quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Desoneração Fiscal da Construção Civil


“O poder de tributar não pode chegar à desmedida do poder de destruir”. (John Marshall)


É surpreendente como o governo federal vem conduzindo suas pretensões de desonerar a construção civil. É fato incontroverso que o governo federal, ao fazer modificações de alíquotas na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados TIPI, não adota nenhum critério técnico ou jurídico.

Nota-se, até o momento que as empresas metalúrgicas produtoras de elementos da construção metálica, onde se incluem as telhas perfis e tubos de aço, produtos utilizados em obras de coberturas e fechamentos de construção civil, classificados nos capítulos 72 e 73 da Nomenclatura Comum do Mercosul do Sistema Harmonizado – NCM-SH, têm sido prejudicadas em função de outros produtos, principalmente a partir da publicação do Decreto Federal nº 4.441, de 25/10/2002.

Primeiro a Secretaria da Receita Federal, sustentava que as telhas metálicas onduladas e trapezoidais somente poderiam ser classificadas nas posições 7210 e 7216, tributadas pelo IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados à alíquota de 5,00% (cinco por cento), como de ver-se dos processos de consulta e julgamentos do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda:

7210.31.0000 - TIPI - Decreto nº 97.410/88 - Chapas de aço, de espessura inferior a 3 mm e largura superior a 600 mm, com ondulações em linha curva (perfil em linha curva), sem qualquer outro trabalho, com um limite mínimo de elasticidade de 257MPa, galvanizadas eletroliticamente, denominadas comercialmente "Telhas metálicas" (Parecer Cosit nº 207/95 - DOU de 02 de junho de 1995).

7210.39.0000 - TIPI - Decreto nº 97.410/88 - Chapas de aço, de espessura inferior a 3 mm e largura superior a 600 mm, com ondulações em linha curva (perfil em linha curva), sem qualquer outro trabalho, com um limite mínimo de elasticidade diferente de 257MPa, galvanizadas eletroliticamente, denominadas comercialmente "Telhas metálicas" (Parecer Cosit nº 207/1995 - DOU de 02 de junho de 1995).

7216.60.0100 - TIPI - Decreto nº 97.410/88 - Chapas de aço galvanizadas, com ondulações em linha quebrada (perfil em linha trapezoidal), sem qualquer outro trabalho (chapas perfiladas), de altura do perfil igual a 40 mm, denominadas comercialmente "Telhas metálicas" (Parecer Cosit nº 207/95 - DOU de 02 de junho de 1995).

Ementa: CLASSIFICAÇÃO FISCAL. IPI. As telhas e cumeeiras galvanizadas onduladas e telhas e cumeeiras trapezoidais são classificadas no código 7210.49.10 da TIPI, respectivamente. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO QUANTO À CLASSIFICAÇÃO FISCAL. A matéria relativa aos créditos básicos de IPI deve ser apreciada pelo Segundo Conselho, por tratar-se de matéria de sua competência, nos termos do artigo 8º, inciso I, do Regimento Interno dos Conselhos de Contribuintes. REMETA-SE AO SEGUNDO CONSELHO. (Conselho de Contribuintes - Primeira Câmara - Recurso 126118 - Processo nº 13603.001415/2001-42 - Relator: Carlos Henrique Klaser Filho - 13 de outubro de 2003).

As regras contidas na legislação, em vigor a saber, NCM-SH – Nomenclatura Comum do Mercosul do Sistema Harmonizado, antes NBM - Nomenclatura Brasileira de Mercadorias, são utilizadas como o único instrumento para se determinar a classificação fiscal de mercadorias nas operações de comércio exterior e válidas no mundo inteiro, no entanto, não raras às vezes, a Fazenda Pública sempre busca interpretação que lhe é favorável.

Vem reiteradamente a Fazenda Nacional ignorando o princípio da seletividade do imposto e, o princípio da tipicidade que contribuem para a realização da segurança jurídica do contribuinte. Segurança jurídica esta que se pulveriza quando a própria Fazenda Pública elege os critérios que reputa razoáveis para a quantificação do tributo .

Ementa: Classificação de produtos que possam ser enquadrados em duas ou mais posições. Impossibilidade de o Fisco buscar posição mais vantajosa para exigir alíquota mais alta (Ac 19.916, relator: Ana Scartezzini, 3ª Turma – TRF 3ª região, unânime – julgado em 23.05.1990 – RTRF 3/70. No mesmo sentido AC. 10.701, relator: Lúcia Figueiredo, 4ª Região do TRF da 3ª Região, unânime – julgado em 20.11.1991).

Ao destacar que a Fazenda Pública não pode, discricionariamente, buscar a situação mais onerosa, esta decisão alberga a correta idéia de que eventuais situações de dúvida ou, mesmo, de omissão da legislação, devem ser solucionadas em favor do contribuinte, inexistindo código expresso na Tabela de Incidência do IPI-TIPI, os produtos devem ser enquadrados segundo o princípio da especificidade de acordo com a respectiva utilidade.

Os contribuintes do imposto, fabricantes de telhas metálicas entendiam, corretamente que seus produtos são classificados na posição 7308.90.90 com alíquota zero do IPI, o que se mostrou correto na oportunidade de a própria Fazenda reconhecer em instância final.

CLASSIFICAÇÃO FISCAL DE MERCADORIAS - Telhas galvanizadas classificam-se no código TIPI 7308.90.90, conforme Solução de Consulta COANA nº 9/2003. Quanto ao produto denominado "steel deck", este classifica-se no código TIPI 7308.40.00 – Ex 01, conforme sua própria descrição como fôrma para o concreto durante a construção e como armadura positiva de lajes para as cargas de serviço. EXCLUÍDA A MULTA DE OFÍCIO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO POR MAIORIA.

Ocorre que os contribuintes ganharam, mas, não levaram, na medida em que até o Decreto 4.070, de 28 de dezembro de 2001, os produtos da posição 7308.90.90 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI era tributada com alíquota de zero por cento do IPI. Com as demandas em torno da classificação fiscal do produto, a Secretaria da Receita Federal providenciou duas alterações na Tabela de Incidência do imposto, majorou de zero para cinco por cento os produtos da posição 7308.90.90 e, reduziu de dez para cinco por cento os produtos da posição 7610.90.00, telhas de alumínio:

Construções e suas partes (por exemplo: pontes e elementos de pontes, torres, pórticos, pilares, colunas, armações, estruturas para telhados, portas e janelas e seus caixilhos, alizares e soleiras, balaustradas), de alumínio, exceto as construções pré-fabricadas da posição 9406; chapas, barras, perfis, tubos e semelhantes, de alumínio, próprios para construções. POSIÇÃO 7610.90.00

Construções e suas partes (por exemplo: pontes e elementos de pontes, torres, pórticos, pilares, colunas, armações, estruturas para telhados, portas e janelas e seus caixilhos, alizares e soleiras, balaustradas), de ferro fundido, ferro ou aço, exceto as construções pré-fabricadas da posição 9406; chapas, barras, perfis, tubos e semelhantes, de alumínio, próprios para construções. POSIÇÃO 730890.90
* Nota-se uma diferença entre os dois produtos, de dois pontos percentuais no II - Imposto de Importação que assim como o IPI, é um imposto regulatório

Resultado, o Decreto restou inconstitucional por ferir o princípio da seletividade do imposto, regra obrigatória em se tratando de IPI, por ser o mesmo um imposto regulatório. O entendimento anterior que reduzia a zero as alíquotas da posição 7308.90.90 contrariava interesse arrecadatório da Fazenda Pública.

O IPI - imposto sobre Produtos Industrializados, deve ser utilizado como instrumento de ordenação político-econômica, estimulando a prática de operações (com produtos industrializados) havidas por necessárias, úteis ou convenientes à sociedade e, onerando outros que não atendam tão de perto ao interesse coletivo. Exemplificando, é por isso que em algumas operações com produtos industrializados supérfluos as alíquotas aplicadas ao IPI são extremamente elevadas, e em outras, com produtos industrializados essenciais, não há incidência da exação, ou, quando pouco, as alíquotas baixam para patamares mínimos.

Não estamos aqui sustentando ser o alumínio um produto supérfluo, mas, é menos essencial em relação ao aço. A essencialidade está ligada à necessidade do homem (primária ou secundária), por exemplo, vista sob este critério o aço é mais essencial que o alumínio. Portanto, as alíquotas podem ser alteradas por ato do Poder Executivo, dentro dos limites e das condições fixadas por lei, respeitadas a essencialidade e seletividade.

No que se refere à alíquota do IPI, nos termos do art. 153, § 3º, item I da Constituição Federal de 1988, ela é obrigatoriamente seletiva em função da essencialidade do produto. Isto quer dizer que neste imposto a alíquota varia em função da análise pelo critério da essencialidade, ou seja, quanto mais nobre maior a alíquota, e quanto mais essencial menor a alíquota:

“TRIBUTÁRIO. IPI. SELETIVIDADE. ALÍQUOTA ZERO. POLÍTICA ECONÔMICA DE UNIFORMIZAÇÃO DE PREÇOS. I - De acordo com o parágrafo 3º, inciso I, do art. 153, da Constituição Federal, o IPI será seletivo, em função da essencialidade do produto. E esta determinação está contida no Decreto-lei n. 1.199, de 1971, art. 4º. Deste modo, em princípio, os produtos básicos, de maior consumo popular, não deve sofrer incidência nenhuma do IPI. Fundamentação relevante do pedido” (Tribunal Regional Federal - Primeira Região - Terceira Turma - Agravo de Instrumento 01000164253 - Processo 199701000164253 - 05/08/1997).

“TRIBUTÁRIO. IPI. CLASSIFICAÇÃO DO PRODUTO. ALÍQUOTA. A regra de interpretação adotada pela TIPI estabelece que a posição mais específica prevalece sobre a mais genérica e os produtos que possam ser enquadrados em mais de uma posição específica devam ser classificados pela sua característica essencial, além disso, em função do caráter extrafiscal do IPI, impõe-se que o imposto seja seletivo em função da essencialidade do produto, por isso, as embalagens plásticas produzidas pela autora, para envasar alimentos, têm classificação 3923.90.9901 e alíquota zero” (Tribunal Regional Federal - Segunda Turma - Apelação Civil - Processo: 9704393709/PR - 10/01/1998).

A majoração de alíquotas do IPI promovida sobre os produtos do Capítulo 73 e, redução sobre os produtos do Capítulo 76 da Tabela de Incidência do Imposto, originários do Decreto 4.441 de 25 de outubro de 2002 e, ratificado pelo Decreto 4.542, de 26 de dezembro de 2002 que é a atual Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI apresentam inconstitucionalidade por não respeitar a seletividade obrigatória do inciso I, do parágrafo 3º, do artigo 153 da Constituição Federal de 1988.

Como é cediço, o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI tem sua origem no antigo Imposto sobre consumo, que aparece pela primeira vez na Constituição Federal de 1934; com a emenda constitucional nº 18, de 01 de dezembro de 1965, publicada no DOU de 06 de dezembro de 1965, vem pela primeira vez com o nome de Imposto sobre Produtos Industrializados:

Art. 11 - Compete à União o impôsto sôbre produtos industrializados.

Parágrafo único - O impôsto é seletivo em função da essencialidade dos produtos, e não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores .

Desde então, conforme parágrafo único do artigo 11, da Emenda Constitucional nº 18, de 01 de dezembro de 1965 o imposto é, de regra geral: “... seletivo em função da essencialidade dos produtos”, e não-cumulativo abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores”.

O imposto, conforme disposto no § 1º, do artigo 153 da Constituição Federal de 1988, poderá ter suas alíquotas alteradas pelo Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei (grifei).

Isto posto, significa que o Poder Público poderá alterar as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados, mediante Decreto e, sem para isso contrariar os princípios da anterioridade e da legalidade, respeitado o princípio constitucional da seletividade em função da essencialidade dos produtos:

“A regra que erige tal princípio em atributo inerente à exação ora considerada (art. 153, § 1º, I, da Constituição), longe de outorgar mera opção ao legislador ordinário, comete-lhe um dever ao qual ele não pode furtar-se no desempenho de sua competência tributária” (Bottallo, Eduardo Domingos - Fundamentos do IPI - 2002 - RT - página 62).

As modificações de alíquotas dos capítulos 73 e 76 da TIPI, observadas as disposições constitucionais do § 1º, do artigo 153 da Constituição Federal de 1988: “... atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei”, contrariam o disposto do § 1º do artigo 38 Da Lei 9.784 de 1999. O Decreto Executivo, como é o caso, obrigatoriamente deve fundamentar as razões determinantes da majoração e redução de alíquotas, sendo este o entendimento da jurisprudência:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO ADMINISTRATIVA PROFERIDA SEM MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO QUE A JUSTIFICASSE. CONFIRMAÇÃO DA DECLARAÇÃO DE SUA NULIDADE. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Decisão da autoridade administrativa que, pela ausência de fundamentação e motivação, afronta o disposto no art. 38, § 1º, da Lei nº 9.784/99, imbuindo-a, portanto, de vicissitudes que a invalidam. 2. ... 3. Embargos declaratórios rejeitados (STJ – Superior Tribunal de Justiça – Embargos de Declaração no Recurso em Mandado de Segurança – Segunda Turma – Processo 2001.01.01563-0 – MG – 06.06.2002).

De fato, o Decreto regulamentar é por excelência um Ato Administrativo e como tal deve obedecer ao disposto do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, entre estes destacamos a legalidade e moralidade, que remetem necessariamente ao § 1º do artigo 38 da Lei 9.784, de 29 de dezembro de 1999.

A extrafiscalidade do Imposto sobre Produtos Industrializados é exercida através da seletividade. Em razão da essencialidade do produto sobre o qual incida. A seletividade significa que menores devem ser suas alíquotas para os produtos industrializados essenciais e maiores quanto mais for considerado supérfluo o produto, ou menos essencial.

No caso do IPI, incumbe ao Executivo, implicitamente como comando constitucional, e por meio de Decreto, classificar os produtos em essenciais, não essenciais, supérfluos, ou de consumo indesejável. A seletividade do IPI foi o meio encontrado pelo legislador constituinte para atender, o princípio da capacidade contributiva. Considerando-se que a alíquota do IPI incidente sobre um produto básico para a construção civil, como o aço, deve ser baixa, ou ainda inexistente.

Ao equiparar alíquotas de produtos idênticos, porém, fabricados a partir de insumos diferentes, como é o caso do aço e do alumínio, não é possível alcançar a seletividade em função da essencialidade do produto em razão da capacidade contributiva do consumidor que é o contribuinte de fato, por ser este um imposto de repercussão.

A Fazenda Pública voltou a reduzir a zero as alíquotas dos produtos da subposições 7308.30.00 e 40.00 através do Decreto nº 5.697, de 07 de fevereiro de 2006, mas, fez o mesmo com os produtos de alumínio, através do Decreto nº 5.804, de 09 de junho de 2006, ferindo o Princípio da Capacidade Contributiva do IPI que é alcançado observando-se a seletividade do produto. Por ser o IPI um tributo indireto, a capacidade econômica não é apurada no fabricante do produto, o chamado contribuinte de direito, mas no consumidor final do bem, o contribuinte de fato, que sofre efetivamente a carga fiscal do imposto pelos efeitos da repercussão, como na lição de Aliomar Baleeiro:

“A capacidade econômica subjetiva corresponde a um conceito de renda ou patrimônio líquido pessoal, livremente disponível para o consumo e, assim, também para o pagamento de tributo. Dessa forma, se realizam os princípios constitucionalmente exigidos da PESSOALIDADE do imposto, proibição do confisco e igualdade, conforme dispõe os arts. 145, § 1º, 150, II e IV, da Constituição” (Baleeiro, Aliomar em Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar – Forense – 1997).

O artigo 145, § 1º, fala em pessoalidade sempre que possível. A cláusula sempre que possível não é permissiva, nem confere poder discricionário ao legislador. Ao contrário, o advérbio sempre acentua o grau da imperatividade e abrangência do dispositivo, deixando claro que, apenas sendo impossível, deixará o legislador de considerar a pessoalidade para graduar os impostos de acordo com a capacidade econômica subjetiva do contribuinte, como destacamos abaixo:

“A doutrina costuma apontar a hipótese dos impostos que são suportados pelo consumidor final, como exemplo de tributação não-pessoal. É que, nos impostos incidentes sobre a importação, a produção ou a circulação, o sujeito passivo, que recolhe o tributo aos cofres públicos (o industrial ou o comerciante), transfere a um terceiro, o consumidor final, os encargos tributários incidentes. Tornar-se-ia muito difícil, senão impossível, graduar o imposto sobre produtos industrializados ou sobre operação de circulação de mercadorias de acordo com a capacidade econômica da pessoa que adquire o produto ou a mercadoria para o consumo. Por isso a Constituição Federal, seguindo a melhor doutrina, fala em pessoalidade sempre que possível e estabelece em substituição, o princípio da seletividade para o Imposto sobre Produtos Industrializados e para o Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e Serviços nos arts. 153, § 3º, I, e 155, § 2º, III” (Baleeiro, Aliomar em Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar – Forense – 1997).

No Brasil, em matéria de classificação e tributação, ainda estamos na idade média!

Nenhum comentário: