sábado, 4 de agosto de 2012

De Pinochet ao Cartel do Vergalhão no Brasil

 “As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam” Ségio Natureza e Tunai.

Do ponto de vista filosófico é irresistível a tentação de traçar um paralelo entre o período da ditadura de Pinochet no Chile e, o que ficou conhecido no Brasil como cartel do vergalhão. Não que os dois assuntos tenham conexão, mas, são similares.

Ainda no seminário religioso, tive um professor que um dia nos disse: __ “A vaca pasta ingenuamente”. Queria desenvolver o assunto sobre seres irracionais “ocuparem” um espaço no tempo e, os homens “pré-ocuparem” esse mesmo espaço. Após tratarmos de questões puramente materialistas na filosofia, recebíamos um banho de espiritualidade no noviciado.

Na filosofia, o materialismo dialético é uma forma desta doutrina estabelecida por Karl Marx e Friedrich Engels que, introduzindo o processo dialético na matéria, admite, ao fim dos processos quantitativos, mudanças qualitativas ou de natureza, e daí a existência de uma consciência, que é produto da matéria, mas realmente distinta dos fenômenos de ordem material.

O materialismo histórico é tese do marxismo, segundo a qual o modo de produção da vida material condiciona o conjunto da vida social, política e espiritual. É um método de compreensão e análise da história, das lutas e das evoluções econômicas e políticas, tese foi definida e utilizada por Marx.

Dito isto, passamos a abordar o assunto: Não há dúvida de que foi justamente no período de Augusto Pinochet no Chile que foram plantadas as sementes para o crescimento econômico que é reconhecido, como um programa de abertura comercial, ajuste fiscal e aperto monetário, porém, o resultado inicial foi desastroso, houve aumento de 100% do desemprego entre 1974 e 75 e a economia recuou em 13%. Feitas as contas, os primeiros anos do ditador foram terríveis do ponto de vista econômico.

Somente a partir da segunda metade dos anos 80 a economia do Chile alcança um crescimento de 7,6% por causa da exportação de cobre cujo preço teve tendência de alta. O cobre corresponde a 40% de todas as exportações do Chile sendo que o país ainda não encontrou um substituto para continuar a comandar o crescimento econômico, razão pela qual adota um programa de superavit estrutural para, caso o preço do cobre venha a cair, poder usá-lo e evitar a queda no nível de atividade.

Já a siderurgia é um setor de baixíssimo valor agregado, portanto produção e mercado dependem de escala e, havendo reserva de mercado, maior o lucro na medida em que não raras às vezes buscam proteção do Estado para viabilizar a cartelização. A siderurgia é dependente do ganho em escala, secularizado pelo poder econômico.

Os primeiros anos da década de 80 foram angustiantes para os aços longos uma vez que várias empresas estavam em expansão. Em 1984, entrou em operação uma nova grande siderúrgica: a Mendes Jr.; e, algumas produtoras de laminados longos especiais, frente à queda mais acentuada da demanda destes produtos, intensificaram a fabricação de laminados longos comuns (vergalhões).

No período de 1990/96, teve início a concentração no setor siderúrgico de vergalhões e fios de aço tendo a Belgo-Mineira e o Grupo Gerdau como os principais atores. Com as mudanças que ocorreram no mercado brasileiro de produtos longos, o parque nacional ficou composto por um grande número de empresas, com produção de vergalhões, o que fazia com que os preços dessas comodities fossem sempre instáveis.

A partir de 1990, estas empresas, foram sendo adquiridas, sendo umas fechadas e outras reestruturadas para funcionamento no novo contexto concentrado. Em 1996, pré-consolidada a concentração no setor, o mercado se fechou criando uma barreira à entrada de concorrentes via normatização de barras e fio de aços destinados à armadura para concreto estabelecido no âmbito do Comitê Técnico de Certificação de Aços longos para construção civil - ABNT/CTC-04, a NBR 7480/96 e posteriormente com a Portaria INMETRO 46/99.

Até a consolidação da reestruturação do mercado, os distribuidores de aços tinham opção de adquirir vergalhões no mercado, entre dezessete siderúrgicas que concorriam entre si. Havia também outro tipo de vergalhão no mercado, o CA-40 que era o substituto natural do vergalhão CA-50 sendo este último tornado de uso obrigatório pela NBR 7480/96. Os distribuidores tinham a opção, portanto, de adquirir vergalhões de várias siderúrgicas que foram sendo absorvidas pelo Grupo Gerdau e pela Belgo-Mineira (atual ArcelorMittal) e outras fechadas, no processo de concentração.

Além de suficiente número de fornecedores, havia quatro tipos de aço utilizados na construção civil, a saber, o aço CA-25; CA-40; CA-50 e CA-60 desta maneira, nenhum produtor poderia individualmente elevar o preço do produto, pois havia a perfeita substituibilidade do produto assim como possibilidade de alternância de fornecedor.

A prática então de atuar concertadamente, até o momento de mercado perfeito, não era possível, pois nenhum produtor poderia individualmente elevar o preço dos produtos, pois isso resultaria na perda de suas vendas; ou abaixá-lo substancialmente, já que sofreria prejuízos diante de seus custos de produção.

Por outro lado, nenhum produtor poderia também tentar reduzir unilateralmente sua oferta como modo de “regulação” do mercado, já que a parcela não vendida seria facilmente suprida pelos concorrentes existentes até então. Nessa perspectiva, o preço no mercado até então era perfeitamente competitivo, assim considerado pelos produtores e distribuidores como um dado não passível de modificações pela conduta individual.

A concorrência era determinada pela interação entre oferta e procura do mercado. Essas condições determinavam ser o mercado perfeitamente competitivo, ou seja, a existência de um grande número de produtores, homogeneidade e substituibilidade de produtos oferecidos no mercado, o acesso pleno de todos os agentes às informações relevantes do mercado, mobilidade dos fatores de produção e dos agentes do mercado e a inexistência de barreira à entrada.

Com a revisão da NBR 7480 de 1996, houve a possibilidade de existência de um duopólio no mercado siderúrgico de vergalhões, com a participação de uma terceira empresa em conluio com a prática de cartel, que adotam tacitamente comportamento colusivo. A NBR 7480/96 estabeleceu como norma na construção civil a utilização apenas dos aços CA-50 e o CA-60, embora ainda exista na norma o permissivo para o uso do aço CA-25, porém este, em razão de sua qualidade não é usado em obras de construção civil.

As únicas empresas produtoras, ou seja, Belgo Mineira, Gerdau e Barra Mansa, concentraram o mercado siderúrgico de longos impedindo o surgimento de guerra de preços, haja visto haver homogeneidade de preços praticados e uma política de não-agressão onde uma empresa não atende o cliente da outra:

GRUPO
PARTICIPAÇÃO
UNIDADES
Grupo Gerdau
49,5%
Gerdau – Cosigua – Usiba – Pains – Aliperte - Açominas
Belgo Mineira
40,9%
Belgo Mineira – Dedini – Cofavi – Mendes Júnior – Itaunense
Barra Mansa
9,6%
Cia. Siderúrgica Barra Mansa

Como não há contestabilidade no mercado pelo produto com os preços iguais, a demanda é alocada proporcionalmente à capacidade de cada empresa. A revisão da NBR 7480/96 foi fundamental para a concentração do mercado e práticas discriminatórias com a formação do cartel, uma vez que fixou as condições exigíveis na encomenda, fabricação e fornecimento de barras e fios de aço destinados a armaduras. Até a concentração hoje verificada, a produção de produtos longos no Brasil era assim representada:

Nº.
EMPRESA
PRODUTO
DESTINO
01
Aços Minas Gerais - Açominas
Vergalhões
Adquirida pela Gerdau
02
Companhia Ferro e Aço Vitória
Vergalhões
Adquirida pela Belgo
03
Cia. Siderúrgica Aliperte
Vergalhões
Adquirida pela Gerdau
04
Cia. Siderúrgica Dedini
Vergalhões
Adquirida pela Belgo
05
Cia. Siderúrgica Mendes Junior
Vergalhões
Adquirida pela Belgo
06
Cia. Siderúrgica Pains
Vergalhões
Adquirida pela Gerdau
07
Cia. Industrial Itaunense
Vergalhões
Adquirida pela Belgo
08
Cia. Siderúrgica Belgo Mineira
Vergalhões
Belgo Mineira
09
Cia. Siderúrgica Gerdau
Vergalhões
Gerdau
10
Cia. Sid. Do Nordeste - Cosinor
Vergalhões
Fechada pela Gerdau
11
Usina Siderúrgica da Bahia - Usiba
Vergalhões
Adquirida pela Gerdau
12
Cia. Siderúrgica Barra Mansa
Vergalhões
Barra Mansa
13
Siderúrgica Guairá
Vergalhões
Adquirida pela Gerdau
14
Copala
Vergalhões
Encerrou atividades
15
Cimetal Siderurgia
Vergalhões
Adquirida pela Gerdau
16
Ferroeste
Vergalhões
Mudou atividade
17
Cia. Brasileira do Aço – C.B.A
Vergalhões
Encerrou atividades
* Há ainda que se considerar ainda outros pequenos produtores que tiveram suas atividades enceradas em função do cartel e que não entram em estatísticas!

Os produtores no momento estão limitados a três, conforme indicados no quadro abaixo, já os compradores, estão pulverizados, sendo uma pequena parcela de grandes construtoras que compram com preços diferenciados:

PRODUTOS
EMPRESAS
USINAS INTEGRADAS
Longos
Belgo Mineira (MG – ES) – Gerdau (MG)
USINAS SEMI-INTEGRADAS
Longos
Gerdau (CE – PE – BA – RJ – PR – RS) – Mendes Jr. BMP (MG) – Barra Mansa (RJ) – Belgo Mineira Dedini (SP) – Belgo Mineira – Itaúna (MG).

A liberdade jurídica de conquista da clientela pelos potenciais concorrentes deveria somar-se a liberdade dos consumidores de usufruírem alternativas de produtos substituíveis e similares, o que não é possível por causa da barreira técnica que impede a entrada no mercado brasileiro do aço para construção CA-40, que é consumido em todo o mundo, com exceção de Brasil, Bolívia e Paraguai.

O que ocorre no mercado siderúrgico brasileiro de produtos longos é o duopólio. Regra básica, o duopólio privado representa o outro lado da moeda, comparado à concorrência perfeita. Caracteriza-se pela inexistência de competição no mercado brasileiro de vergalhões, no qual duas empresas demonstram poder para estabelecer o preço do produto no mercado, pela falta de substituibilidade do produto e determinar em concorrências públicas, quem será o fornecedor de determinada obra.

No mercado brasileiro o que se verifica é um duopólio, com duas empresas determinando as regras de mercado e uma terceira acompanhando as decisões. Neste duopólio, verificam-se presentes três elementos fundamentais: dois únicos vendedores com poder de mercado, o produto que vendem ser único (homogeneidade) e, barreiras substanciais impedindo a entrada de outras empresas no mercado relevante.

Nos mercados monopolizados, a fixação de preço e quantidade produzida dá-se em bases bem diferentes da ocorrida em outros regimes. Neste caso, os produtores influenciam o preço do bem controlando sua oferta, aliás, igual à produção total do mercado. Para maximizar seu lucro o duopólio produz uma quantidade menor do que aquela que seria oferecida em condições competitivas.

A política de privatizações realizadas no Brasil não parece ter levando em conta a tendência à concentração empresarial nos setores atingidos. Ou pior, parecem ter desconsiderado que a substituição de um monopólio estatal por um monopólio privado não traz nenhum ganho de eficiência no longo prazo. As conseqüências dessa falha já começam a aparecer. Eles são visíveis até mesmo na grande imprensa e mais ainda nos processos que estão sendo submetidos ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) desde o início dos anos 90.

Portanto, a similaridade encontra-se nos eventos ocorridos. No Chile, em que pese o controle do cobre ser estatal, este depende do cenário internacional onde o cobre tem uma cotação razoável. No cartel do vergalhão o evento até recentemente independia do cenário internacional, mas, no caso, de barreira técnica.

No Chile, sua ação foi em conseqüência da ocorrência prévia de determinado evento contravoluntário, assim, não poderia agir de modo diferente, mas, se todas as ações são eventos, e se todos os eventos têm causas, esse estado jamais agirá de modo diferente, assumindo que o problema, no cenário atual, não tem solução o que evidencia a favor do princípio de razão.

Na contramão, a siderurgia de longos, onde houve até um início de reação do mercado com a queda de ex-tarifários e redução à zero das alíquotas do imposto de importação do comoditie. Aristóteles, logo após sustentar que todas as ações resultantes da escolha pelo agente são voluntárias, concluiu que excelência e vício são também voluntários. Desse modo necessário investigar se a ação é voluntária e, em que consiste a escolha.

Noutras palavras, ocorrendo o evento, o agente em questão poderia agir forçosamente em conseqüência dessa ocorrência. No caso dos vergalhões ação e evento são pré-determinados pelos agentes que fizeram a escolha e deliberaram sobre ela, cabendo-lhes a responsabilidade. Excelente e vício estão em poder dos agentes.

A escolha é a expressão mais clara do caráter do agente, mais do que as ações que podem ser contravoluntárias e falsear a avaliação sobre a intenção do agente. Infelizmente, escolha e deliberação foram no sentido de concentrar o mercado formando um cartel.

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