segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Um Cartel do Cimento em Ação Segundo a SDE

EXAME revela com exclusividade detalhes do relatório da Secretaria de Direito Econômico (hoje Cade) que acusa fabricantes de cimento de acordo para controlar preços. O suposto cartel renderia até 1,5 bilhão de reais ilegais ao ano.

Fonte: Revista Exame - Edição 1021 de 08/08/2012

Nota nossa publica em comentários: Há no Brasil uma cultura de cartéis que não deixa a economia avançar! Na matéria há referência à escória de alto forno, também conhecida por escória siderúrgica. Há um conluio de cartéis e o elo comum se chama Votorantim a quem pertence a Siderúrgica Barra Mansa que produz o vergalhão “votoraço-50”. A relação entre aço e cimento é tão promíscua que o IABr Instituto Aço Brasil ingressou em juízo na 2ª Vara Cível de Vitória - Espírito Santo para, através do processo nº 024.11.031887-0 buscar impedir que a empresa Cimentos Planalto S/A - Ciplan concluísse o desembaraço de uma carga de cimento pelo Porto de Vitória. O que uma associação de siderúrgica pode querer com cimento? A intenção era aumentar o custo com despesas de armazenagem e inviabilizar a operação economicamente, prática conhecida como Sham Litigation, utilizada pelo IABr em face de importadores de vergalhões e denunciada ao CADE no processo 08012.001594/2011-18.

clip_image002[4]São Paulo - No dia 1º de fevereiro de 2007, agentes da Polícia Federal e representantes da Secretaria de Direito Econômico (SDE) e do Ministério da Fazenda realizaram uma operação de busca e apreensão em escritórios de seis das principais fabricantes de cimento e concreto do país — Cimpor, InterCement (Camargo Corrêa), Itabira Agro Industrial (grupo Nassau), Holcim, Lafarge e Votorantim Cimentos — e na sede de associações do setor, em São Paulo e no Rio de Janeiro.

A operação foi motivada por uma denúncia de Evaldo José Meneguel, ex-coordenador comercial da Votorantim Cimentos, que acusava as empresas de formar um esquema para controlar preços, dividir mercados e barrar a entrada de novos competidores. Um suposto cartel do cimento.

Entre 2007 e 2011, os 820 000 documentos eletrônicos recolhidos foram examinados em uma das mais longas e complexas investigações da história da SDE, órgão que analisa casos de práticas contra a livre concorrência e que em maio foi incorporado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Cinco anos depois do início das investigações, em novembro do ano passado, a autarquia recomendou ao Cade a condenação de todos os envolvidos.

A palavra final sobre o caso será dada pelo Cade, que está avaliando o proces­so. EXAME teve acesso exclusivo à conclusão do processo administrativo no 08012.011142/2006-79 da SDE e revela nas páginas a seguir detalhes de como o suposto cartel funcionava — sempre de acordo com a SDE.

Além das seis empresas já citadas, foi acusada de integrar o cartel a Companhia de Cimento Itambé. Posteriormente, a Lafarge assinou um acordo com o Cade, pagou 43 milhões de reais e foi excluí­da do processo. As acusações são graves: se o cartel realmente existiu, o preço do cimento e de tudo que depende dele (a construção civil, por exemplo) ficou artificialmente inflado no Brasil por décadas, prejudicando milhões de pessoas e beneficiando um punhado de empresas.

Ao longo de cinco anos, a SDE construiu um processo com mais de 12 000 páginas. O relatório final, que está sendo analisado pelo Cade, tem 399 páginas. Nele, a SDE acusa as empresas de terem lucrado, com o cartel, 6 bilhões de reais entre 2002 e 2006 — período em que a investigação se concentrou.

Mas, para a SDE, as empresas estariam atuando de forma orquestrada há pelo menos seis décadas. A primeira Comissão Parlamentar de Inquérito da história do Senado, realizada em 1952, já tratava da preocupação com a competição desleal nesse setor. O relatório vem à tona em um dos momentos mais favoráveis para as fabricantes de cimento.

Por causa da expansão do mercado imobiliário e das obras de infraes­tru­tu­ra, o consumo de cimento cresce acima da renda real do Brasil desde 2004. Em 2010, o setor faturou 12 bilhões de reais — 125% mais do que há dez anos. E um bom pedaço desse faturamento, para a SDE, foi inflado artificialmente pela falta de competição.

A SDE calcula que só no programa Minha Casa, Minha Vida, orçado em 7 bilhões de reais, as empresas poderiam lucrar 700 milhões de forma ilegal. A conta vale também para outros contratos — na média geral, o acordo teria inflacionado em 10% a receita anual do setor, calculada pela SDE em 15 bilhões de reais — ou cerca de 1,5 bilhão de reais ao ano.

A principal acusação da SDE é que as empresas, responsáveis por cerca de 90% do mercado nacional de cimento, se organizaram para fixar e controlar preços de cimento em diversas regiões do país. Essa é a base para a acusação de formação de cartel. Durante as investigações, a SDE diz ter encontrado indícios de que as empresas compartilhavam uma tabela de valores usada como referência em cada região.

Esse preço seria seguido por todas: quando uma reajustava o preço, as outras aumentavam na mesma proporção. Um fax trocado no dia 5 de dezembro de 1997 por dois executivos da Itabira, João Zamir Grilo e Sérgio Maçães, demonstra, para a SDE, como funcionava o suposto esquema: “Cauê (marca de cimento do grupo Camargo Corrêa) não subiu no E.S. (Espírito Santo), falei com Sérgio Chaves gerente Cauê em Vitória e me informou que não deu tempo de fazer a tabela”.

Em outro fax, enviado no dia 10 de setembro de 1997, Grilo afirma a Maçães: “Poty (marca de cimento da Votorantim) continua entrando em São Mateus e Linhares (municípios do Espírito Santo), revendedores vendendo no varejo a 5,50 reais. Nosso preço na região 5,65 e 5,75 reais. Precisamos ver se Poty acerta preço”.

Além de manipular os preços, as empresas teriam se organizado para dividir igualmente os mercados e os clientes por região. Em anotações feitas por Maçães, há referências a uma conversa com Karl Bühler, executivo da Holcim, sobre as exigências feitas pela InterCement para compensar sua perda de participação em Minas Gerais para a Soeicom, atual Cimentos Liz. (A Cimentos Liz foi investigada, mas excluí­da da acusação da SDE.)

A InterCement queria em troca mais participação no sul do país. A SDE diz que essa prática era comum e destaca que as próprias empresas sabiam do risco que corriam e, por isso, tentavam maquiar as evidências. Anotações pessoais de Eduar­do Garcia, diretor jurídico da Lafarge, revelam sua preocupação ao ser questionado pelo Cade sobre por que a empresa não competia em São Paulo e mantinha a liderança da Votorantim “intocada”.

No texto, ele argumenta, segundo a SDE, que algo deveria ser feito para camuflar o cartel — por exemplo, a entrada da Lafarge em São Paulo. Ele anotou: “É importante que em razão das operações de concentração haja um novo/desenho de participações (ex Lafarge entra em São Paulo)”.

As empresas chegavam a deter­minar punições para quem desrespeitasse o acordo. Segundo o delator do esquema, caso uma cimenteira do grupo roubasse um cliente de sua aliada, deveria entregar outro cliente com um contrato de valor 10% maior para compensar.

Para fortalecer o suposto cartel, as empresas teriam estendido o acordo ao setor de concreto, num movimento chamado pela SDE de “verticalização”. A estratégia era conquistar na fabricação de concreto a mesma participação que as empresas do grupo detinham no mercado de cimento.

Uma apresentação encontrada nos computadores apreendidos na sede da InterCement confirmaria o plano, diz a SDE: “Atingir a participação de mercado em concreto semelhante à participação de cimento regiões mais relevantes (sic)”. A “verticalização” era uma maneira de ter mais controle sobre os preços de cimento no país.

O grupo estabelecia uma tabela de preços diferente para as concreteiras independentes e para as “coligadas”, que eram formadas por empresas indiretamente associadas ao suposto cartel, como Topmix, Brasmix e Betonserv, que tinham participação da Holcim; Polimix e Supermix, que são ligadas à Votorantim; Concrepav, à Itambé. O valor do cimento podia variar de 10%, para as coligadas, até 30%, para as independentes, conforme mostra um documento da Votorantim Cimentos de 2002.

Selo de qualidade

Mas as cimenteiras não agiam sozinhas, de acordo com o relatório da investigação. Para legitimar suas ações, elas contavam com a colaboração das associações ligadas ao setor de cimento e concreto (ABCP e Abesc) e do sindicato da indústria de cimento (SNIC).

Segundo as investigações, essas entidades trocavam informações entre as empresas, promoviam campanhas para denegrir a imagem das concorrentes e faziam pressão para alterar as normas técnicas com o intuito de aumentar as barreiras de entrada.

Para limitar a atuação de concorrentes de menor porte, a associação das cimenteiras criou até um selo de qualidade que somente os membros da associação conseguiam obter. Para a SDE, não era coincidência.

Por trás dessas práticas havia uma preocupação constante das cimenteiras investigadas em evitar a entrada de novos concorrentes. De acordo com os termos do relatório, elas utilizaram uma “intricada engenharia” de aquisições para consolidar o setor nos últimos anos.

A SDE destaca a compra da Cimento Ribeirão Grande pela Votorantim Cimentos em novembro de 2006 — que teria sido fechada diante do interesse do  grupo grego Titan e do mexicano Cemex pela empresa. Uma preocupação do grupo — sempre de acordo com a SDE — era com a siderúrgica CSN, controlada por Benjamin Steinbruch, que começou a fabricar cimento em 2009.

Em 2010, a CSN fez uma oferta hostil para assumir o comando da portuguesa Cimpor. Logo após a proposta, Votorantim e Camargo Corrêa entraram na disputa e fecharam negócio.

Uma apresentação de PowerPoint intitulada “Definindo prioridades para o grupo Camargo Corrêa”, de 20 de setembro de 2005, é usada pela SDE para mostrar que o grupo restringia o acesso aos insumos do cimento, principalmente à escória de alto-forno — outra maneira de evitar a chegada de concorrentes.

Em 2005, a Cimentos Liz protocolou uma acusação no Cade alegando aumento injustificado de preços e recusa de venda de insumo contra a InterCement, que tinha um contrato de longo prazo exclusivo de compra de escória com a siderúrgica Usiminas.

Segundo a SDE, o cartel controlava o fornecimento de escória mantendo participações acionárias em siderúrgicas como a Usiminas, em que Camargo Corrêa e Votorantim tinham 26% das ações com direito a voto (elas se desfizeram dessa fatia ao vender sua participação para a argentina Ternium em novembro do ano passado).

Ameaça de multa

Ainda não há um valor estipulado para a multa que pode ser aplicada às empresas em caso de condenação, mas estima-se que a punição poderá chegar a 3 bilhões de reais — 20% das vendas do setor —, o que seria a maior pena a um cartel na história do país. Até hoje, a maior sanção foi dada em setembro de 2010 a cinco empresas de gases hospitalares e industriais — White Martins, AGA, Air Liquide Brasil, Air Products Brasil e Indústria Brasileira de Gases.

Elas tiveram de pagar multa de 2,3 bilhões de reais. Se confirmada a atuação irregular das cimenteiras, é pouco provável que a punição vá além das multas. Nos Estados Unidos, um executivo pode ser condenado a até dez anos de prisão por prática de cartel. Desde 2000, mais de 150 empresários já cumpriram essa punição por lá. No Brasil, foram apenas 14 multas no mesmo período.

A reportagem de EXAME procurou todas as empresas acusadas, além dos sindicatos e associações. A Cimpor ofereceu-se em dezembro de 2007 a firmar um acordo com o Cade para ser excluída do processo, a exemplo do que fez a Lafarge. Mas o Cade recusou a proposta.

Em nota, a empresa afirma que segue todas as leis nos países em que atua e está aguardando “tranquilamente o julgamento pelo Cade”. A InterCement, controlada pela Camargo Corrêa, que contratou o ex-presidente do Cade Arthur Badin para tocar seu departamento jurídico, contesta as recomendações da SDE e diz que “aguarda o início do julgamento do processo pelo Cade convicta de que não atuou de forma irregular”.

A Votorantim afirma que o processo corre em segredo de Justiça e, em razão disso, “só irá se pronunciar sobre o tema nos fóruns adequados”. A Companhia de Cimento Itambé diz que não se pronunciará enquanto “não for oportunizada (sic) a defesa no Cade”. O sindicato do setor de cimento afirma que “irá responder a qualquer questionamento ou dúvida nas instâncias devidas, com transparência e tranquilidade”.

Procuradas, as associações das concreteiras e do cimento, a Cimento Liz e a Holcim disseram que não vão se manifestar. O grupo João Santos não retornou até o fechamento desta edição. O Cade diz que só vai se manifestar após o julgamento. O cimento deve ir para o banco dos réus até o fim do ano.

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