quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Guerra Fiscal e Regra Matriz do ICMS

 

A concessão de benefícios fiscais não aprovados através de celebração de convênios, aprovados por maioria absoluta entre os Estados membros e o Distrito Federal, nos termos do art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal de 1988 é inconstitucional conforme pacificado no Supremo Tribunal Federal em 01 de junho de 2011:

“Guerra Fiscal” – Pronunciamento do Supremo – Drible. Surge inconstitucional lei do Estado que, para mitigar pronunciamento do Supremo, implica, quanto a recolhimento de tributo, dispensa de acessórios – multa e juros da mora – e parcelamento. Inconstitucionalidade da Lei nº 3.394, de 4 de maio de 2000, regulamentada pelo Decreto nº 26.273, da mesma data, do Estado do Rio de Janeiro. Decisão. O Tribunal, por votação unânime e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 3.394, de 4 de maio de 2000, do Estado do Rio de Janeiro, regulamentada pelo Decreto nº 26.273, editado na mesma data (STF - Supremo Tribunal Federal - ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade 2906/RJ, Relator: Ministro Marco Aurélio Melo - 1º/06/2011).

ICMS – Benefício Fiscal – Isenção. Conflita com o disposto nos artigos 150, § 6º, e 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal decreto concessivo de isenção, sem que precedido do consenso das unidades da Federação. O Tribunal, por votação unânime e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade do Decreto nº 26.005, de 10 de fevereiro de 2000, do Governador do Estado do Rio de Janeiro. (Supremo Tribunal Federal - ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade 2376/RJ - Relator: Ministro Marco Aurélio - 1º/06/2011).

Tributo – “Guerra Fiscal”. Consubstancia “guerra fiscal” o fato de a unidade da Federação reduzir a alíquota do ICMS sem a existência de consenso, mediante convênio, entre os demais Estados. O Tribunal, por votação unânime e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade do § 5º do artigo 12 da Lei nº 4.181, de 29 de setembro de 2003, preceito regulamentado mediante o Decreto nº 36.454, de 29 de outubro de 2004, ambos do Estado do Rio de Janeiro. (Supremo Tribunal Federal - ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade 3674/RJ - Relator: Ministro Marco Aurélio - 1º/06/2011).

Tributo – Benefício – Alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal. Discrepa do que previsto nesse preceito, a remeter a lei complementar, a concessão de benefício tributário a certo segmento econômico de forma a implicar tratamento diferenciado presente a localização do contribuinte. Decisão. Tribunal, por votação unânime e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 4.163, de 29 de setembro de 2003, ficando, por consequência, afastado do cenário jurídico o decreto que a regulamentou - nº 35.011, de 19 de março de 2004, ambos do Estado do Rio de Janeiro. (Supremo Tribunal Federal - ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade 3413/RJ - Relator: Ministro Marco Aurélio, 1º/06/2011).

Processo Objetivo – Ação Direta de Inconstitucionalidade – Advogado-Geral Da União – Atuação. Consoante dispõe o § 3º do artigo 103 da Constituição Federal, o Advogado-Geral da União atua, na ação direta de inconstitucionalidade, como curador da norma atacada. Benefício Fiscal – Consenso. A disciplina de benefício fiscal pressupõe consenso entre os Estados – artigo 155 da Carta da República. Decisão. O Tribunal, por votação unânime e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade do Decreto nº 42.241, de 14 de janeiro de 2010, do Estado do Rio de Janeiro (Supremo Tribunal Federal - ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade 4457/PR - Relator: Ministro Marco Aurélio, 1º/06/2011).

Ementa: Constitucional. Tributário. Imposto sobre operação de circulação de mercadorias e serviços. ICMS. Benefícios Fiscais. Necessidade de amparo em Convênio Interestadual. Art. 155, XII, “g” da Constituição. Nos termos da orientação consolidada por esta Corte, a concessão de benefícios fiscais do ICMS depende de prévia aprovação em convênio interestadual, como forma de evitar o que se convencionou chamar de guerra fiscal. Interpretação do art. 155, XII, g da Constituição. São inconstitucionais os arts. 6º, no que se refere a “benefícios fiscais” e “financeiros-fiscais”, 7º e 8º da Lei Complementar estadual 93/2001, por permitirem a concessão de incentivos e benefícios atrelados ao ICMS sem amparo em convênio interestadual. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente (Supremo Tribunal Federal - ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade 3794/PR - Relator: Ministro Joaquim Barbosa, 1º/06/2011).

Tributário. Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços de comunicação e de Transporte intermunicipal e interestadual. Isenção concedida a título de auxílio-transporte aos integrantes da polícia civil e militar em atividade ou inatividade. Ausência de prévio convênio interestadual. Permissão genérica ao executivo. Inconstitucionalidade. Lei 13.561/2002 do Estado do Paraná. 1. A concessão de benefício ou de incentivo fiscal relativo ao ICMS sem prévio convênio interestadual que os autorize viola o art. 155, § 2º, XII, g da Constituição. 2. Todos os critérios essenciais para a identificação dos elementos que deverão ser retirados do campo de incidência do tributo (regra-matriz) devem estar previstos em lei, nos termos do art. 150, § 6º da Constituição. A permissão para que tais elementos fossem livremente definidos em decreto do Poder Executivo viola a separação de funções estatais prevista na Constituição. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente (Supremo Tribunal Federal - ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade 2688/PR - Relator: Ministro Joaquim Barbosa, 1º/06/2011).

                        Daí que, longe de outorgar aos Estados a competência para declarar a inconstitucionalidade de benefícios fiscais concedidos por outras unidades da federação, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que “inconstitucionalidades não se compensam”, conforme reconsiderou a Ministra Ellen Gracie no AC 2611/MG:

“Revendo os autos à luz do agravo regimental interposto pela empresa Requerente, verifico que, embora a questão pudesse desafiar solução infraconstitucional, também apresenta consistente fundamentação constitucional, amparada em precedentes desta Corte. É que o Estado de Minas Gerais, inconformado com a inconstitucionalidade de crédito de ICMS concedido pelo Estado de Goiás, teria glosado parcialmente a apropriação de créditos nas operações interestaduais, com isso ofendendo a sistemática da não-cumulatividade desse imposto e a alíquota interestadual fixada pelo Senado, ambas com assento constitucional. Entendo, pois, que há relevante discussão de índole constitucional, de modo que é caso de reconsiderar a decisão recorrida e de conhecer do pedido de liminar. 4. A pretensão de suspensão da exigibilidade do crédito, com a consequente suspensão da execução fiscal, merece acolhida. Há forte fundamento de direito na alegação de que o Estado de destino da mercadoria não pode restringir ou glosar a apropriação de créditos de ICMS quando destacados os 12% na operação interestadual, ainda que o Estado de origem tenha concedido crédito presumido ao estabelecimento lá situado, reduzindo, assim, na prática, o impacto da tributação. Note-se que o crédito outorgado pelo Estado de Goiás reduziu o montante que a empresa teria a pagar, mas não implicou o afastamento da incidência do tributo, tampouco o destaque, na nota, da alíquota própria das operações interestaduais. Ainda que o benefício tenha sido concedido pelo Estado de Goiás sem autorização suficiente em Convênio, mostra-se bem fundada a alegação de que a glosa realizada pelo Estado de Minas Gerais não se sustenta. Isso porque a incidência da alíquota interestadual faz surgir o direito à apropriação do ICMS destacado na nota, forte na sistemática de não-cumulatividade constitucionalmente assegurada pelo art. 155, § 2º, I, da Constituição e na alíquota estabelecida em Resolução do Senado, cuja atribuição decorre do art. 155, § 2º, IV. Não é dado ao Estado de destino, mediante glosa à apropriação de créditos nas operações interestaduais, negar efeitos aos créditos apropriados pelos contribuintes. Conforme já destacado na decisão recorrida, o Estado de Minas Gerais pode arguir a inconstitucionalidade do benefício fiscal concedido pelo Estado de Goiás em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, sendo certo que este Supremo Tribunal tem conhecido e julgado diversas ações envolvendo tais conflitos entre Estados, do que é exemplo a ADI 2.548, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 15.6.2007. Mas a pura e simples glosa dos créditos apropriados é descabida, porquanto não se compensam as inconstitucionalidades, nos termos do que decidiu este tribunal quando apreciou a ADI 2.377-MC, DJ 7.11.2003, cujo relator foi o Min. Sepúlveda Pertence: “2. As normas constitucionais, que impõem disciplina nacional ao ICMS, são preceitos contra os quais não se pode opor a autonomia do Estado, na medida em que são explícitas limitações. 3. O propósito de retaliar preceito de outro Estado, inquinado da mesma balda, não valida a retaliação: inconstitucionalidades não se compensam”. O risco de dano está presente no fato de que a sede administrativa da Requerente está na iminência de ser leiloada. 5. A pretensão manifestada pela Requerente não equivale, propriamente, à simples atribuição de efeito suspensivo ao recurso extraordinário. Para que seja obstado o curso da Execução Fiscal, faz-se necessária a concessão de tutela com tal efeito, conforme já destacado por este Tribunal por ocasião do julgamento da AC 2.051 MC-QO, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJe 9.10.2008. A pretensão, pois, em verdade, exige a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. 6. Ante o exposto, reconsidero a decisão anterior, conheço da ação cautelar e concedo medida liminar para suspender a exigibilidade do crédito tributário em cobrança, nos termos do art. 151, V, do CTN, sustando, com isso, a execução e os respectivos atos expropriatórios (STF - Supremo Tribunal Federal - Ação Cautelar AC 2611/MG - Minas Gerais - Medida Cautelar em Ação Cautelar - Relatora: Ministra Ellen Gracie - 25/06/2010).

                        Conforme entendimento de Carrazza[1], não cabe ao Estado de destino vedar a apropriação de créditos de ICMS, somente admitindo os créditos efetivamente cobrados no Estado de origem:

“Se o Estado de destino entende que os benefícios fiscais outorgados pelo Estado de origem a seus contribuintes infringem maus-tratos ao art. 155, § 2º, XII, ‘g’, da CF, ele que bata às portas do STF, como faculta o art. 102, I, ‘a’ e ‘f’, do mesmo Diploma Excelso. O que não pode fazer é transformar o contribuinte do Estado de destino em sua longa manus, para que ele controle a constitucionalidade e a legalidade de benefícios fiscais e financeiros concedidos alhures”.

                        A Regra-Matriz do imposto relativo Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS tem sua fundamentação na Constituição Federal, sendo sua regra matriz a não cumulatividade:

Art. 155   Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre:

II              operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

§ 2º           O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I                será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

                        O imposto incide sobre o produto, desde sua produção até o consumidor que é o contribuinte de fato do imposto. Há a incidência em três aspectos, a saber:

               Sobre operações relativas à circulação de mercadorias, ainda que se iniciem no exterior;

               Prestação sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal;

               Prestações de serviços de comunicações, ainda que se iniciem no exterior.

Lei nº 87, de 13 de setembro de 1996:

Art. 2°     O imposto incide sobre:

I               operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;

§ 1º          O imposto incide também:

I               sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade;

                        Pelo princípio estabelecido no art. 146, III, “b” da Carta Política de 1988, somente Lei Complementar pode estabelecer normas gerais de tributação sobre lançamento e crédito, assim, a regra-matriz do ICMS está na Lei Complementar nº 87/96:

Art. 146   Cabe à lei complementar:

(...)

III            estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

(...)

b)             obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

                        Com relação ao sistema de créditos e débitos do imposto, segundo a regra constitucional, a ênfase se dá evidentemente com base na não cumulatividade com duas exceções evidentes previstas no inciso II, do § 2º do artigo 155 da Carta política:

II              a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a)              não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

                        Vai daí o grande equívoco cometido, principalmente pelos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Na “isenção” o imposto nasce, mas, a lei determina que o produto seja isento e, por corolário lógico a “não incidência” é uma espécie de “isenção” onde nasce o imposto, mas, não incide sobre o produto. Os dois institutos ainda diferem da alíquota zero (0%) porque nesta hipótese o produto é tributado, mas, com alíquota zero e “não tributado” onde o imposto não nasce. Para isenção e não incidência há previsão constitucional em relação ao crédito; alíquota zero, por corolário lógico o crédito a ser transferido para a operação posterior é zero:

VI             salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, “g”, as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;

XII           cabe à lei complementar (sem grifos nos original):

g)              regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

                        Crédito presumido não é instituto do ICMS, mas, do IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados e, instituído pela Lei 9.363, de 13 de dezembro de 1.996 com o objetivo de ressarcir as empresas exportadores pelo pagamento das contribuições para o PIS e COFINS, determinado pelas Leis Complementares 7 e 8, de 1970, e 70, de 1971, incidentes sobre as respectivas aquisições, no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, para utilização no processo produtivo.

                        Como “crédito”, sua efetivação se dá nas entradas de, no caso do IPI, de matérias-primas que serão incorporadas ao produto exportado, como forma de ressarcimento pelo PIS - Programa de Integração Social e pela COFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, conforme artigo 2º da Lei nº 9.363, de 13 de dezembro de 1996:

Art. 2º      A base de cálculo do crédito presumido será determinada mediante a aplicação, sobre o valor total das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem referidos no artigo anterior, do percentual correspondente à relação entre a receita de exportação e a receita operacional bruta do produtor exportador.

                        A adaptação do termo jurídico para emprego no ICMS sob a égide da Carta Política de 1988 não tem nenhum respaldo, note-se que “crédito presumido” é instituto diferente de “redução de base de cálculo”, considerando que a Nota Fiscal é o resultado de produtos + Impostos + serviços (transporte), por corolário lógico o total irá refletir a redução da base de cálculo na medida em que apontará incidência menor no campo do ICMS, portanto, afastada qualquer relação à Lei nº 24/1975. No caso ora em tela, a Constituição Federal no artigo 155, § 2º, II, “a” em relação à isenção ou não incidência, sendo forçoso reconhecer que “redução de base de cálculo” se trata de não incidência parcial.

Tributário. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. ICMS. Redução da Base de Cálculo. Isenção Parcial. Estorno proporcional do Crédito. Possibilidade. Precedentes do STF. 1. O benefício fiscal da redução da base de cálculo equivale à isenção parcial, sendo devido o estorno proporcional do crédito de ICMS, nos termos do art. 155, § 2º, II, "b", da CF, por isso que referida prática tributária não viola o princípio da não-cumulatividade. Precedentes do STF: RE 174478, Relator (a): Min. Marco Aurélio, Relator (a) p/ Acórdão: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2005, DJ 30-09-2005 PP-00005 Ementário VOL-02207-02 PP-00243 RIP v. 7, n. 33, 2005, p. 264; RE 559671/RS AgR, Relator(a):  Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 06/04/2010, DJe-071 Divulgado em 22-04-2010 Publicado 23-04-2010 Ementário volume-02398-05 PP-00975; AI 661957/RS AgR, Relator(a):  Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 06/10/2009, DJe-204 Divulgado em 28-10-2009 PUBLIC 29-10-2009 Ementário VOL-02380-10 PP-02003 LEXSTF v. 31, n. 371, 2009, p. 82-84; AI-AgR 526737 / RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 27.05.2008, DJe 142 de 01.08.2008. 2. A aplicação restritiva do princípio da não-cumulatividade em matéria de ICMS, através da qual a existência do crédito somente se justifica pelo pressuposto do pagamento (débito), na exata proporção do tributo recolhido na outra fase da cadeia mercantil, afigura-se escorreita, em razão das vedações prescritas nas alíneas “a” e “b”, do art. 155, § 2º, II, da Constituição da República, senão vejamos: “Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores; 3. O Estado do Rio de Janeiro editou a Lei 2.657/96, que regulamentou a cobrança de ICMS em seu território, dispondo o art. 37, inciso V, do referido diploma legal, in verbis: Art. 37 - O contribuinte efetuará o estorno do imposto creditado sempre que o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento: V - gozar de redução da base de cálculo na operação ou a prestação subsequente, hipótese em que o estorno será proporcional à redução; 4. Com efeito, quando o legislador retirou da hipótese de creditamento do ICMS das operações isentas ou sujeitas a não-incidência, aduzindo que essas desonerações não implicariam em débito na saída do produto (alínea “a”), bem como anulariam os créditos gerados na entrada tributada (alínea “b”), deixou claro que o creditamento do ICMS somente terá lugar na mesma proporção, v. g., de forma equânime ao desembolso que tiver de ser efetuado pelo contribuinte na outra fase da cadeia mercantil. 5. Destarte, não havendo desembolso ou ainda havendo desembolso a menor, não há lugar para a manutenção de eventual crédito precedente e sua proporção primitiva. Nesse sentido, é o entendimento da doutrina abalizada: “Compensar nada mais é do que forma de evitar pagar imposto na saída da mercadoria sobre o valor do imposto já pago anteriormente, em atenção ao princípio constitucional da não-cumulatividade. O imposto existe para ser pago e não para ser creditado, o que é apenas um desdobramento contábil usual. A contabilização do crédito tributário no momento da aquisição da mercadoria não é um direito incondicional do comerciante, pois o simples fato da compra não gera crédito tributário algum. Trata-se de solução contábil cuja validade decorre, unicamente, da presunção de revenda tributada desta mesma mercadoria, na qual não pode incidir ICMS sobre o ICMS pago anteriormente. A saída tributada constitui condição suspensiva para a utilização do crédito obtido quando da entrada da mercadoria. Se não houvesse estorno proporcional ao crédito, quando da venda por valor inferior ao da aquisição, estaria desrespeitada a sábia regra constitucional, surgindo a inaceitável situação de crédito tributário superior ao débito, em relação a operações consecutivas efetuadas com a mesma mercadoria. A sociedade pagaria ao comerciante para que ele realizasse sua atividade, o que importaria em capitalizar o lucro e socializar as perdas”. (Fernando Lemme Weiss - A não-cumulatividade do ICMS e o estorno do crédito decorrente da atividade industrial - Revista Dialética de Direito Tributário nº 91, p. 46) 6. O S.T.F. nos Embargos de Declaração no RE 174.478-2/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, definiu, com precisão, a questão, in verbis: “A atual posição da Corte parece-me, portanto, bastante clara: a redução da base de cálculo do ICMS corresponde a isenção parcial e, não, como outrora se considerava, categoria autônoma em relação assim à isenção, como à da não-incidência. Observe-se que a interpretação dada pela Corte ao art. 155, §2º, II, b, não representa ampliação do rol de restrições ao aproveitamento integral do crédito de ICMS, que remanesce circunscrito às hipóteses de não-incidência e isenção; entendeu-se, simplesmente, que a redução da base de cálculo entra nessa última classe, como isenção parcial, que é em substância. 7. Deveras, "Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão” - art. 481, parágrafo único, do CPC, por isso que em sede de recurso, máxime, o ordinário constitucional é possível o afastamento da lei local no caso sub judice. 8. Recurso ordinário a que se nega provimento (STJ - Superior Tribunal de Justiça - Recurso Ordinário em Mandado de Segurança - RMS 29366/RJ - Processo 2009/0074529-8 - Primeira Turma - Relator: Ministro Luiz Fux - 03/02/2011).

                   A capacidade de intervenção dos Estados ricos na concessão de regimes especiais de tributação por Estados até então menos favorecidos, está comprometida pela globalização das principais atividades econômicas.

                   De resto, além da arrecadação de impostos, na economia global, os Estados tendem à desregulamentação como forma de criação de empregos diretos e renda. No entendimento de Carrazza[2], a anulação de créditos por Estados membros como forma de combater a Guerra Fiscal não se sustenta:

“Apesar disso, várias pessoas políticas vedaram a apropriação de créditos de ICMS, oriundos de unidades federadas que concedem favores fiscais e financeiros, não autorizados em convênios. Sirvam-nos de exemplo os Estados de São Paulo,[3] Paraná,[4] Bahia[5] e Minas Gerais,[6] que baixaram atos normativos infralegais estabelecendo, em síntese, que, nas remessas para estabelecimentos localizados em seus territórios, por contribuintes localizados em outras unidades federadas, somente serão admitidos os créditos relativos ao ICMS efetivamente cobrado no Estado de origem. Melhor explicitando, tais Estados estão a exigir, de seus contribuintes, a diferença de ICMS entre o valor destacado na nota fiscal de entrada, emitida por contribuinte inconstitucionalmente beneficiado em outra unidade federada e o montante de tributo por este deveras recolhido.

            Exemplifiquemos, para que melhor se compreenda: se uma empresa mato-grossense vender uma mercadoria a uma empresa paulista, a operação interestadual será tributada, por meio do ICMS, sob uma alíquota de 12%. Estes mesmos 12% transformam-se num crédito fiscal, do qual a empresa paulista poderá apropriar-se, a fim de utilizá-lo, no momento oportuno, como “moeda de pagamento” do tributo.

            Admitamos, porém, que a empresa mato-grossense tenha sido favorecida por um fictício crédito presumido de 8%, concedido unilateralmente, impende dizer, sem apoio em convênio. Neste caso, a teor dos precitados Comunicado CAT n. 36/2004 e Resolução SF n. 52/1993, o contribuinte paulista poderia creditar-se de apenas 4% (porquanto este teria sido o montante efetivamente levado aos cofres públicos do Estado de Mato Grosso).

            Tal “glosa de créditos” ou, em termos mais técnicos, “anulação dos créditos relativos às operações mercantis anteriormente realizadas”, absolutamente não se sustenta, ao lume do princípio da não-cumulatividade do ICMS. Também, não encontra amparo no art. 8º, da Lei Complementar 24/1975,[7] que, por ir além dos ditames do art. 155, § 2º, XII, “g”, da Carta de 1988, não passou pelo fenômeno da recepção”.

                   A verdade por trás de tudo se resume na internacionalização da produção. É que os Estados tomados individualmente estão perdendo e efetivamente perderão o controle sobre componentes fundamentais de suas políticas econômicas. A dificuldade cada vez maior do controle exercido pelos governos locais sobre a economia globalizada é acentuada pela crescente transnacionalização da produção, principalmente pelas redes integradas de produção e comércio das empresas.

                   A capacidade cada vez mais reduzida dos governos estaduais manterem em seus territórios a base produtiva para a geração de receita faz com que concedam benefícios fiscais como forma de minimizarem a perda de arrecadação da produção local, contabilizando o valor agregado da produção internacional como se fosse um centro de distribuição.

                   Assim, começa a tornar-se regra o que já foi exceção por parte dos governos estaduais menos industrializados. As empresas com bom desempenho na economia global e a sua competitividade financia o Estado com a arrecadação em base menor, mas, relevante valor agregado. Com menor intervenção do Estado na economia, principalmente em regulamentação, desempenha importante papel econômico provenientes de outras fontes que não a arrecadação em si, gerando menores passivos e criando riqueza local e empregos que trarão benefícios sociais. Por seu turno os Estados mais abastados por mais que produzam não se verifica crescimento tecnológico, produzindo basicamente comodities.



[1]     Carrazza, Roque Gomes - ICMS - Malheiros - 15ª Edição - 2011.

[2]     Carrazza, Roque Gomes – ICMS – 15ª Edição – São Paulo – Malheiros – 2011.

[3]     Comunicado CAT n. 36, de 29.7.2004 (DOE de 31.7.2004) e Resolução n. 52/1993, de 19..11.1993 (DOE de 20.11.1993).

[4]     Decreto 2.183, de 26.11.2003.

[5]     Decreto 8.511, de 6.5.2003.

[6]     Resolução 3.166, de 11.7.2001

[7]     Lei Complementar 24/1975: “Art. 8º. A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente: I – a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria; II – a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente”.

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