quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Desoneração Fiscal da Construção Civil


“O poder de tributar não pode chegar à desmedida do poder de destruir”. (John Marshall)


É surpreendente como o governo federal vem conduzindo suas pretensões de desonerar a construção civil. É fato incontroverso que o governo federal, ao fazer modificações de alíquotas na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados TIPI, não adota nenhum critério técnico ou jurídico.

Nota-se, até o momento que as empresas metalúrgicas produtoras de elementos da construção metálica, onde se incluem as telhas perfis e tubos de aço, produtos utilizados em obras de coberturas e fechamentos de construção civil, classificados nos capítulos 72 e 73 da Nomenclatura Comum do Mercosul do Sistema Harmonizado – NCM-SH, têm sido prejudicadas em função de outros produtos, principalmente a partir da publicação do Decreto Federal nº 4.441, de 25/10/2002.

Primeiro a Secretaria da Receita Federal, sustentava que as telhas metálicas onduladas e trapezoidais somente poderiam ser classificadas nas posições 7210 e 7216, tributadas pelo IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados à alíquota de 5,00% (cinco por cento), como de ver-se dos processos de consulta e julgamentos do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda:

7210.31.0000 - TIPI - Decreto nº 97.410/88 - Chapas de aço, de espessura inferior a 3 mm e largura superior a 600 mm, com ondulações em linha curva (perfil em linha curva), sem qualquer outro trabalho, com um limite mínimo de elasticidade de 257MPa, galvanizadas eletroliticamente, denominadas comercialmente "Telhas metálicas" (Parecer Cosit nº 207/95 - DOU de 02 de junho de 1995).

7210.39.0000 - TIPI - Decreto nº 97.410/88 - Chapas de aço, de espessura inferior a 3 mm e largura superior a 600 mm, com ondulações em linha curva (perfil em linha curva), sem qualquer outro trabalho, com um limite mínimo de elasticidade diferente de 257MPa, galvanizadas eletroliticamente, denominadas comercialmente "Telhas metálicas" (Parecer Cosit nº 207/1995 - DOU de 02 de junho de 1995).

7216.60.0100 - TIPI - Decreto nº 97.410/88 - Chapas de aço galvanizadas, com ondulações em linha quebrada (perfil em linha trapezoidal), sem qualquer outro trabalho (chapas perfiladas), de altura do perfil igual a 40 mm, denominadas comercialmente "Telhas metálicas" (Parecer Cosit nº 207/95 - DOU de 02 de junho de 1995).

Ementa: CLASSIFICAÇÃO FISCAL. IPI. As telhas e cumeeiras galvanizadas onduladas e telhas e cumeeiras trapezoidais são classificadas no código 7210.49.10 da TIPI, respectivamente. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO QUANTO À CLASSIFICAÇÃO FISCAL. A matéria relativa aos créditos básicos de IPI deve ser apreciada pelo Segundo Conselho, por tratar-se de matéria de sua competência, nos termos do artigo 8º, inciso I, do Regimento Interno dos Conselhos de Contribuintes. REMETA-SE AO SEGUNDO CONSELHO. (Conselho de Contribuintes - Primeira Câmara - Recurso 126118 - Processo nº 13603.001415/2001-42 - Relator: Carlos Henrique Klaser Filho - 13 de outubro de 2003).

As regras contidas na legislação, em vigor a saber, NCM-SH – Nomenclatura Comum do Mercosul do Sistema Harmonizado, antes NBM - Nomenclatura Brasileira de Mercadorias, são utilizadas como o único instrumento para se determinar a classificação fiscal de mercadorias nas operações de comércio exterior e válidas no mundo inteiro, no entanto, não raras às vezes, a Fazenda Pública sempre busca interpretação que lhe é favorável.

Vem reiteradamente a Fazenda Nacional ignorando o princípio da seletividade do imposto e, o princípio da tipicidade que contribuem para a realização da segurança jurídica do contribuinte. Segurança jurídica esta que se pulveriza quando a própria Fazenda Pública elege os critérios que reputa razoáveis para a quantificação do tributo .

Ementa: Classificação de produtos que possam ser enquadrados em duas ou mais posições. Impossibilidade de o Fisco buscar posição mais vantajosa para exigir alíquota mais alta (Ac 19.916, relator: Ana Scartezzini, 3ª Turma – TRF 3ª região, unânime – julgado em 23.05.1990 – RTRF 3/70. No mesmo sentido AC. 10.701, relator: Lúcia Figueiredo, 4ª Região do TRF da 3ª Região, unânime – julgado em 20.11.1991).

Ao destacar que a Fazenda Pública não pode, discricionariamente, buscar a situação mais onerosa, esta decisão alberga a correta idéia de que eventuais situações de dúvida ou, mesmo, de omissão da legislação, devem ser solucionadas em favor do contribuinte, inexistindo código expresso na Tabela de Incidência do IPI-TIPI, os produtos devem ser enquadrados segundo o princípio da especificidade de acordo com a respectiva utilidade.

Os contribuintes do imposto, fabricantes de telhas metálicas entendiam, corretamente que seus produtos são classificados na posição 7308.90.90 com alíquota zero do IPI, o que se mostrou correto na oportunidade de a própria Fazenda reconhecer em instância final.

CLASSIFICAÇÃO FISCAL DE MERCADORIAS - Telhas galvanizadas classificam-se no código TIPI 7308.90.90, conforme Solução de Consulta COANA nº 9/2003. Quanto ao produto denominado "steel deck", este classifica-se no código TIPI 7308.40.00 – Ex 01, conforme sua própria descrição como fôrma para o concreto durante a construção e como armadura positiva de lajes para as cargas de serviço. EXCLUÍDA A MULTA DE OFÍCIO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO POR MAIORIA.

Ocorre que os contribuintes ganharam, mas, não levaram, na medida em que até o Decreto 4.070, de 28 de dezembro de 2001, os produtos da posição 7308.90.90 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI era tributada com alíquota de zero por cento do IPI. Com as demandas em torno da classificação fiscal do produto, a Secretaria da Receita Federal providenciou duas alterações na Tabela de Incidência do imposto, majorou de zero para cinco por cento os produtos da posição 7308.90.90 e, reduziu de dez para cinco por cento os produtos da posição 7610.90.00, telhas de alumínio:

Construções e suas partes (por exemplo: pontes e elementos de pontes, torres, pórticos, pilares, colunas, armações, estruturas para telhados, portas e janelas e seus caixilhos, alizares e soleiras, balaustradas), de alumínio, exceto as construções pré-fabricadas da posição 9406; chapas, barras, perfis, tubos e semelhantes, de alumínio, próprios para construções. POSIÇÃO 7610.90.00

Construções e suas partes (por exemplo: pontes e elementos de pontes, torres, pórticos, pilares, colunas, armações, estruturas para telhados, portas e janelas e seus caixilhos, alizares e soleiras, balaustradas), de ferro fundido, ferro ou aço, exceto as construções pré-fabricadas da posição 9406; chapas, barras, perfis, tubos e semelhantes, de alumínio, próprios para construções. POSIÇÃO 730890.90
* Nota-se uma diferença entre os dois produtos, de dois pontos percentuais no II - Imposto de Importação que assim como o IPI, é um imposto regulatório

Resultado, o Decreto restou inconstitucional por ferir o princípio da seletividade do imposto, regra obrigatória em se tratando de IPI, por ser o mesmo um imposto regulatório. O entendimento anterior que reduzia a zero as alíquotas da posição 7308.90.90 contrariava interesse arrecadatório da Fazenda Pública.

O IPI - imposto sobre Produtos Industrializados, deve ser utilizado como instrumento de ordenação político-econômica, estimulando a prática de operações (com produtos industrializados) havidas por necessárias, úteis ou convenientes à sociedade e, onerando outros que não atendam tão de perto ao interesse coletivo. Exemplificando, é por isso que em algumas operações com produtos industrializados supérfluos as alíquotas aplicadas ao IPI são extremamente elevadas, e em outras, com produtos industrializados essenciais, não há incidência da exação, ou, quando pouco, as alíquotas baixam para patamares mínimos.

Não estamos aqui sustentando ser o alumínio um produto supérfluo, mas, é menos essencial em relação ao aço. A essencialidade está ligada à necessidade do homem (primária ou secundária), por exemplo, vista sob este critério o aço é mais essencial que o alumínio. Portanto, as alíquotas podem ser alteradas por ato do Poder Executivo, dentro dos limites e das condições fixadas por lei, respeitadas a essencialidade e seletividade.

No que se refere à alíquota do IPI, nos termos do art. 153, § 3º, item I da Constituição Federal de 1988, ela é obrigatoriamente seletiva em função da essencialidade do produto. Isto quer dizer que neste imposto a alíquota varia em função da análise pelo critério da essencialidade, ou seja, quanto mais nobre maior a alíquota, e quanto mais essencial menor a alíquota:

“TRIBUTÁRIO. IPI. SELETIVIDADE. ALÍQUOTA ZERO. POLÍTICA ECONÔMICA DE UNIFORMIZAÇÃO DE PREÇOS. I - De acordo com o parágrafo 3º, inciso I, do art. 153, da Constituição Federal, o IPI será seletivo, em função da essencialidade do produto. E esta determinação está contida no Decreto-lei n. 1.199, de 1971, art. 4º. Deste modo, em princípio, os produtos básicos, de maior consumo popular, não deve sofrer incidência nenhuma do IPI. Fundamentação relevante do pedido” (Tribunal Regional Federal - Primeira Região - Terceira Turma - Agravo de Instrumento 01000164253 - Processo 199701000164253 - 05/08/1997).

“TRIBUTÁRIO. IPI. CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO. ALÍQUOTA. A regra de interpretação adotada pela TIPI estabelece que a posição mais específica prevalece sobre a mais genérica e os produtos que possam ser enquadrados em mais de uma posição específica devam ser classificados pela sua característica essencial, além disso, em função do caráter extrafiscal do IPI, impõe-se que o imposto seja seletivo em função da essencialidade do produto, por isso, as embalagens plásticas produzidas pela autora, para envasar alimentos, têm classificação 3923.90.9901 e alíquota zero” (Tribunal Regional Federal - Segunda Turma - Apelação Civil - Processo: 9704393709/PR - 10/01/1998).

A majoração de alíquotas do IPI promovida sobre os produtos do Capítulo 73 e, redução sobre os produtos do Capítulo 76 da Tabela de Incidência do Imposto, originários do Decreto 4.441 de 25 de outubro de 2002 e, ratificado pelo Decreto 4.542, de 26 de dezembro de 2002 que é a atual Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI apresentam inconstitucionalidade por não respeitar a seletividade obrigatória do inciso I, do parágrafo 3º, do artigo 153 da Constituição Federal de 1988.

Como é cediço, o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI tem sua origem no antigo Imposto sobre consumo, que aparece pela primeira vez na Constituição Federal de 1934; com a emenda constitucional nº 18, de 01 de dezembro de 1965, publicada no DOU de 06 de dezembro de 1965, vem pela primeira vez com o nome de Imposto sobre Produtos Industrializados:

Art. 11 - Compete à União o impôsto sôbre produtos industrializados.

Parágrafo único - O impôsto é seletivo em função da essencialidade dos produtos, e não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores .

Desde então, conforme parágrafo único do artigo 11, da Emenda Constitucional nº 18, de 01 de dezembro de 1965 o imposto é, de regra geral: “... seletivo em função da essencialidade dos produtos”, e não-cumulativo abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores”.

O imposto, conforme disposto no § 1º, do artigo 153 da Constituição Federal de 1988, poderá ter suas alíquotas alteradas pelo Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei (grifei).

Isto posto, significa que o Poder Público poderá alterar as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados, mediante Decreto e, sem para isso contrariar os princípios da anterioridade e da legalidade, respeitado o princípio constitucional da seletividade em função da essencialidade dos produtos:

“A regra que erige tal princípio em atributo inerente à exação ora considerada (art. 153, § 1º, I, da Constituição), longe de outorgar mera opção ao legislador ordinário, comete-lhe um dever ao qual ele não pode furtar-se no desempenho de sua competência tributária” (Bottallo, Eduardo Domingos - Fundamentos do IPI - 2002 - RT - página 62).

As modificações de alíquotas dos capítulos 73 e 76 da TIPI, observadas as disposições constitucionais do § 1º, do artigo 153 da Constituição Federal de 1988: “... atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei”, contrariam o disposto do § 1º do artigo 38 Da Lei 9.784 de 1999. O Decreto Executivo, como é o caso, obrigatoriamente deve fundamentar as razões determinantes da majoração e redução de alíquotas, sendo este o entendimento da jurisprudência:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO ADMINISTRATIVA PROFERIDA SEM MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO QUE A JUSTIFICASSE. CONFIRMAÇÃO DA DECLARAÇÃO DE SUA NULIDADE. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Decisão da autoridade administrativa que, pela ausência de fundamentação e motivação, afronta o disposto no art. 38, § 1º, da Lei nº 9.784/99, imbuindo-a, portanto, de vicissitudes que a invalidam. 2. ... 3. Embargos declaratórios rejeitados (STJ – Superior Tribunal de Justiça – Embargos de Declaração no Recurso em Mandado de Segurança – Segunda Turma – Processo 2001.01.01563-0 – MG – 06.06.2002).

De fato, o Decreto regulamentar é por excelência um Ato Administrativo e como tal deve obedecer ao disposto do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, entre estes destacamos a legalidade e moralidade, que remetem necessariamente ao § 1º do artigo 38 da Lei 9.784, de 29 de dezembro de 1999.

A extrafiscalidade do Imposto sobre Produtos Industrializados é exercida através da seletividade. Em razão da essencialidade do produto sobre o qual incida. A seletividade significa que menores devem ser suas alíquotas para os produtos industrializados essenciais e maiores quanto mais for considerado supérfluo o produto, ou menos essencial.

No caso do IPI, incumbe ao Executivo, implicitamente como comando constitucional, e por meio de Decreto, classificar os produtos em essenciais, não essenciais, supérfluos, ou de consumo indesejável. A seletividade do IPI foi o meio encontrado pelo legislador constituinte para atender, o princípio da capacidade contributiva. Considerando-se que a alíquota do IPI incidente sobre um produto básico para a construção civil, como o aço, deve ser baixa, ou ainda inexistente.

Ao equiparar alíquotas de produtos idênticos, porém, fabricados a partir de insumos diferentes, como é o caso do aço e do alumínio, não é possível alcançar a seletividade em função da essencialidade do produto em razão da capacidade contributiva do consumidor que é o contribuinte de fato, por ser este um imposto de repercussão.

A Fazenda Pública voltou a reduzir a zero as alíquotas dos produtos da subposições 7308.30.00 e 40.00 através do Decreto nº 5.697, de 07 de fevereiro de 2006, mas, fez o mesmo com os produtos de alumínio, através do Decreto nº 5.804, de 09 de junho de 2006, ferindo o Princípio da Capacidade Contributiva do IPI que é alcançado observando-se a seletividade do produto. Por ser o IPI um tributo indireto, a capacidade econômica não é apurada no fabricante do produto, o chamado contribuinte de direito, mas no consumidor final do bem, o contribuinte de fato, que sofre efetivamente a carga fiscal do imposto pelos efeitos da repercussão, como na lição de Aliomar Baleeiro:

“A capacidade econômica subjetiva corresponde a um conceito de renda ou patrimônio líquido pessoal, livremente disponível para o consumo e, assim, também para o pagamento de tributo. Dessa forma, se realizam os princípios constitucionalmente exigidos da PESSOALIDADE do imposto, proibição do confisco e igualdade, conforme dispõe os arts. 145, § 1º, 150, II e IV, da Constituição” (Baleeiro, Aliomar em Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar – Forense – 1997).

O artigo 145, § 1º, fala em pessoalidade sempre que possível. A cláusula sempre que possível não é permissiva, nem confere poder discricionário ao legislador. Ao contrário, o advérbio sempre acentua o grau da imperatividade e abrangência do dispositivo, deixando claro que, apenas sendo impossível, deixará o legislador de considerar a pessoalidade para graduar os impostos de acordo com a capacidade econômica subjetiva do contribuinte, como destacamos abaixo:

“A doutrina costuma apontar a hipótese dos impostos que são suportados pelo consumidor final, como exemplo de tributação não-pessoal. É que, nos impostos incidentes sobre a importação, a produção ou a circulação, o sujeito passivo, que recolhe o tributo aos cofres públicos (o industrial ou o comerciante), transfere a um terceiro, o consumidor final, os encargos tributários incidentes. Tornar-se-ia muito difícil, senão impossível, graduar o imposto sobre produtos industrializados ou sobre operação de circulação de mercadorias de acordo com a capacidade econômica da pessoa que adquire o produto ou a mercadoria para o consumo. Por isso a Constituição Federal, seguindo a melhor doutrina, fala em pessoalidade sempre que possível e estabelece em substituição, o princípio da seletividade para o Imposto sobre Produtos Industrializados e para o Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e Serviços nos arts. 153, § 3º, I, e 155, § 2º, III” (Baleeiro, Aliomar em Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar – Forense – 1997).

No Brasil, em matéria de classificação e tributação, ainda estamos na idade média!

O Crédito Acumulado do ICMS


O ICMS - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviço, previsto no artigo 155 da Constituição Federal de 1988 por determinação constitucional é não-cumulativo, não podendo esta não-cumulatividade ser modificada em prejuízo ao contribuinte:

Art. 155...

§ 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I - Será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado ou pelo Distrito Federal;

A Constituição Federal, ao dispor sobre o tema “compensação”, estipulou que a quantia a ser desembolsada pelo contribuinte a título de ICMS, seja o resultado de uma complementação do valor devido na saída posterior, do montante do crédito recebido, de tal sorte que não haja acúmulos de créditos que possam prejudicar a não-cumulatividade.

Por força do princípio constitucional da não-cumulatividade, o montante do imposto a ser recolhido pelo contribuinte é representado parte em moeda e outra parte em créditos relativos às operações anteriores, sendo que não há lei que impeça que o pagamento seja feito totalmente em créditos acumulados, em operações internas. O acumulo de créditos se dá, principalmente por diferenciais de alíquotas, ou operações com diferimento.

A Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996 consagrou essa possibilidade no seu artigo 24, determinando que os Estados e o Distrito Federal fixem o prazo para que os créditos que superem os débitos sejam liquidados.

A Lei Complementar, portanto, para a liquidação dos créditos, prevê a transferência dos créditos acumulados do Imposto sobre circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, em duas ocasiões, conforme artigo 25 desta lei e consagrado pela jurisprudência dos tribunais:

Art. 25 - Para efeito de aplicação do art. 24, os débitos e créditos devem ser apurados em cada estabelecimento do sujeito passivo. Para este mesmo efeito, a lei estadual poderá determinar que se leve em conta o conjunto dos débitos e créditos de todos os estabelecimentos do sujeito passivo no Estado.

§ 1º - Saldos credores acumulados a partir da data de publicação desta Lei Complementar por estabelecimentos que realizem operações e prestações de que tratam o inciso II do artigo 3º e seu parágrafo único podem ser, na proporção que estas saídas representem do total de saídas realizadas pelo estabelecimento:

I - imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado;

II - havendo saldo remanescente, transferidos pelo sujeito passivo a outros contribuintes do mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito.

§ 2º - Lei estadual poderá, nos demais casos de saldos credores acumulados a partir da vigência desta Lei Complementar, permitir que:

I - sejam imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado;

II - sejam transferidos, nas condições que definir, a outros contribuintes do mesmo Estado.

Determinou, portanto, o legislador que, no caso do parágrafo primeiro, do artigo 25 da Lei Complementar 87/96, a transferência de créditos relativos às entradas de produtos primários e semi-elaborados cujo produto de saída destine ao exterior mercadoria (artigo 3º - inciso II da Lei 87/96), inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços. Esta transferência, prevista em Lei Complementar independe de regulação por parte dos Estados e do Distrito Federal:

TRIBUTÁRIO. ICMS. CRÉDITOS ACUMULADOS DE ICMS SOBRE MATÉRIA-PRIMA DESTINADA A EXPORTAÇÃO. TRANSFERÊNCIA A TERCEIROS. AUTO-APLICABILIDADE DO ART. 25, § 1º, II, LC 87/96. I - "A LC 87/96 estabeleceu no art. 25 duas hipóteses de transferência de crédito acumulado do ICMS. No § 1º, os créditos oriundos de operações de exploração de matéria-prima ou produtos industrializados, como previsto no art. 3º inciso II. No § 2º, delegou ao legislador estadual a escolha das hipóteses, quando pretendesse o contribuinte transferir o seu crédito a terceiro." (RMS nº 13.544, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 02/06/2003, p. 229). II - Tratando-se a hipótese dos autos da espécie do art. 3º, II, da LC nº 87/96, vez que se trata de exportação de madeira, é de se dar provimento ao recurso ordinário (Superior Tribunal de Justiça - STJ - Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 13969 - Processo 200101383735 - 24/11/2004 - Relator: Francisco Falcão).

Por outro lado, como determina a própria jurisprudência citada, em relação ao parágrafo segundo do artigo 25 da conhecida Lei Kandir, o parágrafo se refere aos créditos que não tenham se acumulado em decorrência de operações de exportação não tributadas, mas, de operações internas com alíquotas diferenciadas onde, no conta-corrente do contribuinte reste sempre um saldo credor de difícil transferência e que, entende a jurisprudência dos tribunais, não ser passível de correção monetária:

EMENTA: - ICMS. Pretensão de correção monetária de créditos acumulados. Improcedência dessa pretensão. Precedentes do STF. Recurso extraordinário conhecido e provido (Supremo Tribunal Federal - STF - Recurso Extraordinário - Processo nº: 291487/MG - Relator: Moreira Alves - 26/10/2001).

Há doutrina contrária, em especial do professor Roque Gomes Carrazza segundo entendimento o crédito é uma moeda onde o contribuinte que o recebeu apenas faz a complementação em dinheiro referente às suas posteriores saídas. O Estado em caso de inadimplência do contribuinte exige o tributo com correção e multa, teria o contribuinte o mesmo direito com exceção da multa:

“Do contrário, na prática, estes créditos (especialmente os surgidos antes de 1994) restarão inócuos, acarretando um enriquecimento sem causa do Poder Público e, o que é pior, um agravamento, ao arrepio da Constituição e das Leis, da carga tributária a ser suportada pelo contribuinte” (Carrazza, Roque Gomes - ICMS - 2004 - Malheiros editores - página 303).

Ocorre que os contribuintes que têm majoritariamente entradas com alíquotas internas de 18% (dezoito por cento) e, por conseguinte saídas interestaduais com alíquotas de 7% (sete por cento) e 12% (doze por cento) acabam por acumular em suas contas um crédito indesejado e que acabam se transformando em custos pela dificuldade de transferência. O contribuinte, por força do princípio da não-cumulatividade, tem o direito constitucional subjetivo de utilizar como moeda esse crédito incidente nas operações anteriores.

A não-correção monetária desses créditos de ICMS acarreta um aumento do tributo além de representar um enriquecimento ilícito dos Estados. Os Estados, com base no artigo 25, inciso II da Lei complementar 87, de 13 de setembro de 1996, vêm que permitindo em seus regulamentos as transferências de créditos do ICMS que não tenham se acumulado em decorrência de operações de exportação não tributadas.

No Estado de São Paulo, conforme letras “a” e “b” do inciso III, do artigo 73 do Regulamento do ICMS atualizado até o Decreto 50.928, de 30 de junho de 2006, o crédito acumulado do ICMS pode ser transferido para estabelecimento fornecedor, a título de pagamento de aquisições feitas por estabelecimento industrial, nas operações de compra de matéria-prima, material secundário ou de embalagem, para uso pelo adquirente na fabricação de seus produtos e, aquisição de máquinas e equipamentos industriais para integração no ativo imobilizado.

O governo paulista, através do Decreto nº 51.134, publicado em 27 de setembro de 2006, possibilitou também ao contribuinte detentor de saldo credor acumulado do imposto utilizá-lo, mediante projeto previamente aprovado pela Secretaria da Fazenda (SEFAZ), para investimentos em atividades mercantis. Os pedidos deverão ser apresentados até 31 de dezembro de 2007.

No Estado do Rio de Janeiro, conforme artigos 13 e 14 do Regulamento do imposto aprovado pelo Decreto 27.427, de 17 de novembro de 2000, admite-se a transferência de créditos do ICMS acumulados em decorrência de operações com alíquotas diferenciadas para estabelecimento fornecedor, como pagamento por aquisição de matéria-prima, material secundário ou de embalagem para uso pelo adquirente na fabricação de seus produtos.

O Estado do Espírito Santo, através do Decreto 1090-R, de 25 de outubro de 2002, permite, conforme a Seção X, Subseção I, do Capítulo IX, artigos 111 e 112 que os créditos acumulados possam ser utilizados para compensação de débitos fiscais e, a requerimento do contribuinte, seja permitida a transferência, para estabelecimento situado neste Estado, de crédito do imposto, acumulado em razão de aplicação de alíquotas diversificadas nas operações de entrada e de saída de mercadorias e operações efetuadas com redução de base de cálculo.

O Estado do Paraná, através do Decreto 1102, de 23 de abril de 2003 considerando a necessidade de regulamentar as transferências de créditos acumulados do ICMS em sintonia com o previsto na Lei Complementar 87/96, passou também, conforme artigo 1º do citado Decreto, a acrescentar o texto que autoriza as transferências de créditos acumulados do ICMS em conta gráfica de créditos não compensados em operações de exportação, no artigo 40 do regulamento do imposto no Estado, aprovado pelo Decreto nº 5.141, de 12 de dezembro de 2001, desde que previamente autorizados pelo Estado.

No mesmo sentido é observado nos outros Estados da região sul e na maioria dos estados da federação. Minas Gerais é o único Estado do sudeste onde o regulamento do imposto desestimula o desenvolvimento da indústria local por não permitir, nos termos do parágrafo segundo do artigo 25 da Lei Kandir, as transferências internas de saldos credores do ICMS em razão de aplicação de alíquotas diferenciadas do imposto nas operações de entrada e saída de mercadorias.

Em 2005, contribuinte distribuidor de aços, com filial no Estado de Minas Gerais, apresentou a consulta de nº 113/2005 com base no Anexo VIII do RICMS do Estado, com objetivo de saber se poderia utilizar crédito do ICMS recebido em transferência para abatimento em seu débito verificado em escrita fiscal.

Obteve solução negativa, na medida em que créditos acumulados recebidos em transferência, conforme incisos I a IV do parágrafo 1º do artigo 14 do Anexo VIII do RICMS aprovado pelo Decreto nº 43.080, de 13 de dezembro de 2002 somente permite a utilização do crédito para:

I - transferência para estabelecimento industrial situado neste Estado, a título de pagamento pela aquisição de bem para ativo permanente;

II - pagamento de ICMS devido pela entrada de mercadoria importada do exterior, desde que, cumulativamente:

a) a mercadoria seja destinada ao ativo permanente para ser empregada, pelo próprio importador, em processo de industrialização ou de extração mineral; e

b) o desembaraço aduaneiro ocorra em território deste Estado;

III - pagamento de ICMS devido pela entrada, no estabelecimento, em decorrência de operação interestadual, de mercadoria destinada ao ativo permanente;

IV - transferência para estabelecimento de contribuinte situado neste Estado, a título de pagamento pela aquisição de material de construção para ser empregado em edificações no novo estabelecimento ou no estabelecimento em fase de expansão.

Essas transferências, quando permitidas, somente podem ser realizadas mediante regime especial concedido pelo Subsecretário da Receita Estadual ao destinatário do crédito e assim resumidas aos incisos acima especificados. O RICMS mineiro prevê em seu artigo 184 a possibilidade de instituição de Regime Especial de Tributação, em caráter individual e de interesse do contribuinte:

Art. 184 - A Secretaria de Estado da Fazenda poderá conceder, em caráter individual, Regime Especial de Interesse do Contribuinte, requerido na forma prescrita pela legislação tributária administrativa, consideradas as peculiaridades e as circunstâncias das operações ou das prestações que justifiquem a sua adoção.

No entanto, somente há conhecimento de uma única situação específica de concessão, porém, no caso de o produto final ser destinado à exportação. O fato ocorreu em 1992, através da Resolução nº 2.266, de 27 de julho de 1992 que permitiu o diferimento do imposto incidente nas saídas internas de chapas de aço e de auto-peças, promovidas pelos estabelecimentos fabricantes, com destino a FIAT AUTOMÓVEIS S.A.

Pior situação, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ consagrou entendimento segundo o qual os casos de transferência de créditos de ICMS de exportação a terceiros, submetidos à observância do §1º do artigo 25 da LC n. 87/96, não supõem a regulamentação de índole estadual.

Trata-se de direito subjetivo do exportador o direito de dispor de seu saldo credor para transferência a outros contribuintes no mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade administrativa de documento que reconheça o crédito, não se trata de permissão, mas, de controle do Estado e, obrigação de fazer.

No entanto, o Estado de Minas Gerais, através do Decreto nº 44.189/05 introduziu alterações nos procedimentos para transferência de crédito acumulado de ICMS resultantes de operações que destinem mercadorias ao exterior, disciplinando a apuração de crédito acumulado de ICMS para fins de transferência, divulgado através de Resolução até o dia 05 (cinco) de cada mês. Trata-se de legislação infraconstitucional que fere o princípio da não-cumulatividade.

O princípio da não-cumulatividade dá ao contribuinte do ICMS o direito subjetivo de ver observado, seu direito de dispor de créditos acumulados do ICMS, quer sejam resultantes de operações que destinem mercadorias e serviços ao exterior, quer sejam resultantes de operações com aplicação de alíquotas diferenciadas do imposto nas operações de entrada e saída de mercadorias, evidentemente observados a legislação estadual:

ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITOS DE ICMS A TERCEIROS. OPERAÇÕES COM ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS. ART. 13, INC. IV, DO DECRETO n. 27427/2000. APLICAÇÃO DO §2º DO ART. 25 DA LC N. 87/96. LEGALIDADE DA REGULAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA POR LEI ESTADUAL, PORTANTO. I - Não é aplicável, na espécie, a jurisprudência desta colenda Corte segundo a qual os casos de transferência de créditos de ICMS a terceiros, submetidos à observância do §1º do artigo 25 da LC n. 87/96, não supõem a regulamentação de índole estadual. É que não se enquadram os créditos de ICMS, reclamados pela recorrente, nas hipóteses do art. 3º, inc. II, da Lei Kandir, nem mesmo nas do parágrafo único. II - Cuida-se, diversamente, de transferência de créditos de ICMS a terceiros, decorrentes de operações com alíquotas diferenciadas. Assim sendo, a merecer observância o §2º do artigo 25 da LC n. 87/96 que estabelece poder a lei estadual, nos demais casos de saldos credores acumulados a partir da vigência da própria Lei Complementar, permitir que: a um, "sejam imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado"; a dois, sejam transferidos, nas condições que definir, a outros contribuintes do mesmo Estado". Assim é que plenamente aplicável a legislação local, in casu, relativamente à transferência requerida a qual não tem assento na própria norma complementar, mas no art. 13, inc. IV, do Regulamento do ICMS do Estado do Rio de Janeiro (Decreto n. 27427/2000).

III - Com efeito, exigindo a norma estadual não esteja a empresa em débito com o Fisco estadual, para fins da autorização da transferência solicitada, deveria ter a recorrente feito prova de que regularizou o seu estado de inadimplência, sem o que carecedora de direito certo e líquido. IV - Recurso ordinário improvido (Superior Tribunal de Justiça - STJ - Recurso Ordinário em Mandado de Segurança - ROMS 19583 - Processo: 200500176966/RJ - Relator: Francisco Falcão).

No caso, do parágrafo primeiro do artigo 25 da Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, a transferência de créditos acumulados é direito subjetivo do contribuinte, não estando sujeito a regulamentação estadual, no caso do parágrafo segundo, não se trata de “favor”, mas, de mera permissão que resulte na amplitude do princípio constitucional da não-cumulatividade, na medida em que o Estado não pode postergar “ad eternum” o direito de o contribuinte usufruir de seu crédito.

Uma vez escriturados esses créditos em livro próprio sem oposição do fisco, não estão sujeitos à decadência, na medida em que créditos escriturais podem ter aproveitamento feito a destempo. O creditamento do ICMS tem natureza contábil, no entanto, créditos a serem compensados extemporaneamente é devida a correção monetária em obediência aos princípios jurídicos de um lado empobrecimento do contribuinte, de outro, enriquecimento sem causa do Estado.

A correção monetária de créditos de ICMS a serem aproveitados ou compensados extemporaneamente, é possível e necessária para não produzir uma ofensa aos princípios jurídicos de evitar o enriquecimento e o empobrecimento sem causas, bem como para não configurar uma ofensa ao princípio constitucional da não cumulatividade do imposto, podendo o contribuinte, com base na Constituição Federal, fazer valer seu direito.