.960) com seu plano de metas internacionalizou a economia e aumentou a dívida externa, com a convicção de realizar o desenvolvimento do país a partir do sudeste, com base em São Paulo, conforme Brum[1]:

“Acreditava-se nos meios oficiais do governo JK que era possível realizar o desenvolvimento do país a partir de um centro dinâmico único - no caso, São Paulo. O dinamismo desse centro - em círculos concêntricos cada vez mais amplos - irradiar-se-ia progressivamente contagiando as outras áreas e regiões do país”.

No entanto, não foi bem isto que ocorreu. O resultado ao longo dos anos foi o sudeste, com ênfase em São Paulo cada vez mais rico e desenvolvido, em detrimento do norte e nordeste cada vez mais pobres e subdesenvolvidos. No norte houve a implantação do projeto mineral de Carajás, indústria meramente extrativa e no nordeste, na Bahia a implantação do Pólo Petroquímico de Camaçari. De resto o norte e nordeste foram praticamente abandonados. Iniciativas políticas para a região como a SUDAM e SUDENE se tornaram casa da oligarquia regional e palcos de escândalos de corrupção no país.

São Paulo se tornara um grande pólo industrial e as outras regiões do país, principalmente o nordeste tinha suas economia subdesenvolvida à base de monocultura de comoditie agrícola. Fenômeno com similaridade na China, o nordeste necessitou atrair investimento à custa de mão-de-obra de baixo custo e benefícios econômicos para crescer, gerar renda e desenvolver. Estes estados além de oferecerem benefícios fiscais têm boa infraestrutura portuária, mão-de-obra abundante e, vasto litoral com eixo mais próximo de Estados Unidos e União Européia.

Estava lançada na região a semente de uma nova economia em escala global surgida nas últimas décadas decorrente da globalização econômica e de uma tributação que prejudicou toda a região nos últimos anos, na medida em que as inovações introduzidas no ICM - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias, surgido com a Emenda Constitucional nº 18, de 01 de dezembro de 1.965, não fazia justiça ao princípio federativo. A EC nº 18 instituiu o “Sistema Tributário Brasileiro”, onde aparece o Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, sendo este de caráter não-cumulativo:

Emenda Constitucional nº 18

Seção IV

IMPOSTOS SOBRE A PRODUÇÃO, E A CIRCULAÇÃO.

Art. 12 – Compete aos Estados o impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por comerciantes, industriais e produtores.

O Ato Complementar nº 40, de 30 de dezembro de 1.968 modificaria a redação do imposto relativo à circulação de mercadorias, realizadas por produtores, industriais e comerciantes, previsto no artigo 24 da Constituição Federal de 1.967, retirando entre outros a uniformidade de alíquota em operações internas e interestaduais (§ 4º, do artigo 24 da Constituição de 1967):

Art. 24 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal decretar impostos sobre:

II - operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por produtores, industriais e comerciantes.

§ 4º - A alíquota do imposto a que se refere o nº II será uniforme para todas as mercadorias nas operações internas e Interestaduais, e não excederá, naquelas que se destinem a outro Estado e ao exterior, os limites fixados em resolução do Senado, nos termos do disposto em lei complementar.

§ 4º - A alíquota do imposto a que se refere o nº II será uniforme para todas as mercadorias; o Senado Federal, através de resolução tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará as alíquotas máximas para as operações internas, para as operações interestaduais e para as operações de exportação para o estrangeiro.

§ 5º - O imposto sobre circulação de mercadorias é não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, nos termos do disposto em lei, o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou outro Estado, e não incidirá sobre produtos industrializados e outros que a lei determinar, destinados ao exterior.

A Constituição de 1.967 incorporou outros impostos regidos por legislações esparsas em um único imposto:

Imposto sobre a Circulação de Mercadorias;

Imposto Único sobre Minerais;

Imposto Único sobre Combustíveis Líquidos e Gasosos;

Imposto Único sobre Energia Elétrica;

Imposto sobre Transportes;

Imposto sobre Comunicações.

A Constituição Federal de 1.988 trouxe uma inovação, o “S” mudando a palavra anterior, “Imposto” em “Serviço” para transporte; energia e comunicações.

Na vigência da Constituição Federal de 1967 foi instituída a Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975 dispondo sobre convênios e concessão de isenções e não-incidência sobre o imposto, recepcionada pela Constituição Federal de 1988. A Lei dispôs que as isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias seriam concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federa, vedando:

I - à redução da base de cálculo;

III - à concessão de créditos presumidos;

IV - à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;

Art. 8º - A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:

I - a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;

A Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975 inovou em relação à Constituição Federal de 1988 em relação ao princípio da não-cumulatividade do imposto ao determinar a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria no caso de inobservância dos dispositivos da Lei, incluindo a vedação ao crédito também nos casos de “crédito presumido”, “redução de base de cálculo” e outros incentivos.

A Constituição Federal de 1988 é uma Carta de Princípios e se refere exclusivamente à isenção ou não-incidência, como na visão do Profº Celso Antônio Bandeira de Melo no seu “Curso de Direito Administrativo” assim entende por “Princípio Constitucional”:

“Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

A não-cumulatividade do imposto (Princípio da Não-Cumulatividade).

II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores

As propostas de reforma tributária em questão não resolvem o problema da “Guerra Fiscal”. A criação de um IVA-F e um IVA-E é um retorno a 1.965, no entanto, com proposta de cobrança do imposto no destino. Os Estados industrializados não aceitam e norte e nordeste não querem perder seu único instrumento de atração de empresas, além do mais, o ICMS não é um Imposto sobre Valor Agregado como explica Roque Carrazza[2]:

“Vai daí que, juridicamente, o ICMS não é um imposto sobre o valor agregado. Só para registro, o imposto sobre o valor agregado caracteriza-se, nos patamares do Direito, por incidir sobre a parcela acrescida, ou seja, sobre a diferença positiva de valor que se verifica entre duas operações em seqüência, alcançando o novo contribuinte na justa proporção do que ele adicionou ao bem. Não é o caso do ICMS, que grava o valor total da operação”.

Os Estados da região sudeste são os mais atingidos na concorrência global. Indústrias estabelecidas na China podem chegar com seus produtos ao nordeste brasileiro que tem estrutura portuária adequada, concede benefícios fiscais e de lá esses produtos chegam competitivos ao sudeste. A “Guerra Fiscal” não é um problema de contribuinte, mas, de Estado. Entregar a conta ao contribuinte somente assevera a injustiça e o remete aos Tribunais, contribuindo para a morosidade do judiciário, em razão do excessivo número de procedimentos judiciais que tem de ser adotados, implicando prejuízo a toda a sociedade. A “Guerra Fiscal” é um fenômeno global recente, que necessita de soluções novas e justiça econômico-fiscal que não exclua a possibilidade de desenvolvimento a nenhum Estado da federação.
[1] Brum, Argemiro Jacob - Desenvolvimento Econômico Brasileiro - 24ª edição - Vozes - 2005.
[2] Carrazza, Roque Gomes – ICMS – Malheiros – 11ª Edição – 2006

domingo, 2 de agosto de 2009

Gol Geração 5 ou "Novo Gol" - Propaganda Enganosa

O veículo Gol "geração cinco" ou "novo Gol" é um exemplo da falta de respeito da Volkswagen pelo consumidor brasileiro, em completo desrespeito à Lei 8.078/1990 onde a hipossuficiência é um Princípio Protecionista de direito que visa a proteção da parte considerada mais fraca na relação (consumidor – trabalhador – etc.). Princípio este intrinsecamente relacionado com o fim a que se propõe:


A defesa do consumidor não se baseia apenas na punição dos que praticam ilícitos e violam os direitos do consumidor, como também na conscientização dos consumidores de seus direitos e deveres e conscientizar os fabricantes, fornecedores e prestadores de serviços sobre suas obrigações demonstrando que agindo corretamente eles respeitam o consumidor e ampliam seu mercado de consumo contribuindo para o desenvolvimento do país, no entanto, não é isso que se verifica na medida em que a Volkswagen age de má-fé tentando enganar os consumidores:


AQUISIÇÃO DE VEÍCULO DENTRO DE CONCESSIONÁRIA DO MESMO GRUPO DA COMPANHIA DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. CARRO AVARIADO VENDIDO COMO NOVO. TEORIA DA APARÊNCIA. APLICABILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. CARACTERIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. RESCISÃO DO CONTRATO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PADRÃO DE RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. DESCABIMENTO. I – A concessionária integrante do mesmo grupo da companhia de arrendamento mercantil é parte legítima passiva para responder à ação de indenização por danos materiais e morais proposta por adquirente de automóvel dito zero quilômetro, que vem a descobrir, em ulterior perícia, que o veículo já havia sofrido colisão. A responsabilidade existe, ainda que o negócio tenha se efetivado por meio de contrato de leasing, porquanto celebrada a avença no interior da empresa revendedora, diretamente com seus empregados, circunstância que autoriza a aplicação da teoria da aparência, cujo escopo é a preservação da boa-fé nas relações negociais, afastando a interpretação de que o contrato foi firmado com terceiro. Está evidenciado que a ação reparatória teve origem em conduta ardilosa da própria concessionária, não havendo como ser afastada, portanto, sua responsabilidade pelos prejuízos que foram causados ao consumidor, o qual não teria celebrado o negócio se lhe fossem dados conhecer os defeitos do veículo. II – Versa a hipótese, ademais, relação consumerista, sujeita às regras protetivas do Código de Defesa do Consumidor, que prevê, em seu artigo 18, a responsabilização do fornecedor, quando comprovada sua culpa pelo vício de qualidade do produto, não importando sua relação direta ou indireta, contratual ou extracontratual com o consumidor. III - Fixado o valor da reparação por danos morais dentro de padrões de razoabilidade, faz-se desnecessária a intervenção deste Superior Tribunal. Recurso especial não conhecido (STJ – Superior Tribunal de Justiça – REsp – Recurso Especial nº 369971 – Processo nº 200101313633/MG – Terceira Turma – 16/12/2003).

Os princípios que regem a defesa do consumidor norteiam-se pela boa-fé do adquirente e do comerciante. Caso o produto não satisfaça as condições expostas pelo vendedor, a publicidade seja enganosa o consumidor tem direito à justa reparação, O que se verificou? A Volkswagen anunciou exaustivamente o veículo em rede nacional, através de ator americano. O veículo entra água em quantidade absurda quando utilizado em condições atmosféricas adversas; o veículo tem problemas de freios, sendo o mesmo insuficiente; o ar-condicionado não funciona; a buzina do carro não funciona e mais se assemelha a um “pato rouco”. A respeito da publicidade enganosa, esta se trata de assunto de interesse público, pertencendo ao ramo dos direitos difusos de caráter meta-individual:

É isso que os alemães têm para você consumidor brasileiro!