EXAME revela com exclusividade detalhes do relatório da Secretaria de Direito Econômico (hoje Cade) que acusa fabricantes de cimento de acordo para controlar preços. O suposto cartel renderia até 1,5 bilhão de reais ilegais ao ano.
Fonte: Revista Exame - Edição 1021 de 08/08/2012
Nota nossa publica em comentários: Há no Brasil uma cultura de cartéis que não deixa a economia avançar! Na matéria há referência à escória de alto forno, também conhecida por escória siderúrgica. Há um conluio de cartéis e o elo comum se chama Votorantim a quem pertence a Siderúrgica Barra Mansa que produz o vergalhão “votoraço-50”. A relação entre aço e cimento é tão promíscua que o IABr Instituto Aço Brasil ingressou em juízo na 2ª Vara Cível de Vitória - Espírito Santo para, através do processo nº 024.11.031887-0 buscar impedir que a empresa Cimentos Planalto S/A - Ciplan concluísse o desembaraço de uma carga de cimento pelo Porto de Vitória. O que uma associação de siderúrgica pode querer com cimento? A intenção era aumentar o custo com despesas de armazenagem e inviabilizar a operação economicamente, prática conhecida como Sham Litigation, utilizada pelo IABr em face de importadores de vergalhões e denunciada ao CADE no processo 08012.001594/2011-18.
São Paulo - No dia 1º de fevereiro de 2007, agentes da Polícia Federal e representantes da Secretaria de Direito Econômico (SDE) e do Ministério da Fazenda realizaram uma operação de busca e apreensão em escritórios de seis das principais fabricantes de cimento e concreto do país — Cimpor, InterCement (Camargo Corrêa), Itabira Agro Industrial (grupo Nassau), Holcim, Lafarge e Votorantim Cimentos — e na sede de associações do setor, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
A operação foi motivada por uma denúncia de Evaldo José Meneguel, ex-coordenador comercial da Votorantim Cimentos, que acusava as empresas de formar um esquema para controlar preços, dividir mercados e barrar a entrada de novos competidores. Um suposto cartel do cimento.
Entre 2007 e 2011, os 820 000 documentos eletrônicos recolhidos foram examinados em uma das mais longas e complexas investigações da história da SDE, órgão que analisa casos de práticas contra a livre concorrência e que em maio foi incorporado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Cinco anos depois do início das investigações, em novembro do ano passado, a autarquia recomendou ao Cade a condenação de todos os envolvidos.
A palavra final sobre o caso será dada pelo Cade, que está avaliando o processo. EXAME teve acesso exclusivo à conclusão do processo administrativo no 08012.011142/2006-79 da SDE e revela nas páginas a seguir detalhes de como o suposto cartel funcionava — sempre de acordo com a SDE.
Além das seis empresas já citadas, foi acusada de integrar o cartel a Companhia de Cimento Itambé. Posteriormente, a Lafarge assinou um acordo com o Cade, pagou 43 milhões de reais e foi excluída do processo. As acusações são graves: se o cartel realmente existiu, o preço do cimento e de tudo que depende dele (a construção civil, por exemplo) ficou artificialmente inflado no Brasil por décadas, prejudicando milhões de pessoas e beneficiando um punhado de empresas.
Ao longo de cinco anos, a SDE construiu um processo com mais de 12 000 páginas. O relatório final, que está sendo analisado pelo Cade, tem 399 páginas. Nele, a SDE acusa as empresas de terem lucrado, com o cartel, 6 bilhões de reais entre 2002 e 2006 — período em que a investigação se concentrou.
Mas, para a SDE, as empresas estariam atuando de forma orquestrada há pelo menos seis décadas. A primeira Comissão Parlamentar de Inquérito da história do Senado, realizada em 1952, já tratava da preocupação com a competição desleal nesse setor. O relatório vem à tona em um dos momentos mais favoráveis para as fabricantes de cimento.
Por causa da expansão do mercado imobiliário e das obras de infraestrutura, o consumo de cimento cresce acima da renda real do Brasil desde 2004. Em 2010, o setor faturou 12 bilhões de reais — 125% mais do que há dez anos. E um bom pedaço desse faturamento, para a SDE, foi inflado artificialmente pela falta de competição.
A SDE calcula que só no programa Minha Casa, Minha Vida, orçado em 7 bilhões de reais, as empresas poderiam lucrar 700 milhões de forma ilegal. A conta vale também para outros contratos — na média geral, o acordo teria inflacionado em 10% a receita anual do setor, calculada pela SDE em 15 bilhões de reais — ou cerca de 1,5 bilhão de reais ao ano.
A principal acusação da SDE é que as empresas, responsáveis por cerca de 90% do mercado nacional de cimento, se organizaram para fixar e controlar preços de cimento em diversas regiões do país. Essa é a base para a acusação de formação de cartel. Durante as investigações, a SDE diz ter encontrado indícios de que as empresas compartilhavam uma tabela de valores usada como referência em cada região.
Esse preço seria seguido por todas: quando uma reajustava o preço, as outras aumentavam na mesma proporção. Um fax trocado no dia 5 de dezembro de 1997 por dois executivos da Itabira, João Zamir Grilo e Sérgio Maçães, demonstra, para a SDE, como funcionava o suposto esquema: “Cauê (marca de cimento do grupo Camargo Corrêa) não subiu no E.S. (Espírito Santo), falei com Sérgio Chaves gerente Cauê em Vitória e me informou que não deu tempo de fazer a tabela”.
Em outro fax, enviado no dia 10 de setembro de 1997, Grilo afirma a Maçães: “Poty (marca de cimento da Votorantim) continua entrando em São Mateus e Linhares (municípios do Espírito Santo), revendedores vendendo no varejo a 5,50 reais. Nosso preço na região 5,65 e 5,75 reais. Precisamos ver se Poty acerta preço”.
Além de manipular os preços, as empresas teriam se organizado para dividir igualmente os mercados e os clientes por região. Em anotações feitas por Maçães, há referências a uma conversa com Karl Bühler, executivo da Holcim, sobre as exigências feitas pela InterCement para compensar sua perda de participação em Minas Gerais para a Soeicom, atual Cimentos Liz. (A Cimentos Liz foi investigada, mas excluída da acusação da SDE.)
A InterCement queria em troca mais participação no sul do país. A SDE diz que essa prática era comum e destaca que as próprias empresas sabiam do risco que corriam e, por isso, tentavam maquiar as evidências. Anotações pessoais de Eduardo Garcia, diretor jurídico da Lafarge, revelam sua preocupação ao ser questionado pelo Cade sobre por que a empresa não competia em São Paulo e mantinha a liderança da Votorantim “intocada”.
No texto, ele argumenta, segundo a SDE, que algo deveria ser feito para camuflar o cartel — por exemplo, a entrada da Lafarge em São Paulo. Ele anotou: “É importante que em razão das operações de concentração haja um novo/desenho de participações (ex Lafarge entra em São Paulo)”.
As empresas chegavam a determinar punições para quem desrespeitasse o acordo. Segundo o delator do esquema, caso uma cimenteira do grupo roubasse um cliente de sua aliada, deveria entregar outro cliente com um contrato de valor 10% maior para compensar.
Para fortalecer o suposto cartel, as empresas teriam estendido o acordo ao setor de concreto, num movimento chamado pela SDE de “verticalização”. A estratégia era conquistar na fabricação de concreto a mesma participação que as empresas do grupo detinham no mercado de cimento.
Uma apresentação encontrada nos computadores apreendidos na sede da InterCement confirmaria o plano, diz a SDE: “Atingir a participação de mercado em concreto semelhante à participação de cimento regiões mais relevantes (sic)”. A “verticalização” era uma maneira de ter mais controle sobre os preços de cimento no país.
O grupo estabelecia uma tabela de preços diferente para as concreteiras independentes e para as “coligadas”, que eram formadas por empresas indiretamente associadas ao suposto cartel, como Topmix, Brasmix e Betonserv, que tinham participação da Holcim; Polimix e Supermix, que são ligadas à Votorantim; Concrepav, à Itambé. O valor do cimento podia variar de 10%, para as coligadas, até 30%, para as independentes, conforme mostra um documento da Votorantim Cimentos de 2002.
Selo de qualidade
Mas as cimenteiras não agiam sozinhas, de acordo com o relatório da investigação. Para legitimar suas ações, elas contavam com a colaboração das associações ligadas ao setor de cimento e concreto (ABCP e Abesc) e do sindicato da indústria de cimento (SNIC).
Segundo as investigações, essas entidades trocavam informações entre as empresas, promoviam campanhas para denegrir a imagem das concorrentes e faziam pressão para alterar as normas técnicas com o intuito de aumentar as barreiras de entrada.
Para limitar a atuação de concorrentes de menor porte, a associação das cimenteiras criou até um selo de qualidade que somente os membros da associação conseguiam obter. Para a SDE, não era coincidência.
Por trás dessas práticas havia uma preocupação constante das cimenteiras investigadas em evitar a entrada de novos concorrentes. De acordo com os termos do relatório, elas utilizaram uma “intricada engenharia” de aquisições para consolidar o setor nos últimos anos.
A SDE destaca a compra da Cimento Ribeirão Grande pela Votorantim Cimentos em novembro de 2006 — que teria sido fechada diante do interesse do grupo grego Titan e do mexicano Cemex pela empresa. Uma preocupação do grupo — sempre de acordo com a SDE — era com a siderúrgica CSN, controlada por Benjamin Steinbruch, que começou a fabricar cimento em 2009.
Em 2010, a CSN fez uma oferta hostil para assumir o comando da portuguesa Cimpor. Logo após a proposta, Votorantim e Camargo Corrêa entraram na disputa e fecharam negócio.
Uma apresentação de PowerPoint intitulada “Definindo prioridades para o grupo Camargo Corrêa”, de 20 de setembro de 2005, é usada pela SDE para mostrar que o grupo restringia o acesso aos insumos do cimento, principalmente à escória de alto-forno — outra maneira de evitar a chegada de concorrentes.
Em 2005, a Cimentos Liz protocolou uma acusação no Cade alegando aumento injustificado de preços e recusa de venda de insumo contra a InterCement, que tinha um contrato de longo prazo exclusivo de compra de escória com a siderúrgica Usiminas.
Segundo a SDE, o cartel controlava o fornecimento de escória mantendo participações acionárias em siderúrgicas como a Usiminas, em que Camargo Corrêa e Votorantim tinham 26% das ações com direito a voto (elas se desfizeram dessa fatia ao vender sua participação para a argentina Ternium em novembro do ano passado).
Ameaça de multa
Ainda não há um valor estipulado para a multa que pode ser aplicada às empresas em caso de condenação, mas estima-se que a punição poderá chegar a 3 bilhões de reais — 20% das vendas do setor —, o que seria a maior pena a um cartel na história do país. Até hoje, a maior sanção foi dada em setembro de 2010 a cinco empresas de gases hospitalares e industriais — White Martins, AGA, Air Liquide Brasil, Air Products Brasil e Indústria Brasileira de Gases.
Elas tiveram de pagar multa de 2,3 bilhões de reais. Se confirmada a atuação irregular das cimenteiras, é pouco provável que a punição vá além das multas. Nos Estados Unidos, um executivo pode ser condenado a até dez anos de prisão por prática de cartel. Desde 2000, mais de 150 empresários já cumpriram essa punição por lá. No Brasil, foram apenas 14 multas no mesmo período.
A reportagem de EXAME procurou todas as empresas acusadas, além dos sindicatos e associações. A Cimpor ofereceu-se em dezembro de 2007 a firmar um acordo com o Cade para ser excluída do processo, a exemplo do que fez a Lafarge. Mas o Cade recusou a proposta.
Em nota, a empresa afirma que segue todas as leis nos países em que atua e está aguardando “tranquilamente o julgamento pelo Cade”. A InterCement, controlada pela Camargo Corrêa, que contratou o ex-presidente do Cade Arthur Badin para tocar seu departamento jurídico, contesta as recomendações da SDE e diz que “aguarda o início do julgamento do processo pelo Cade convicta de que não atuou de forma irregular”.
A Votorantim afirma que o processo corre em segredo de Justiça e, em razão disso, “só irá se pronunciar sobre o tema nos fóruns adequados”. A Companhia de Cimento Itambé diz que não se pronunciará enquanto “não for oportunizada (sic) a defesa no Cade”. O sindicato do setor de cimento afirma que “irá responder a qualquer questionamento ou dúvida nas instâncias devidas, com transparência e tranquilidade”.
Procuradas, as associações das concreteiras e do cimento, a Cimento Liz e a Holcim disseram que não vão se manifestar. O grupo João Santos não retornou até o fechamento desta edição. O Cade diz que só vai se manifestar após o julgamento. O cimento deve ir para o banco dos réus até o fim do ano.
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