O ICMS - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviço, previsto no artigo 155 da Constituição Federal de 1988 por determinação constitucional é não-cumulativo, não podendo esta não-cumulatividade ser modificada em prejuízo ao contribuinte:
Art. 155...
§ 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I - Será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado ou pelo Distrito Federal;
A Constituição Federal, ao dispor sobre o tema “compensação”, estipulou que a quantia a ser desembolsada pelo contribuinte a título de ICMS, seja o resultado de uma complementação do valor devido na saída posterior, do montante do crédito recebido, de tal sorte que não haja acúmulos de créditos que possam prejudicar a não-cumulatividade.
Por força do princípio constitucional da não-cumulatividade, o montante do imposto a ser recolhido pelo contribuinte é representado parte em moeda e outra parte em créditos relativos às operações anteriores, sendo que não há lei que impeça que o pagamento seja feito totalmente em créditos acumulados, em operações internas. O acumulo de créditos se dá, principalmente por diferenciais de alíquotas, ou operações com diferimento.
A Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996 consagrou essa possibilidade no seu artigo 24, determinando que os Estados e o Distrito Federal fixem o prazo para que os créditos que superem os débitos sejam liquidados.
A Lei Complementar, portanto, para a liquidação dos créditos, prevê a transferência dos créditos acumulados do Imposto sobre circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, em duas ocasiões, conforme artigo 25 desta lei e consagrado pela jurisprudência dos tribunais:
Art. 25 - Para efeito de aplicação do art. 24, os débitos e créditos devem ser apurados em cada estabelecimento do sujeito passivo. Para este mesmo efeito, a lei estadual poderá determinar que se leve em conta o conjunto dos débitos e créditos de todos os estabelecimentos do sujeito passivo no Estado.
§ 1º - Saldos credores acumulados a partir da data de publicação desta Lei Complementar por estabelecimentos que realizem operações e prestações de que tratam o inciso II do artigo 3º e seu parágrafo único podem ser, na proporção que estas saídas representem do total de saídas realizadas pelo estabelecimento:
I - imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado;
II - havendo saldo remanescente, transferidos pelo sujeito passivo a outros contribuintes do mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito.
§ 2º - Lei estadual poderá, nos demais casos de saldos credores acumulados a partir da vigência desta Lei Complementar, permitir que:
I - sejam imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado;
II - sejam transferidos, nas condições que definir, a outros contribuintes do mesmo Estado.
Determinou, portanto, o legislador que, no caso do parágrafo primeiro, do artigo 25 da Lei Complementar 87/96, a transferência de créditos relativos às entradas de produtos primários e semi-elaborados cujo produto de saída destine ao exterior mercadoria (artigo 3º - inciso II da Lei 87/96), inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços. Esta transferência, prevista em Lei Complementar independe de regulação por parte dos Estados e do Distrito Federal:
TRIBUTÁRIO. ICMS. CRÉDITOS ACUMULADOS DE ICMS SOBRE MATÉRIA-PRIMA DESTINADA A EXPORTAÇÃO. TRANSFERÊNCIA A TERCEIROS. AUTO-APLICABILIDADE DO ART. 25, § 1º, II, LC 87/96. I - "A LC 87/96 estabeleceu no art. 25 duas hipóteses de transferência de crédito acumulado do ICMS. No § 1º, os créditos oriundos de operações de exploração de matéria-prima ou produtos industrializados, como previsto no art. 3º inciso II. No § 2º, delegou ao legislador estadual a escolha das hipóteses, quando pretendesse o contribuinte transferir o seu crédito a terceiro." (RMS nº 13.544, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 02/06/2003, p. 229). II - Tratando-se a hipótese dos autos da espécie do art. 3º, II, da LC nº 87/96, vez que se trata de exportação de madeira, é de se dar provimento ao recurso ordinário (Superior Tribunal de Justiça - STJ - Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 13969 - Processo 200101383735 - 24/11/2004 - Relator: Francisco Falcão).
Por outro lado, como determina a própria jurisprudência citada, em relação ao parágrafo segundo do artigo 25 da conhecida Lei Kandir, o parágrafo se refere aos créditos que não tenham se acumulado em decorrência de operações de exportação não tributadas, mas, de operações internas com alíquotas diferenciadas onde, no conta-corrente do contribuinte reste sempre um saldo credor de difícil transferência e que, entende a jurisprudência dos tribunais, não ser passível de correção monetária:
EMENTA: - ICMS. Pretensão de correção monetária de créditos acumulados. Improcedência dessa pretensão. Precedentes do STF. Recurso extraordinário conhecido e provido (Supremo Tribunal Federal - STF - Recurso Extraordinário - Processo nº: 291487/MG - Relator: Moreira Alves - 26/10/2001).
Há doutrina contrária, em especial do professor Roque Gomes Carrazza segundo entendimento o crédito é uma moeda onde o contribuinte que o recebeu apenas faz a complementação em dinheiro referente às suas posteriores saídas. O Estado em caso de inadimplência do contribuinte exige o tributo com correção e multa, teria o contribuinte o mesmo direito com exceção da multa:
“Do contrário, na prática, estes créditos (especialmente os surgidos antes de 1994) restarão inócuos, acarretando um enriquecimento sem causa do Poder Público e, o que é pior, um agravamento, ao arrepio da Constituição e das Leis, da carga tributária a ser suportada pelo contribuinte” (Carrazza, Roque Gomes - ICMS - 2004 - Malheiros editores - página 303).
Ocorre que os contribuintes que têm majoritariamente entradas com alíquotas internas de 18% (dezoito por cento) e, por conseguinte saídas interestaduais com alíquotas de 7% (sete por cento) e 12% (doze por cento) acabam por acumular em suas contas um crédito indesejado e que acabam se transformando em custos pela dificuldade de transferência. O contribuinte, por força do princípio da não-cumulatividade, tem o direito constitucional subjetivo de utilizar como moeda esse crédito incidente nas operações anteriores.
A não-correção monetária desses créditos de ICMS acarreta um aumento do tributo além de representar um enriquecimento ilícito dos Estados. Os Estados, com base no artigo 25, inciso II da Lei complementar 87, de 13 de setembro de 1996, vêm que permitindo em seus regulamentos as transferências de créditos do ICMS que não tenham se acumulado em decorrência de operações de exportação não tributadas.
No Estado de São Paulo, conforme letras “a” e “b” do inciso III, do artigo 73 do Regulamento do ICMS atualizado até o Decreto 50.928, de 30 de junho de 2006, o crédito acumulado do ICMS pode ser transferido para estabelecimento fornecedor, a título de pagamento de aquisições feitas por estabelecimento industrial, nas operações de compra de matéria-prima, material secundário ou de embalagem, para uso pelo adquirente na fabricação de seus produtos e, aquisição de máquinas e equipamentos industriais para integração no ativo imobilizado.
O governo paulista, através do Decreto nº 51.134, publicado em 27 de setembro de 2006, possibilitou também ao contribuinte detentor de saldo credor acumulado do imposto utilizá-lo, mediante projeto previamente aprovado pela Secretaria da Fazenda (SEFAZ), para investimentos em atividades mercantis. Os pedidos deverão ser apresentados até 31 de dezembro de 2007.
No Estado do Rio de Janeiro, conforme artigos 13 e 14 do Regulamento do imposto aprovado pelo Decreto 27.427, de 17 de novembro de 2000, admite-se a transferência de créditos do ICMS acumulados em decorrência de operações com alíquotas diferenciadas para estabelecimento fornecedor, como pagamento por aquisição de matéria-prima, material secundário ou de embalagem para uso pelo adquirente na fabricação de seus produtos.
O Estado do Espírito Santo, através do Decreto 1090-R, de 25 de outubro de 2002, permite, conforme a Seção X, Subseção I, do Capítulo IX, artigos 111 e 112 que os créditos acumulados possam ser utilizados para compensação de débitos fiscais e, a requerimento do contribuinte, seja permitida a transferência, para estabelecimento situado neste Estado, de crédito do imposto, acumulado em razão de aplicação de alíquotas diversificadas nas operações de entrada e de saída de mercadorias e operações efetuadas com redução de base de cálculo.
O Estado do Paraná, através do Decreto 1102, de 23 de abril de 2003 considerando a necessidade de regulamentar as transferências de créditos acumulados do ICMS em sintonia com o previsto na Lei Complementar 87/96, passou também, conforme artigo 1º do citado Decreto, a acrescentar o texto que autoriza as transferências de créditos acumulados do ICMS em conta gráfica de créditos não compensados em operações de exportação, no artigo 40 do regulamento do imposto no Estado, aprovado pelo Decreto nº 5.141, de 12 de dezembro de 2001, desde que previamente autorizados pelo Estado.
No mesmo sentido é observado nos outros Estados da região sul e na maioria dos estados da federação. Minas Gerais é o único Estado do sudeste onde o regulamento do imposto desestimula o desenvolvimento da indústria local por não permitir, nos termos do parágrafo segundo do artigo 25 da Lei Kandir, as transferências internas de saldos credores do ICMS em razão de aplicação de alíquotas diferenciadas do imposto nas operações de entrada e saída de mercadorias.
Em 2005, contribuinte distribuidor de aços, com filial no Estado de Minas Gerais, apresentou a consulta de nº 113/2005 com base no Anexo VIII do RICMS do Estado, com objetivo de saber se poderia utilizar crédito do ICMS recebido em transferência para abatimento em seu débito verificado em escrita fiscal.
Obteve solução negativa, na medida em que créditos acumulados recebidos em transferência, conforme incisos I a IV do parágrafo 1º do artigo 14 do Anexo VIII do RICMS aprovado pelo Decreto nº 43.080, de 13 de dezembro de 2002 somente permite a utilização do crédito para:
I - transferência para estabelecimento industrial situado neste Estado, a título de pagamento pela aquisição de bem para ativo permanente;
II - pagamento de ICMS devido pela entrada de mercadoria importada do exterior, desde que, cumulativamente:
a) a mercadoria seja destinada ao ativo permanente para ser empregada, pelo próprio importador, em processo de industrialização ou de extração mineral; e
b) o desembaraço aduaneiro ocorra em território deste Estado;
III - pagamento de ICMS devido pela entrada, no estabelecimento, em decorrência de operação interestadual, de mercadoria destinada ao ativo permanente;
IV - transferência para estabelecimento de contribuinte situado neste Estado, a título de pagamento pela aquisição de material de construção para ser empregado em edificações no novo estabelecimento ou no estabelecimento em fase de expansão.
Essas transferências, quando permitidas, somente podem ser realizadas mediante regime especial concedido pelo Subsecretário da Receita Estadual ao destinatário do crédito e assim resumidas aos incisos acima especificados. O RICMS mineiro prevê em seu artigo 184 a possibilidade de instituição de Regime Especial de Tributação, em caráter individual e de interesse do contribuinte:
Art. 184 - A Secretaria de Estado da Fazenda poderá conceder, em caráter individual, Regime Especial de Interesse do Contribuinte, requerido na forma prescrita pela legislação tributária administrativa, consideradas as peculiaridades e as circunstâncias das operações ou das prestações que justifiquem a sua adoção.
No entanto, somente há conhecimento de uma única situação específica de concessão, porém, no caso de o produto final ser destinado à exportação. O fato ocorreu em 1992, através da Resolução nº 2.266, de 27 de julho de 1992 que permitiu o diferimento do imposto incidente nas saídas internas de chapas de aço e de auto-peças, promovidas pelos estabelecimentos fabricantes, com destino a FIAT AUTOMÓVEIS S.A.
Pior situação, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ consagrou entendimento segundo o qual os casos de transferência de créditos de ICMS de exportação a terceiros, submetidos à observância do §1º do artigo 25 da LC n. 87/96, não supõem a regulamentação de índole estadual.
Trata-se de direito subjetivo do exportador o direito de dispor de seu saldo credor para transferência a outros contribuintes no mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade administrativa de documento que reconheça o crédito, não se trata de permissão, mas, de controle do Estado e, obrigação de fazer.
No entanto, o Estado de Minas Gerais, através do Decreto nº 44.189/05 introduziu alterações nos procedimentos para transferência de crédito acumulado de ICMS resultantes de operações que destinem mercadorias ao exterior, disciplinando a apuração de crédito acumulado de ICMS para fins de transferência, divulgado através de Resolução até o dia 05 (cinco) de cada mês. Trata-se de legislação infraconstitucional que fere o princípio da não-cumulatividade.
O princípio da não-cumulatividade dá ao contribuinte do ICMS o direito subjetivo de ver observado, seu direito de dispor de créditos acumulados do ICMS, quer sejam resultantes de operações que destinem mercadorias e serviços ao exterior, quer sejam resultantes de operações com aplicação de alíquotas diferenciadas do imposto nas operações de entrada e saída de mercadorias, evidentemente observados a legislação estadual:
ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITOS DE ICMS A TERCEIROS. OPERAÇÕES COM ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS. ART. 13, INC. IV, DO DECRETO n. 27427/2000. APLICAÇÃO DO §2º DO ART. 25 DA LC N. 87/96. LEGALIDADE DA REGULAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA POR LEI ESTADUAL, PORTANTO. I - Não é aplicável, na espécie, a jurisprudência desta colenda Corte segundo a qual os casos de transferência de créditos de ICMS a terceiros, submetidos à observância do §1º do artigo 25 da LC n. 87/96, não supõem a regulamentação de índole estadual. É que não se enquadram os créditos de ICMS, reclamados pela recorrente, nas hipóteses do art. 3º, inc. II, da Lei Kandir, nem mesmo nas do parágrafo único. II - Cuida-se, diversamente, de transferência de créditos de ICMS a terceiros, decorrentes de operações com alíquotas diferenciadas. Assim sendo, a merecer observância o §2º do artigo 25 da LC n. 87/96 que estabelece poder a lei estadual, nos demais casos de saldos credores acumulados a partir da vigência da própria Lei Complementar, permitir que: a um, "sejam imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado"; a dois, sejam transferidos, nas condições que definir, a outros contribuintes do mesmo Estado". Assim é que plenamente aplicável a legislação local, in casu, relativamente à transferência requerida a qual não tem assento na própria norma complementar, mas no art. 13, inc. IV, do Regulamento do ICMS do Estado do Rio de Janeiro (Decreto n. 27427/2000).
III - Com efeito, exigindo a norma estadual não esteja a empresa em débito com o Fisco estadual, para fins da autorização da transferência solicitada, deveria ter a recorrente feito prova de que regularizou o seu estado de inadimplência, sem o que carecedora de direito certo e líquido. IV - Recurso ordinário improvido (Superior Tribunal de Justiça - STJ - Recurso Ordinário em Mandado de Segurança - ROMS 19583 - Processo: 200500176966/RJ - Relator: Francisco Falcão).
No caso, do parágrafo primeiro do artigo 25 da Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, a transferência de créditos acumulados é direito subjetivo do contribuinte, não estando sujeito a regulamentação estadual, no caso do parágrafo segundo, não se trata de “favor”, mas, de mera permissão que resulte na amplitude do princípio constitucional da não-cumulatividade, na medida em que o Estado não pode postergar “ad eternum” o direito de o contribuinte usufruir de seu crédito.
Uma vez escriturados esses créditos em livro próprio sem oposição do fisco, não estão sujeitos à decadência, na medida em que créditos escriturais podem ter aproveitamento feito a destempo. O creditamento do ICMS tem natureza contábil, no entanto, créditos a serem compensados extemporaneamente é devida a correção monetária em obediência aos princípios jurídicos de um lado empobrecimento do contribuinte, de outro, enriquecimento sem causa do Estado.
A correção monetária de créditos de ICMS a serem aproveitados ou compensados extemporaneamente, é possível e necessária para não produzir uma ofensa aos princípios jurídicos de evitar o enriquecimento e o empobrecimento sem causas, bem como para não configurar uma ofensa ao princípio constitucional da não cumulatividade do imposto, podendo o contribuinte, com base na Constituição Federal, fazer valer seu direito.
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