O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, previsto no artigo 155 da Constituição Federal de 1.988 e regulado pela Lei nº 87, de 13 de setembro de 1986 é a principal fonte de arrecadação dos Estados e do Distrito Federal, sua origem se dá no antigo Imposto sobre o Consumo. Em 1.891 a Constituição da República tocou no assunto vedando a criação de impostos pela União e pelos Estados “na passagem” de produtos por um Estado, ou, através dos Estados. Esta Constituição permitia a cobrança de imposto sobre a importação de mercadorias estrangeiras e destinadas ao consumo em seus próprios territórios.
Em 28 de janeiro de 1.808 o Príncipe Regente D. João havia promulgado o Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas através de Carta Régia. Por esse diploma era autorizada a abertura dos portos do Brasil ao
comércio com as nações amigas de Portugal, do que se beneficiou largamente o comércio
britânico. Foi a primeira experiência liberal do mundo após a Revolução Industrial. O primeiro porto brasileiro a ser utilizado no comércio com outras nações foi o Porto de Santos. Nesta época o comércio era basicamente composto de comodities agrícolas, sendo o mercado relevante consumidor e exportador concentrado na região sudeste, principalmente nos Estados de Minas Gerais e São Paulo.
Na vigência da Constituição de 1.891 foi criada a Lei nº 641, de 14 de novembro de 1.899, que previa o imposto sobre o consumo de determinados produtos. O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias somente apareceria mais tarde na Constituição de 1934 com a instituição de Impostos sobre o consumo de quaisquer mercadorias, sendo a regulamentação dada pelo Decreto nº 24.521 de 02 de julho de 1934; o Decreto nº 19.221 de 19 de julho de 1.945 aprovou o Regimento da Junta Consultiva do Imposto de Consumo - JCIC.
A Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1.964 que trata do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, na verdade dispõe sobre o “Imposto de Consumo”, porém, a separação do Imposto de Consumo entre um imposto de competência da União e outro dos Estados somente ocorre com a Constituição de 1.967, sendo o imposto instituído por meio de Decreto. A Junta Consultiva do Imposto de Consumo se tratava de uma espécie de Conselho de Contribuintes, de composição paritária que tratava os processos que lhe eram remetidos pelo Ministro da Fazenda, Diretor Geral da Fazenda Nacional e Diretor das Rendas Internas:
DECRETO N. 19.221 - DE 19 DE JULHO DE 1945
Aprova o Regimento da Junta Consultiva do Impôsto de Consumo (J. C. I. C.).
O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 74, letra a, da Constituição,
Decreta:
REGIMENTO DA JUNTA CONSULTIVA DO IMPÔSTO DE CONSUMO
Art. 1º A Junta Consultiva do Impôsto de Consumo (J. C. I. C.), criada pelo art. 204 do Decreto-lei número 7.404, de 22 de março de 1945, e incumbida de opinar. Como órgão consultivo, sôbre as questões decorrentes da interpretação e aplicação esse Decreto-lei e de dar parecer nos processos de consultas sôbre o Impôsto de Consumo, para a decisão da segunda instância, funcionará sob a presidência do Diretor das Rendas Internas, e será constituída de seis (6) membros designados pelo Presidente da República, sendo três (3) escolhidos dentre funcionários especializados do Ministério da Fazenda, indicados pelo Ministro da Fazenda, e três (3) representantes dos contribuintes indicados pela Federação das Associações Comerciais do Brasil e pela Confederação Nacional da Indústria.
Na história o primeiro governo a conceder benefício fiscal foi o de Getúlio Vargas que pelo Decreto-Lei nº 9.716, de 03 de setembro de 1946 concede benefício fiscal individual, sendo este para a Cia. Siderúrgica Nacional - CSN, primeira siderúrgica brasileira e uma espécie de jóia do período Vargas, mas sua implantação é conseqüência da Segunda Guerra Mundial:
DECRETO-LEI N. 9.716 - DE 03 DE SETEMBRO DE 1946
Concede favores aduaneiros, inclusive impôsto de consumo e dispensa de multas fiscais, à Companhia Siderúrgica Nacional.
O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição,
Decreta:
Art. 1º Os favores aduaneiros de que goza a Companhia Siderúrgica Nacional, de acôrdo com o art. 1º do Decreto-lei nº 4.363, de 06 de Junho de 1942, compreendem igualmente os materiais destinados à indústria carvão da mesma Companhia em Santa Catarina, inclusive o equipamento ferroviário e de transporte marítimo, podendo o inspetor da Alfândega designar funcionários para a conferência dêsses materiais, fora das horas de expediente, observando o Decreto-lei nº 8.663, de 19 de Janeiro de 1946.
Art. 2º A Companhia Siderúrgica Nacional fica também isenta do impôsto de consumo para os seus materiais de importação e, bem assim, do pagamento de multas aduaneiras e fiscais.
Desde esta época e mais de um século depois, muitas Constituições acolheram a idéia de transferência da Capital da República para o Planalto Central. Porém, foi em 1946 que a Constituição Federal consagrou a decisão – que aguardaria o seu executor... Juscelino Kubitschek com seu Plano de Metas, um programa minucioso que priorizava cinco setores fundamentais: energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação. O grande número de obras realizadas fez-se à custa de empréstimos e investimentos estrangeiros e priorizavam o sudeste, principalmente o Estado de São Paulo, em detrimento de outras regiões.
No governo de Juscelino Kubitschek havia a convicção de ser possível a realização do desenvolvimento do país a partir de um centro econômico único; São Paulo. O dinamismo desse centro irradiar-se-ia para todas as outras áreas e regiões do país. Em decorrência dessa visão a grande maioria dos investimentos públicos em infra-estrutura e empréstimos através do BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento foram canalizados para o Estado de São Paulo assim como a implantação de complexos industriais.
O processo de transição para o modo de produção capitalista em países subdesenvolvidos é extremamente prolongado. O Governo JK (1.956 a 1.960) com seu plano de metas internacionalizou a economia e aumentou a dívida externa, com a convicção de realizar o desenvolvimento do país a partir do sudeste, com base em São Paulo, conforme Brum
[1]:
“Acreditava-se nos meios oficiais do governo JK que era possível realizar o desenvolvimento do país a partir de um centro dinâmico único - no caso, São Paulo. O dinamismo desse centro - em círculos concêntricos cada vez mais amplos - irradiar-se-ia progressivamente contagiando as outras áreas e regiões do país”.
No entanto, não foi bem isto que ocorreu. O resultado ao longo dos anos foi o sudeste, com ênfase em São Paulo cada vez mais rico e desenvolvido, em detrimento do norte e nordeste cada vez mais pobres e subdesenvolvidos. No norte houve a implantação do projeto mineral de Carajás, indústria meramente extrativa e no nordeste, na Bahia a implantação do Pólo Petroquímico de Camaçari. De resto o norte e nordeste foram praticamente abandonados. Iniciativas políticas para a região como a SUDAM e SUDENE se tornaram casa da oligarquia regional e palcos de escândalos de corrupção no país.
São Paulo se tornara um grande pólo industrial e as outras regiões do país, principalmente o nordeste tinha suas economia subdesenvolvida à base de monocultura de comoditie agrícola. Fenômeno com similaridade na China, o nordeste necessitou atrair investimento à custa de mão-de-obra de baixo custo e benefícios econômicos para crescer, gerar renda e desenvolver. Estes estados além de oferecerem benefícios fiscais têm boa infraestrutura portuária, mão-de-obra abundante e, vasto litoral com eixo mais próximo de Estados Unidos e União Européia.
Estava lançada na região a semente de uma nova economia em escala global surgida nas últimas décadas decorrente da globalização econômica e de uma tributação que prejudicou toda a região nos últimos anos, na medida em que as inovações introduzidas no ICM - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias, surgido com a Emenda Constitucional nº 18, de 01 de dezembro de 1.965, não fazia justiça ao princípio federativo. A EC nº 18 instituiu o “Sistema Tributário Brasileiro”, onde aparece o Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, sendo este de caráter não-cumulativo:
Emenda Constitucional nº 18
Seção IV
IMPOSTOS SOBRE A PRODUÇÃO, E A CIRCULAÇÃO.
Art. 12 – Compete aos Estados o impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por comerciantes, industriais e produtores.
O Ato Complementar nº 40, de 30 de dezembro de 1.968 modificaria a redação do imposto relativo à circulação de mercadorias, realizadas por produtores, industriais e comerciantes, previsto no artigo 24 da Constituição Federal de 1.967, retirando entre outros a uniformidade de alíquota em operações internas e interestaduais (§ 4º, do artigo 24 da Constituição de 1967):
Art. 24 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal decretar impostos sobre:
II - operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por produtores, industriais e comerciantes.
§ 4º - A alíquota do imposto a que se refere o nº II será uniforme para todas as mercadorias nas operações internas e Interestaduais, e não excederá, naquelas que se destinem a outro Estado e ao exterior, os limites fixados em resolução do Senado, nos termos do disposto em lei complementar.
§ 4º - A alíquota do imposto a que se refere o nº II será uniforme para todas as mercadorias; o Senado Federal, através de resolução tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará as alíquotas máximas para as operações internas, para as operações interestaduais e para as operações de exportação para o estrangeiro.
§ 5º - O imposto sobre circulação de mercadorias é não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, nos termos do disposto em lei, o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou outro Estado, e não incidirá sobre produtos industrializados e outros que a lei determinar, destinados ao exterior.
A Constituição de 1.967 incorporou outros impostos regidos por legislações esparsas em um único imposto:
Imposto sobre a Circulação de Mercadorias;
Imposto Único sobre Minerais;
Imposto Único sobre Combustíveis Líquidos e Gasosos;
Imposto Único sobre Energia Elétrica;
Imposto sobre Transportes;
Imposto sobre Comunicações.
A Constituição Federal de 1.988 trouxe uma inovação, o “S” mudando a palavra anterior, “Imposto” em “Serviço” para transporte; energia e comunicações.
Na vigência da Constituição Federal de 1967 foi instituída a Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975 dispondo sobre convênios e concessão de isenções e não-incidência sobre o imposto, recepcionada pela Constituição Federal de 1988. A Lei dispôs que as isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias seriam concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federa, vedando:
I - à redução da base de cálculo;
III - à concessão de créditos presumidos;
IV - à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;
Art. 8º - A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:
I - a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;
A Lei Complementar nº 24, de 07 de janeiro de 1975 inovou em relação à Constituição Federal de 1988 em relação ao princípio da não-cumulatividade do imposto ao determinar a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria no caso de inobservância dos dispositivos da Lei, incluindo a vedação ao crédito também nos casos de “crédito presumido”, “redução de base de cálculo” e outros incentivos.
A Constituição Federal de 1988 é uma Carta de Princípios e se refere exclusivamente à isenção ou não-incidência, como na visão do Profº Celso Antônio Bandeira de Melo no seu “Curso de Direito Administrativo” assim entende por “Princípio Constitucional”:
“Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
A não-cumulatividade do imposto (Princípio da Não-Cumulatividade).
II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores
As propostas de reforma tributária em questão não resolvem o problema da “Guerra Fiscal”. A criação de um IVA-F e um IVA-E é um retorno a 1.965, no entanto, com proposta de cobrança do imposto no destino. Os Estados industrializados não aceitam e norte e nordeste não querem perder seu único instrumento de atração de empresas, além do mais, o ICMS não é um Imposto sobre Valor Agregado como explica Roque Carrazza
[2]:
“Vai daí que, juridicamente, o ICMS não é um imposto sobre o valor agregado. Só para registro, o imposto sobre o valor agregado caracteriza-se, nos patamares do Direito, por incidir sobre a parcela acrescida, ou seja, sobre a diferença positiva de valor que se verifica entre duas operações em seqüência, alcançando o novo contribuinte na justa proporção do que ele adicionou ao bem. Não é o caso do ICMS, que grava o valor total da operação”.
Os Estados da região sudeste são os mais atingidos na concorrência global. Indústrias estabelecidas na China podem chegar com seus produtos ao nordeste brasileiro que tem estrutura portuária adequada, concede benefícios fiscais e de lá esses produtos chegam competitivos ao sudeste. A “Guerra Fiscal” não é um problema de contribuinte, mas, de Estado. Entregar a conta ao contribuinte somente assevera a injustiça e o remete aos Tribunais, contribuindo para a morosidade do judiciário, em razão do excessivo número de procedimentos judiciais que tem de ser adotados, implicando prejuízo a toda a sociedade. A “Guerra Fiscal” é um fenômeno global recente, que necessita de soluções novas e justiça econômico-fiscal que não exclua a possibilidade de desenvolvimento a nenhum Estado da federação.
[1] Brum, Argemiro Jacob - Desenvolvimento Econômico Brasileiro - 24ª edição - Vozes - 2005.
[2] Carrazza, Roque Gomes – ICMS – Malheiros – 11ª Edição – 2006