segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Guerra Fiscal – A Impossível Regulamentação do ICMS

O Estado de Minas Gerais iniciou a regulamentação da Resolução nº 13, de 26 de abril de 2012 do Senado Federal, através da Lei nº 20.540, de 14 de dezembro de 2012 que incluiu a letra “d” ao inciso II, do artigo 12 da Lei nº 6.763, de 26 de dezembro de 1975 que trata do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços no Estado:

Art. 12          As alíquotas do imposto, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, são:

d)                    4% (quatro por cento), em se tratando de bens e mercadorias importados do exterior, observado o seguinte:

d.1)                a alíquota a que se refere esta alínea aplica-se também aos bens e mercadorias importados do exterior que, após seu desembaraço aduaneiro, ainda que submetidos a qualquer processo de transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento, reacondicionamento, renovação ou recondicionamento, resultem em mercadorias ou bens com Conteúdo de Importação superior a 40% (quarenta por cento), assim considerado o percentual correspondente ao quociente entre o valor da parcela importada do exterior e o valor total da operação de saída interestadual da mercadoria ou bem (grifei);

                  Em que pese o fato de ainda não ter sido regulamentada por Decreto, incluindo os mesmos incisos no art. 42 do Regulamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, aprovado pelo Decreto nº 43.080, de 13 de dezembro de 2002, começam a aparecer os previsíveis problemas, a começar pelo fato de ser aplicado à espécie a noventena prevista na letra “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal de 1988, porque em tese somente poderá vigorar a partir de março de 2013.

                  O § 1º do artigo 150 da Constituição Federal demonstra que o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços não é exceção à noventena de que trata o inciso III, c, do artigo 150, mas, discute-se se exceção ao inciso III, b, do mesmo artigo, não se lhe aplicando a anualidade, conforme 155, § 4º, “c” da CF/88:

§ 4º                Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte:

IV                   as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g, observando-se o seguinte:

a)                    serão uniformes em todo o território nacional, podendo ser diferenciadas por produto; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

b)                    poderão ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem, incidindo sobre o valor da operação ou sobre o preço que o produto ou seu similar alcançaria em uma venda em condições de livre concorrência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

c)                    poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b.

                  Isso porque, a letra “h” do inciso XII do § 2º do inciso II do artigo 155 da Constituição Federal de 1988 não é regra geral ao imposto, mas, remete à incidência do imposto sobre combustíveis e, o artigo 4º da Emenda Constitucional nº 33/2001 deixa clara a hipótese ao definir que “enquanto não entrar em vigor a lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, h, da Constituição Federal”, neste sentido, afirma Freitas, a Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001 promoveu relevantes alterações no ICMS - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, não podendo ser confundidas as hipóteses de incidência:

“O artigo 155 da Constituição Federal de 1988 foi quase todo alterado pela Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993 e posteriormente pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001 e Emenda Constitucional nº 42 de 2003” (Freitas, Rinaldo Maciel – ICMS – Do Imposto sobre o Consumo à Guerra Fiscal – São Paulo – Fiscosoft – 2011).

                  Note que hora alguma as modificações postas ao imposto afasta, e nem poderia afastar a legalidade e competência para instituir e modificar o tributo. É relevante que o inciso III do § 2º do inciso II do artigo 155 determina que o imposto poderá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias, ora alguma estabelecendo diferenciação em razão da origem ou destino dessas mercadorias, porque, aconteceria o absurdo de termos um artigo da Constituição em afronta a outro artigo, não se estabelecendo qual seria o artigo inconstitucional da Constituição, mas, em razão do artigo 152, enorme insegurança jurídica:

Art. 152        É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino (Constituição Federal de 1988).

                  É relevante perceber que o artigo 150, IIIb” e “c” trata da legalidade imposta à vigência da hipótese de incidência o que, inexoravelmente remete ao artigo 146, III, “a” da Constituição Federal afastando a possibilidade de a modificação ter se dado por Resolução do Senado Federal, objeto da ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4858, matéria estranha à discussão, mas, que pode ser levantada no debate que ocorrerá no plenário do Supremo.

                  Noutro ponto, o artigo 1º da Resolução nº 13, de 26 de abril de 2012 do Senado Federal determina que a incidência da alíquota de 4% (quatro por cento) aplicar-se-á sobre os produtos importados do exterior “que, após seu desembaraço aduaneiro” não tenham sofrido processo de industrialização (inciso I), ou, “ainda que submetidos a qualquer processo de transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento, reacondicionamento, renovação ou recondicionamento, resultem em mercadorias ou bens com Conteúdo de Importação superior a 40% (quarenta por cento)” (inciso II):

Art. 1º                       A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior, será de 4% (quatro por cento).

§ 1º                O disposto neste artigo aplica-se aos bens e mercadorias importados do exterior que, após seu desembaraço aduaneiro:

                  Deixando vagas as hipóteses do inciso VII do § 2º, do artigo 155, II da Constituição Federal sobre operações que destinem mercadorias para consumo final onde, por exemplo, deve ser observada a Súmula 432 do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 432:                        As empresas de construção civil não estão obrigadas a pagar ICMS sobre mercadorias adquiridas como insumos em operações interestaduais.

                  Sendo ainda o desembaraço aduaneiro a operação que nacionaliza o produto, nos termos do artigo 35 do Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010, não há que se falar em “mercadorias importadas do exterior que, após seu desembaraço”, porque, depois de desembaraçada equipara-se a produto nacional:

Art. 35           Fato gerador do imposto é (Lei no 4.502, de 1964, art. 2o):

I                      o desembaraço aduaneiro de produto de procedência estrangeira; ou

II                    a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial.

                  A nacionalização de mercadoria ou produto importado consiste na sequência de atos aduaneiros e fiscais que visam a transferir a propriedade de uma mercadoria ou produto, da economia estrangeira para a economia nacional, conforme entendimento da Solução de Consulta nº138, de 24 de março de 2010:

Solução de Consulta nº138, de 24 de março de 2010

Assunto:       Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI

Produtos Nacionais. Nacionalizados.

Produto nacional não se confunde com produto nacionalizado. O primeiro é produto que sofreu no território nacional alguma forma de industrialização, enquanto o segundo é aquele produto de procedência estrangeira, objeto de importação e que foi submetido ao desembaraço aduaneiro no País.

Dispositivos Legais: Decreto nº 4.544, de 2002-Ripi/02, art. 4º; e Decreto nº 6.759, de 2009-RA/09, arts. 8º, 69, 70, 72, 104, 212, e 571.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Guerra Fiscal – Novos Capítulos – Velha Insegurança Jurídica

                   O adiamento da unificação do ICMS para 2014 é matéria completamente diferente das publicações no DOU de 24.12.2012; Ajuste SINIEF nº 27/2012 e Ato COTEPE nº 61/2012.

 

                   Na unificação das alíquotas interestaduais do tributo de 12% e 7% em 4%, no prazo de oito anos, o governo promete enviar ao congresso uma Medida Provisória nesta semana, mas, não há consenso, porque, a CAE - Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, diz que o assunto somente será concluído em 2025.

 

                   As publicações da véspera do natal remetem à Ficha de Conteúdo de Importação - FCI, que trataram de prorrogar o prazo de obrigatoriedade de seu preenchimento e instituir o Manual de Orientação para sua entrega:

 

Ato Cotepe/ICMS nº 61, de 21 de dezembro de 2012

 

Dispõe sobre as especificações técnicas para o preenchimento da Ficha de Conteúdo de Importação - FCI, a geração de arquivo digital, e do software de autenticação e transmissão via internet, conforme previsto nas cláusulas quinta e sexta do Ajuste SINIEF 19/12, e dá outras providências.

 

O Secretário-Executivo do Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ, no uso de suas atribuições que lhe confere o art. 12, XIII, do Regimento da Comissão Técnica Permanente do ICMS - COTEPE/ICMS, de 12 de dezembro de 1997, por este ato, torna público que o Conselho, na sua 186ª reunião extraordinária, realizada no dia 21 de dezembro de 2012 em Brasília, DF, com base no §3º da cláusula quinta do Ajuste SINIEF 19/12, de 7 de novembro de 2012, decidiu:

 

Art. 1º           Fica instituído, nos termos do Anexo Único deste ato, o Manual de Orientação para entrega da Ficha de Conteúdo de Importação - FCI, com especificação do leiaute dos arquivos digitais, que deve ser observado pelos contribuintes do ICMS, conforme previsto nas cláusulas quinta e sexta do Ajuste SINIEF 19/12, de 7 de novembro de 2012.

 

Parágrafo único     O Manual de Orientação referido no caput estará disponível na página do CONFAZ (www.fazenda.gov.br/confaz).

 

Art. 2º           Este Ato entra em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União.

 

Manuel dos Anjos Marques Teixeira

 

                   E:

 

Ajuste Sinief 27, de 21 de dezembro de 2012

Adia o início da obrigatoriedade de preenchimento e entrega da Ficha de Conteúdo de Importação, prevista no Ajuste SINIEF 19/12, e dá outras providências.

 

O Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ, na sua 186ª reunião extraordinária, realizada em Brasília, DF, no dia 21 de dezembro de 2012, conforme os arts 102 e 199 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966), resolve celebrar o seguinte:

 

AJUSTE

 

Cláusula primeira Fica adiado para o dia 1º de maio de 2013 o início da obrigatoriedade de preenchimento e entrega da Ficha de Conteúdo de Importação (FCI), prevista nas cláusulas quinta e sexta do Ajuste SINIEF 19, de 7 de novembro de 2012.

 

Parágrafo único     Fica dispensada também, até a data referida no caput, a indicação do número da FCI na nota fiscal eletrônica (NFe) emitida para acobertar as operações a que se refere o mencionado Ajuste.

 

Cláusula segunda   Acordam os Estados e o Distrito Federal que a verificação do cumprimento das obrigações acessórias instituídas no âmbito do Ajuste SINIEF 19/12 terá, até o dia 1º de abril de 2013, caráter exclusivamente orientador, salvo nos casos de dolo, fraude ou simulação devidamente comprovados pelo Fisco.

 

Cláusula terceira Este ajuste entra em vigor na data da sua publicação no Diário Oficial da União.

 

                   Trata da matéria relativa à Resolução nº 13 de 25 de abril de 2012 do Senado Federal (importados) que mantém a data de 1º de janeiro de 2013 para vigorar, mas, pode ser inócua até 1º de abril de 2013; ou não?

 

                   Pode, porque ratifica a falta de entendimento e agrava a insegurança jurídica já representada pela Resolução 13/2012 que remete a regulação para competência do Confaz, nos termos do § 3º do artigo 1º da Resolução do Senado nº 13, de 25 de abril de 2012, um colegiado de demissíveis, conforme Francisco Resek:

 

“... dependente de norma complementar à própria carta, e insuscetível, à luz de princípios e garantias essenciais daquela, de ser inventada, mediante convênio, por um colegiado de demissíveis ad nutum. Procedência da ação direta com que o Procurador-Geral da República atacou o regramento convenial da exigência do ICMS no caso dos transportes aéreos” (Supremo Tribunal Federal – ADI – Ação Direta de Inconstitucional nº 1089).

 

                   Impressiona-me o fato de o Executivo e o Legislativo resolveram rasgar a Constituição Federal. O Confaz não tem previsão ou competência instituída pela Constituição Federal de 1988. O § 6º do art. 150 e, a letra “g” do inciso II do § 2º do art. 155 da Constituição Federal de 1988 não fazem nenhuma referência ao “Conselho Nacional de Política Fazendária”. A única referência vem do § 8º do art. 34 do ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, uma espécie de aditivo da Carta Magna, nos seguintes termos:

 

§ 8º                Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, "b", os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria.

 

                   Trata-se evidentemente da Lei nº 87, de 13 de setembro de 1996 que regula o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS que, estabeleceu um fim ao citado convênio e, à própria Lei nº 24, de 7 de setembro de 1975, ou, no mínimo, nos artigos que lhe são contrários, portanto, a lei não foi recepcionada na totalidade pela nova ordem constitucional e, tampouco poderia porque torna menor o princípio da não-cumulatividade previsto no inciso II do § 2º do inciso II do artigo 155 da Constituição Federal.

sábado, 22 de dezembro de 2012

O Princípio da Legalidade Aplicado às Normas da ABNT

As normas da ABNT são leis? Antes de responder a pergunta, cabe esclarecer que a ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, fundada em 28 de setembro de 1940, portanto, há mais de setenta anos presta relevantes serviços públicos ao país, no entanto, a supremacia do interesse público caracterizada no Princípio da Legalidade, afasta a aplicação das normas técnicas como leis vinculantes, pelo Princípio da Indisponibilidade, como ensina Bandeira de Mello:
“A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público –, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis” (Mello, Celso Antônio Bandeira – Curso de Direito Administrativo – 25ª Edição – São Paulo – Malheiros – 2008).
                   A Associação Brasileira de Normas Técnicas não é um órgão público ou equivalente a este, não sendo tampouco considerada uma Autarquia Especial, mas, associação civil reconhecida de utilidade pública pela Lei 4.150, de 21 de novembro de 1962:
Art. 5º           A “ABNT” é considerada como órgão de utilidade pública e, enquanto não visar lucros, aplicando integralmente na manutenção de sua administração, instalações, laboratórios e serviços, as rendas que auferir, em seu favor se manterá, no Orçamento Geral da República, dotação não inferior a dez milhões de cruzeiros (Cr$10.000.000,00).
                   Cabe esclarecer que houve iniciativa, através do Projeto de Lei do Senado, nº 62, de 29 de novembro de 1972, para dar competência à ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas para elaboração de normas no território nacional, mas, fôra rejeitado em 08 de outubro de 1974 e, finalmente o Projeto de Lei do Senado, nº 376, de 04 de dezembro de 1985, sobre referência obrigatória às normas da ABNT nos rótulos dos produtos industrializados teve o mesmo destino.
                   Em 28 de abril de 1989 o Projeto de Lei foi reenviado à CCJ – Comissão de Constituição e Justiça do Senado ao argumento de que o “envio da matéria a CCJ, face às novas disposições constitucionais”, uma vez que o artigo 37 da nova ordem constitucional tem a previsão do Princípio da Legalidade e indisponibilidade do interesse público, como ensina Bandeira de Melo:
“O princípio da legalidade explicita a subordinação da atividade administrativa à lei e surge como decorrência natural da indisponibilidade do interesse público, noção, esta, que, conforme foi visto, informa o caráter da relação de administração. No Brasil, o art. 5º, inciso II, da Constituição Federal dispõe: ‘Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’” (Mello, Celso Antônio Bandeira – Curso de Direito Administrativo – 25ª Edição – São Paulo – Malheiros – 2008).
                   Assim explicitado, as normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas não são normas jurídicas ou legais e por seu turno, não possui poder vinculante, sendo que cabe, exclusivamente, interpretação e aplicação técnica pelos técnicos qualificados, enquanto que à norma legal vincula a todos os administrados:
“Cumpre também esclarecer que as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) não têm poder vinculante, sendo meras balizadoras do labor pericial” (parte de voto no STJ – Superior Tribunal de Justiça – AgRg – Agravo Regimental em Recurso Especial nº 92.834/PR – Processo 2011/0212492-5 – Relator: Ministro Massami Uyeda – 17/04/2012).
                   Posteriormente, a referência obrigatória na rotulagem das embalagens de produtos pré-medidos foi incluída pela Portaria Inmetro nº 157, de 19 de agosto de 2002 do Inmetro – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, uma Autarquia Federal. A ABNT, sociedade civil, entidade reconhecida como de utilidade pública, não tem competência legal, muito embora suas normas técnicas tenham referência e exigência Código de Defesa do Consumidor:
Art. 39          É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:
VIII               Colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de normas técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial - Conmetro”.
                   No entanto, o bem jurídico que a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 resguarda é a necessidade do consumidor, assim entendido como a sua proteção em razão da saúde, segurança, qualidade de vida, dignidade e interesse econômico, porque, as vedações de que trata o artigo 39, interpreta-se concomitantemente levando-se em consideração, o artigo 6º da mesma lei:
Art. 6º           São direitos básicos do consumidor:
I                      a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
III                  a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
                   Isso porque a proteção ao consumidor é norma jurídica mediata, ou seja, ao fornecedor é defeso colocar no mercado produto impróprio ao consumo e, ilícitos, assim entendidos os que, de alguma forma possam trazer risco à vida, saúde e, segurança do consumidor.
                   A partir do momento em que a livre concorrência é defendida, tutela-se o consumidor, considerando que trata-se a Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, de norma jurídica de aplicação imediata, porque independe de qualquer outro evento, ou seja, a constituição de qualquer impeditivo à livre concorrência já desencadeia a aplicação das normas antitruste:
“Ademais, nas decisões antitruste em que se tem a preocupação (imediata) da tutela da livre concorrência, a proteção (mediata) ao interesse do consumidor, quando existente, é não raro utilizada como elemento argumentativo” (Forgioni, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste – 5ª Edição – Revista dos Tribunais – São Paulo – 2012).
                   Não sendo normas legais, mas técnicas, as normas passam por distintos objetivos e campos de incidência. A ABNT é uma associação civil sem fins lucrativos, reconhecida como de utilidade pública pela Lei 4.150, de 21 de novembro de 1962, onde o Projeto de Lei da Câmara Federal de nº 2, de 31 de janeiro de 2006 alterou o inciso XIII do caput do art. 7º da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, reconhecendo as “normas técnicas” como obras intelectuais protegidas pela Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, com direitos autorais:
XIII                as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados, normas técnicas e outras obras que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
                   Não sendo públicas e considerando a competitividade como um fator dinâmico, ou seja, relacionado ao padrão de concorrência vigente em cada mercado, dentro do estudo da competitividade há que ser considerado, com a devida importância, os fatores internos e externos, como ensina Oliveira, dentre os fatores que alteram a competitividade das empresas:
“Fatores estruturais (referentes à indústria/complexo industrial): apresentam um caráter setor-específico, ou seja, se relacionam com os padrões de concorrência em cada ramo produtivo ou em grupos de setores similares. Dependem do ambiente competitivo que a indústria está competindo, não só sob a análise das características da demanda e da oferta, mas também, a influência das instituições extra-mercado, públicas e não-públicas, que definem o regime de incentivos e regulação da concorrência atual” (Oliveira, Thaís Regina Spanazzi – Estratégias Empresariais Comparadas – O Caso de Três Mineradoras Latino-Americanas – Projeto de Mestrado – Universidade Federal de Uberlândia – Orientador: Germano Mendes de Paula – 2004).
                   Há a possibilidade de normas técnicas serem manipuladas por grupos detentores de poder econômico, no sentido de estabelecer “barreiras técnicas às importações”, ferindo a livre concorrência, de aplicação imediata pela Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, pelos motivos expostos, uma vez confundidos os campos de incidência de diplomas legais, posto que a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1.990, passaria a ser empecilho à livre concorrência no mercado brasileiro.
                   Neste ínterim, o que se vem observando é que a elaboração de normas técnicas, por delegação a comitês da indústria organizada vem se transformando em verdadeiras barreiras técnicas à entrada de produtos importados no Brasil, gerando verdadeira afronta às normas legais antitrustes:
Nessa linha, mesmo o estabelecimento ou a criação de padrões para o mercado podem, em alguns casos, funcionar como aumento injustificado dos custos de rivais, principalmente nas hipóteses de associações profissionais e certificadores em que a entrada pode vir a se tornar essencial para a concorrência efetiva no mercado” (Junior, Ivo Teixeira Gico - Cartel - Teoria Unificada da Colisão - Lex Editora - 2007 - grifei).
                   É neste sentido a brilhantemente lição tratada por Eizirik na Folha de São Paulo sobre a Capture Theory (Teoria da Captura), onde diante da supremacia do interesse público, o administrador – através de suas agências reguladoras – deve evitar a aproximação com as empresas controladas, evitando, assim, a diminuição da credibilidade do controle administrativo, face a possibilidade do setor econômico regulado “capturar” o poder regulatório e assim agir com interesse próprio em prejuízo à supremacia do interesse público:
 “Embora a maioria dos assuntos regulados seja de interesse do grande público, este não tem as mesmas condições de organizar-se que a indústria regulada. Os custos para a mobilização de grandes e díspares setores da população são reconhecidamente elevados. Assim, as empresas reguladas, dispondo de maiores recursos e maior organização, tendem a ‘capturar’ as agências reguladoras” (Eizirik, Nelson, 62, mestre em direito pela PUC-RJ, é advogado. Foi Diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na Folha de São Paulo de 13/12/2012 A3 – Tendências e Debates).
                   A jurisprudência, através do brilhante voto do desembargador Francisco Cavalcanti do Tribunal Regional Federal da Quinta Região, demonstrou com propriedade o prejuízo do interesse público diante da teoria da captura:
“Ocorre a captura do ente regulador, quando grandes grupos de interesses ou empresas passam a influenciar as decisões e atuação do regulador, levando assim a agência a atender mais aos interesses das empresas (de onde vieram seus membros) do que os dos usuários do serviço, isto é, do que os interesses públicos. A discricionariedade de atuação das agências reguladoras não pode ser admitida com força a se converter em abuso de direito” (TRF5ª - Tribunal Regional Federal da 5ª Região - Agravo Regimental em Suspensão de Liminar - AGRSL3581/01/PE – Processo nº 20050500016439201 – Relator; Desembargador Federal Francisco Cavalcanti - 27/07/2005).
                   É neste sentido o presente estudo que, diante de visão mais aprimorada do direito econômico vislumbra-se a impossibilidade de normas técnicas virem a ser consideradas de aplicação compulsória por ferir a impessoalidade e legalidade de que trata o art. 37 da Constituição Federal de 1988, além de constituírem verdadeiras barreiras técnicas com base na Capture Theory com ênfase na atuação dos Comitês Brasileiros na formulação de normas restritivas de direito no âmbito da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas.
                   Como não poderia deixar de ser, a questão remete à moral administrativa de que trata também o artigo 37 da Constituição Federal que, diante do Princípio da Legalidade, impede que o particular se aproprie da res publica (impessoalidade), ou, do ponto de vista do direito constitucional comparado, ensina Trevijano:
La primera de las aportaciones doctrinales a la problemática de la naturaleza jurídica de las convenciones constitucionales, es como no podría ser de otro modo, la de Dicey. Partirá Dicey de la afirmación de que las normas convencionales a diferencia de las leyes constitucionales son la expresión de un conjunto de prácticas y máximas que representan un cuerpo que podríamos denominar de moral constitucional o política” (Trevijano, Pedro José González - Convenciones Constitucionales y Reglas de Corrección Constitucional - Facultad de Derecho - Universidad Complutense - Madri - 1988).
                   A doutrina adotou a expressão “captura” por indicar a possibilidade das agências reguladoras se transformarem em via de proteção para os diversos setores da economia regulados. A capture theory se configura quando a agência perde a condição de autoridade administrativa com ênfase no interesse público e, passa a “advogar” na legitimação de interesses privados dos setores regulados.
                   O Sherman Act, lei antitruste americana se debruçou sobre a questão quando se defrontou com o problema no sistema regulatório norte-americano e percebeu o desvirtuamento das finalidades da regulação, diante da ampla liberdade que havia do setor regulado, diante das autoridades reguladoras que dispunham de ampla autonomia, não encontrando maiores dificuldades para implantar um mecanismo de proteção do setor regulado.
                   A teoria da captura é o fenômeno inerente às agências reguladoras, mas, pode ser aplicada a qualquer setor que detenha de alguma forma poder regulador, mesmo fora da administração pública como ocorre com a ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas que detém o monopólio da função de normatizar o modo como devem ser produzidos diversos produtos da economia nacional e, via de regra, importados produtos similares, concentração de competência autônoma que representa grande problemática relativa ao risco da captura.